Estratégia Corporativa

FINANÇAS DESCENTRALIZADAS: UTILIZAÇÃO DO FORESIGHT ESTRATÉGICO COM OPEN STRATEGY

Produto da colaboração entre as Comissões Temáticas de Estratégia e de Conselho do Futuro, este artigo apresenta pontos centrais da publicação do IBGC que discute o Foresight Estratégico como elemento do Pensar Estratégico e sua sinergia com a abordagem da Estratégia Aberta. Para exemplificar, apresentamos o caso da evolução das Finanças Descentralizadas.

As mudanças profundas e aceleradas decorrentes da aplicação de tecnologias disruptivas, impõem a compreensão e incorporação de abordagens inovadoras aos processos do pensar estratégico e do planejamento estratégico. Enquanto o Foresight Estratégico é uma metodologia para apoiar a exploração dos futuros possíveis e o repensar das diretrizes estratégicas em cenários de mudança, a Estratégia Aberta convida uma variedade de stakeholders a participarem da formulação e execução de estratégias organizacionais. Esta combinação se revela altamente eficaz na era de mudanças rápidas impulsionadas pelas inovações tecnológicas. Como exemplo desta interação, exploramos uma visão para os produtos e serviços financeiros a partir das profundas modificações decorrentes do modelo de Finanças Descentralizadas, que operam serviços financeiros sem intermediários, permitem transações diretas entre pares, e desafiam o cenário financeiro global.

A evolução da internet se desdobra em diferentes fases. A 1ª Onda das Fintechs surgiu na década de 1990 com a ampliação do acesso às contas bancárias via internet e ao homebanking, e resultou em transações financeiras mais ágeis e de menor custo. A popularização de recursos como as aplicações de inteligência artificial, a computação na nuvem, o manejo de dados em blockchain, impulsionaram a 2ª Onda das Fintechs, com inovações que promoveram nova redução dos custos transacionais, melhoras na experiência e aumento da autonomia do usuário. Esta conjuntura foi propícia à integração dos processos que transformam serviços e produtos financeiros em tokens, que são uma representação digital de ativos tangíveis como moeda fiduciária e imóveis, ou intangíveis como criptomoedas e patentes. 

A evolução dos mecanismos de tokenização acompanhou a crescente demanda das Fintechs pela diversidade de ativos digitais, exigindo combinações de atributos como segurança, utilidade e reprodutibilidade. O reconhecimento da sofisticação, coordenação e alcance destes mecanismos favoreceu a consolidação da expressão Finanças Descentralizadas (Decentralized Finance, DeFi) durante a década de 2010. O período entre 2017 e 2020 ficou conhecido como a era das Initial Coin Offering (ICO) - processo equivalente ao IPO (Initial Public Offering), mas com acesso a fundos diretamente junto ao público, sem intermediários bancários. 

Por outro lado, a profusão de termos técnicos como contratos inteligentes, stablecoins e liquidity pool, combinada à dificuldade em oferecer explicações descomplicadas sobre os termos e funções da DeFi, inibiu a aproximação do consumidor médio, atraindo principalmente os mais jovens e os mais familiarizados com as inovações tecnológicas. Uma pena, pois os contratos inteligentes são apenas programas que executam de forma automática transações, sempre que determinadas condições sejam atendidas; as stablecoins são tokens lastreados em moeda fiduciária (como o dólar americano ou Euro), que reduzem a volatilidade das soluções em DeFi; e liquidity pool é um conjunto mínimo de tokens de diferentes criptomoedas, mantidos de forma a garantir a liquidez em um ambiente DeFi. Para muitos outros verbetes, também é possível apresentar uma definição simples e objetiva.

Superado a crise global do mercado financeiro provocada pela pandemia de COVID019, várias empresas provedoras de serviços financeiros descentralizados nasceram e o conjunto de inovações deste período marcou o DeFi Summer (final de 2020), quando muitos usuários em todo o mundo aderiram a uma ampla variedade de serviços baseados em criptoativos transacionados em Plataformas de Empréstimos, de Câmbio e de Derivativos. No entanto, a maior interoperabilidade destas soluções expôs o ecossistema DeFi aos riscos sistêmicos e de mercado típicos aos das Finanças Tradicionais (Traditional Finance, TradFi). Os modelos de negócios em DeFi também apresentam riscos técnicos, como as vulnerabilidades em contratos inteligentes, riscos cibernéticos, riscos regulatórios, uma vez que a legislação não ordena o que não existe e age de forma responsiva em relação aos avanços tecnológicos. No entanto, a busca por um ambiente DeFi ético e íntegro faz com que desenvolvedores, reguladores e usuários colaborem na instalação de novas iniciativas protetivas.

Nos seus primeiros anos, o modelo de DeFi se desenvolveu com pouca sobreposição com o mercado existente, ampliando os limites do setor pela introdução de produtos e serviços inovadores. Este fenômeno mercadológico, conhecido como landslide, estabelece um padrão diferente ao dos incumbentes pois está amparado na natureza segura, transparente e automatizada de transações realizadas sem intermediários bancários tradicionais. Nesta fase, o movimento denominado outside-in, atrai um público diversificado composto em grande parte por usuários insatisfeitos ou negligenciados pelos incumbentes do sistema financeiro. É o caso de um produtor rural que enfrenta dificuldades para obter empréstimos ou realizar transações financeiras básicas devido à falta de infraestrutura bancária em sua região. A DeFi promete oferecer acesso a serviços financeiros como empréstimos diretamente entre indivíduos (denominados peer-to-peer), sem depender do banco tradicional.

Por outro lado, com o avanço da DeFi, empresas de serviços financeiros, nativas do ambiente digital, começaram a desafiar as empresas estabelecidas e buscam seus clientes, em uma estratégia audaciosa conhecida como inside-out. As novas entrantes apostam na diferenciação por inovação como alavanca para ofertar preço baixo, agilidade, transparência e segurança de dados. Este tipo de posicionamento exige uma proposta de valor sólida, baseada no profundo conhecimento do mercado e das necessidades e desejos da nova geração de usuários.

A adoção destes movimentos - landslide, outside-in e inside-out -, exige um exercício de Pensar Estratégico robusto e sofisticado, que explore Futuros Possíveis e repense diretrizes estratégias baseada em cenários muito diferentes do business as usual. Neste contexto, a prática do Corporate Foresight se apresenta como recurso capaz de concatenar múltiplas tendências e de formular futuros viáveis para os quais a empresa pode se preparar desde já.

O pensar estratégico é um processo contínuo que demanda uma compreensão profunda do contexto, a definição de diretrizes estratégicas, a elaboração de um plano robusto e ações detalhadas, a comunicação eficaz da estratégia e, não menos importante, a implementação, execução e monitoramento constantes. Seu exercício pode ser observado pela composição entre oversight e foresight. Enquanto a prática de supervisão (oversight) se concentra no presente, identifica riscos e oportunidades imediatas, e dispõe de informações para decisões bem-informadas, o foresight procura acelerar o entendimento do futuro e orientar a elaboração das diretrizes estratégias.

No entanto, o olhar diligente para o foresight deve considerar os três horizontes de aplicação. O primeiro horizonte, com alcance entre 2 e 5 anos, é tradicionalmente denominado forecast (ou previsão) e é fortemente ancorado nos dados históricos e nas muitas tendências já identificadas. No outro extremo, explorando os cenários que podem abranger várias décadas, estão os horizontes tratados pelas abordagens denominadas “analogias”. Por fim, numa posição intermediária, o Corporate Foresight, também denominado Strategic Foresight (ou Foresight Estratégico, em tradução livre baseada no uso comum), se estende de 3 a 25 anos – ou mais, em situações particulares. 

Este texto ocupa-se do Foresight Estratégico, metodologia que parte da identificação de sinais fracos e ainda fragmentados, e avança até a ideação de diretrizes respaldadas por construtos, que apresentam uma descrição que simplifica e organiza informações complexas, e ajudam a interpretar o mundo de forma estruturada. Eles evoluem ao longo do tempo pois são influenciados por fatores culturais, sociais e históricos, e desempenham um papel fundamental na definição de padrões de comportamento e tomada de decisões. O Foresight Estratégico concatena o ritmo latente da evolução dos sinais captados e projeta a trilha de formação dos mecanismos transdisciplinares que originam diferentes cenários, incluindo Futuros Possíveis e Prováveis, sem aspirar previsões precisas. Enquanto os Futuros Possíveis consideram mais variáveis e incertezas, os Futuros Prováveis resultam das trilhas transdisciplinares mais realistas ou viáveis. A construção de Futuros Prováveis contempla evolução dos sinais atualmente fragmentados, o encadeamento de suas interações, a possibilidade de eventos disruptivos ou de inflexões que alteram curso dos acontecimentos. 

Como resultado do exercício de Foresight Estratégico que, desde as primeiras ondas transformacionais coloca o DeFi no centro dos modelos de negócios financeiros, alguns bancos, fundos de investimento, meios de pagamento, e seguradoras incumbentes já se posicionam no mercado de serviços descentralizados, aquecendo a competição pelas novas gerações de consumidores. Um Futuro Possível indica que esta competição acelerará o desenvolvimento de soluções mais seguras e eficientes, e que a adesão de firmas tradicionais trará mais liquidez ao ambiente DeFi.

A concorrência dos nativos-digitais que operam modelos escaláveis de menor custo pode resultar, para as incumbentes, na perda de competitividade, redução da participação de mercado, queda das receitas e pressão por aumento das taxas de serviços. Como reação aos Futuros Possíveis com a DeFi protagonista dos serviços financeiros, as instituições financeiras tradicionais estão ampliando seu portfólio de diretrizes estratégias. A aceitação de que haverá modificações profundas nos padrões de mercado já encoraja os incumbentes a estruturar projetos colaborativos com startups pioneiras da DeFi ou empreender o lançamento de spin-offs, em claro esforço de antecipação aos Futuros Prováveis. Dentre as abordagens mais conservadoras, destaca-se a segmentação, que envolve focar em nichos, oferecendo serviços especializados para públicos com necessidades particulares, e a redução de tamanho, que restringe a abrangência ou escala das operações, concentrando-se nos nichos mais lucrativos ou seguros diante da concorrência. 

Por outro lado, alguns incumbentes adotarão estratégias mais ousadas, como o lançamento de novos negócios a partir da alavancagem de suas capacidades existentes. Outra estratégia agressiva é a aquisição de empresas DeFi já estabelecidas, aproveitando a experiência dos negócios adquiridos e obtendo acesso rápido às tecnologias, conhecimentos e bases de clientes. Além disso, a diversificação de portfólio é uma opção para adequação às novas prioridades, e para se afastarem da oferta de produtos e serviços mais ameaçados, buscando novas fontes de receita pelo reposicionamento no mercado. Em um Futuro Provável, DeFi e TradFi coexistem e evoluem integradas, exigindo das organizações uma cultura de inovação, agilidade e flexibilidade, capaz de abraçar a mudança como elemento perene. 

De forma complementar, a abordagem da estratégia aberta (Open Strategy) revigora o pensamento estratégico tradicional, convidando um espectro mais amplo de stakeholders a participarem da formulação e execução de estratégias organizacionais. Ela rompe com o paradigma do Pensar Estratégico a portas fechadas. Esta visão inclusiva, transparente e colaborativa alinha-se especialmente bem ao ambiente dinâmico do DeFi. Ao integrar múltiplos pontos de vista, a Estratégia Aberta pode rapidamente assimilar implicações técnicas, mercadológicas, competitivas e regulatórias, proporcionando insights profundos.

A natureza colaborativa e inclusiva da Estratégia Aberta promove a integração de diversas perspectivas, e facilita o reconhecimento dos sinais úteis ao Foresight Estratégico. Ao envolver múltiplas partes interessadas, a Estratégia Aberta cria um ambiente fértil para perceber tendências e mudanças emergentes que poderiam passar despercebidas em modelos mais fechados. Além disso, o desafio de interpretar os sinais do Foresight e de elaborar cenários futuros com base em informações fragmentadas pode ser facilitado pelo aporte de múltiplas perspectivas. Com o aprimoramento da capacidade de Foresight Estratégico, a organização se prepara de maneira mais eficaz para as mudanças iminentes no cenário DeFi, posicionando-se para lidar com desafios e oportunidades revelados por uma visão expandida, abrangendo futuros prováveis e possíveis.

A natureza dinâmica do Foresight Estratégico demanda uma constante vigilância. Por exemplo, a adoção de um conjunto específico de soluções tecnológicas pode fortalecer e acelerar o amadurecimento dos componentes essenciais do ecossistema DeFi, tais como avaliação de riscos, detecção de fraudes e conformidade regulatória. Em caso mais recente, a adoção de soluções de IA Generativa (como o ChatGPT) ilustra como um simples ajuste na interface com o usuário pode desencadear alternativas futuras. 

A exploração de cenários com um horizonte acima de 5 anos é crucial no Pensar Estratégico, e especialmente facilitado pelas abordagens da Estratégia Aberta, que facilitam a co-criação entre as partes interessadas. Isso fica evidente pela trajetória de desenvolvimento dos modelos DeFi, com primeiros sinais percebidos na década de 1990. As oportunidades visualizadas fortaleceram a resiliência organizacional ao antecipar Futuros Possíveis prepararam as empresas para as mudanças no comportamento de consumidores estruturando as bases dos serviços que atenderão futuras gerações de clientes.

Alexandre Oliveira, PHD, CCA
é Conselheiro de Administração da Fundação Patronos, Coordenador do Comitê de Estratégia da LampionsBet, membro da Comissão de Estratégia do IBGC, e CEO da Cebralog Consultoria. Pós-doutorando em Strategic Thinking (Innsbruck University), doutor em IA nas Decisões Corporativas (Unicamp), pós-graduado Negócios Digitais (MIT) e em Finanças (Unicamp). Mestre em Supply Chain (Cranfield University) e Especialista em Regulatory Compliance (Penn State).
alexandre@ibpsc.net

Domingos Laudisio
é Conselheiro de Administração de diversas empresas no Brasil e no exterior. Venture Capital - Agroven (New Ventures em Agro). Membro da Comissão do Conselho do Futuro do IBGC. Membro do grupo de seleção de alunos para a Universidade de Stanford, Califórnia. Mestre em Engenharia e Administração pela Universidade de Stanford, California.
dalaudisio@bmcounseling.com

Marco Vitiello
é Membro do Conselho de Estratégia do Grupo Melo Cordeiro e da Condvolt, membro da Comissão de Estrategia do IBGC, sócio da BEST ALLIANCE Consultores e da MHCV Consultoria Empresarial, engenheiro mecânico (USP), MBA em gestão empresarial (FGV).
marco.vitiello@terra.com.br

Oliver Moesgen
é
Presidente Hilti do Brasil, membro da Comissão de Estratégia do IBGC, investidor anjo serial e membro de conselho consultivo, MBA em finanças e gestão empresarial - universidade Friburgo - Suíça, com cursos de especialização no IMD.
oliveramoesgen@gmail.com


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