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Com o advento do Novo Código de Processo Civil, em vigor desde 18 de março deste ano, as associações brasileiras, que já tinham grande atuação na defesa dos direitos de seus associados, assumiram o papel de protagonistas na condução e solução das questões jurídicas que afetam o dia-a-dia de seus associados.
Isso porque, na linha do que já vinha acontecendo em termos práticos no âmbito dos tribunais superiores, o legislador sedimentou a força do precedente jurisprudencial e instituiu o incidente de resolução de demandas repetitivas, que estende a sistemática também para os tribunais de segundo grau, dando maior ênfase ao julgamento conjunto de causas similares.
Atendendo aos legítimos anseios da sociedade pela busca de uma tutela jurisdicional mais célere ‑ e ainda assim justa e adequada ‑, e visando a reduzir o grande número de recursos que se acumulam perante os Tribunais com teses repetidas (muitas vezes já pacificadas nas instâncias superiores), o legislador instituiu um modelo que permite a seleção de um recurso que discuta tema recorrente em larga escala, impondo a suspensão dos recursos que tenham fundamento em idêntica controvérsia até que aquele eleito seja julgado com efeito expressamente vinculante. Com o pronunciamento definitivo do Tribunal competente acerca do tema, os recursos sobrestados voltam a tramitar, com a imediata aplicação da tese fixada.
Esse julgamento concentrado, portanto, revoluciona a forma de se enfrentar um litígio, já que propiciará a resolução de grandes questões de forma mais cuidadosa, inteligente e de uma só vez.
Com isso, diante da concreta possibilidade do resultado de um julgamento em recurso de terceiro ser diretamente aplicado a casos similares que afetem seus associados, a associação terá a função estratégica de mapear recursos que discutam teses jurídicas relevantes, acompanhá-los e, sobretudo, atuar em tais processos de forma direta, a fim de evitar a prolação de uma decisão que venha a prejudicar todo o setor.
É nesse contexto que cresce a importância da figura do amicus curiae. Mesmo que a associação não seja parte no processo, até que o recurso seja pautado para julgamento, poderá requerer seu ingresso no feito na qualidade de “amigo da Corte” - “um termo aplicado a um espectador que, sem ter interesse na causa, utiliza-se de seu conhecimento próprio para fazer sugestões sobre um ponto da lei ou de fato que servirão de informações ao juiz”.
O Superior Tribunal de Justiça já sedimentou o entendimento de que “o amicus curiae poderá atuar na esfera infraconstitucional, objetivando a uniformização de interpretação de lei federal”, sempre que a matéria versada for de “relevante interesse social”, relacionando-se a sua presença no feito “ao próprio exercício da cidadania e à preservação dos princípios e, muito particularmente, à ordem constitucional” (STJ, Primeira Seção, EDcl. no AgRg no MS nº 12.459-DF, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, Juiz Conv. TRF da 1ª Região, j. 27.2.2008, DJe 24.3.2008).
Outros Tribunais da Federação também aderiram a este posicionamento, ressaltando que o principal objetivo da participação do amicus curiae no processo “é o de auxiliar o Tribunal a ter melhor compreensão de questão submetida a sua apreciação e que possua grande relevância para coletividade, fornecendo subsídios técnicos a respeito dos reflexos concretos da matéria a ser decidida” (TRF da 2ª Região, 1ª Seção Especializada, AR nº 2007.02.01.006831-6, rel. Des. Federal André Fontes, j. 28.2.2008, DJU 26.9.2008, p. 862).
Recentemente, tivemos o privilégio de patrocinar os interesses do recorrente em recurso especial repetitivo que discutia a legalidade do sistema de score para análise de risco de crédito por instituições financeiras e pelo varejo em geral. Nesse processo, o STJ, pela primeira vez em sua história, realizou uma ampla audiência pública, ouviu todos os interessados e admitiu diversas entidades como amicus curiae para que se manifestassem sobre o tema a ser decidido.
O resultado foi a fixação de uma tese que considerou as linhas argumentativas dos diversos interessados e ofereceu ao mundo jurídico uma solução que realmente regula a matéria em sua integralidade.
Em relação aos temas que interessam às companhias abertas, o Superior Tribunal de Justiça já fixou relevantes teses na sistemática dos recursos representativos de controvérsia, como por ex.:
(i) “Converte-se a obrigação de subscrever ações em perdas e danos multiplicando-se o número de ações devidas pela cotação destas no fechamento do pregão da Bolsa de Valores no dia do trânsito em julgado da ação de complementação de ações, com juros de mora desde a citação”;
(ii) “Sobre o valor dos dividendos não pagos, incide correção monetária desde a data de vencimento da obrigação, nos termos do art. 205, § 3º, Lei 6.404/76, e juros de mora desde a citação”;
(iii) “Os dividendos são devidos durante todo o período em que o consumidor integrou ou deveria ter integrado os quadros societários. No caso das ações convertidas em perdas e danos, é devido o pagamento de dividendos desde a data em que as ações deveriam ter sido subscritas, até a data do trânsito em julgado do processo de conhecimento, incidindo juros de mora e correção monetária segundo os critérios do item anterior”;
(iv) “O cessionário de contrato de participação financeira tem legitimidade para ajuizar ação de complementação de ações somente na hipótese em que o instrumento de cessão lhe conferir, expressa ou implicitamente, o direito à subscrição de ações, conforme apurado nas instâncias ordinárias”;
(v) “Incide ISSQN sobre operações de arrendamento mercantil financeiro”;
(vi) “A responsabilidade tributária do sucessor abrange, além dos tributos devidos pelo sucedido, as multas moratórias ou punitivas, que, por representarem dívida de valor, acompanham o passivo do patrimônio adquirido pelo sucessor, desde que seu fato gerador tenha ocorrido até a data da sucessão” (questão que versa sobre sucessão de empresas);
(vii) “Responde pelos danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas”.
Há outros tantos a decidir.
Assim, os associados devem se organizar para, por intermédio de suas associações, mapear todos os casos que possam afetar as respectivas indústrias e intervir nos processos cujas teses jurídicas possam, no futuro, virar um precedente vinculante, de modo a municiar o julgador com as informações relevantes à decisão, a fim de que sejam efetivamente enfrentados todos os aspectos da questão.
É nesse contexto que acreditamos haver uma oportunidade única para repensar o papel das associações na formação do Direito brasileiro, a fim de que assumam um papel ativo na defesa dos interesses de seus associados.
Flávio Pereira Lima
é sócio do escritório Mattos Filho, especialista em contencioso judicial e em arbitragem.
flima@mattosfilho.com.br
Maricí Giannico
é associada do escritório Mattos Filho e doutora em direito processual civil.
mgiannico@mattosfilho.com.br