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INSIDER TRADING: GOVERNANÇA NO PAPEL OU MERCADO INEFICIENTE?

É certo que o Brasil vive momentos indiscutíveis de verdades, voracidade da pós-verdade, de revelações sem precedentes na sua história, de fake news. Isso tornou-se um marco em nossas vidas e nossa geração terá o que contar aos seus netos e bisnetos. O ser humano sem dúvida é admirável pela perplexidade que pode causar, seja para o bem, seja para o mal, traje branco ou traje preto, herói ou carrasco, analfabeto ou de notório saber, represente ou nos alimente. Atingimos o terrível momento de insanidade, nesse contexto, de não saber mais quem é quem nos dias de hoje. E paramos para pensar se o Brasil dos últimos anos e meses errou.

Assim como uma empresa, onde quem erra são seus funcionários, o Brasil não errou, quem erra é seu povo, em sua maioria; talvez pelo curriculum vitae impressionante, pela experiência de vida, pelo discurso empolgante, pela representatividade, pela falta de opção, pela nossa ignorância ou até mesmo pela absurda necessidade de um pobre coitado. Isso nos trouxe um salve-se quem puder, onde o astuto, sorrateiro, interesseiro, coadunado pelas entranhas da lei, foi alçado da obediência das regras, ora culpado, delatante, delatável; inocente. E o pacato cidadão vergonhosamente repensa os valores.

O mercado de capitais brasileiro evoluiu em muito nas últimas décadas, mas o divisor de águas sem dúvida foi o Novo Mercado da B3, um conjunto de regras de Governança, dentre as quais maior proteção ao acionista minoritário e maiores deveres ao acionista controlador. Nessa evolução também houve a exigência de certificação, credenciamento, autorregulação dos agentes do mercado, dentre os quais, do Analista de Valores Mobiliários Pessoa Física e Jurídica, do Conselheiro de Administração, do Conselheiro Fiscal, do Gestor de Recursos, do Profissional de Relações com Investidores, do Agente Autônomo de Investimento.

Em preocupação constante com melhores práticas e com isso ser competitivo na busca e atratividade de investidores internacionais, esse mercado reunido no GT Interagentes, grupo composto por 11 entidades do mercado de capitais, do qual a Apimec faz parte, além da CVM e do BNDES como entidades observadoras, seguiu no seu propósito de prevenir e de demonstrar as necessidades para um ambiente saudável de negócios. Em junho de 2016 era lançada em evento na B3 iniciativa conjunta do GT Interagentes a campanha de combate ao uso de informação privilegiada ou insider trading, o lançamento de um Caderno pela CVM e um Guia pelo GT Interagentes. Em novembro de 2016 o mesmo GT Interagentes lançava o Código Brasileiro de Governança Corporativa - Companhias Abertas, que posteriormente foi incorporado pela CVM; face a tendência internacional de regulação de práticas de governança corporativa, visando recolocar o Brasil em posição de destaque em matéria de governança, resultado de uma análise de 56 mercados que adotaram códigos nacionais, de um trabalho de mais de 2 anos, que consumiu pelo menos 1.550 homens-hora de trabalho, sem contar o tempo de análises individuais, atividades em cada entidade, busca de alinhamento entre todos, entre outros.

O centro da questão é a informação e a forma de como ela é prestada, praticada ou explicada.

Gerada e decidida em diversas frentes, seja no âmbito da empresa, em âmbito setorial, nas esferas do governo ou a nível internacional, a informação é a fonte do retorno apropriado, da rentabilidade desejada, a geração ou destruição de valor, o risco assumido, além de uma velhice tranquila, um carro novo, uma viagem de férias, a universidade do filho, enfim, um investimento com propósito específico. Indiscutivelmente ela tem que ser transmitida da forma certa no mercado financeiro e de capitais, e em todas as áreas das nossas vidas fundamentalmente tem um papel determinante nas decisões que tomamos. Gerada, mas não transmitida ainda, o uso indevido dessa informação é privilegiado, é ilegal e afeta a confiança dos demais agentes na lisura e na integridade do mercado.

O que está em debate aqui, não é a academia, as finanças comportamentais, os fundos de índices, os investimentos em valor, os analistas e investidores paranormais ou cisnes negros, mas sim a ética, o interesse humano incabível, aquela ambição de bastidores, aquele “colocar na lei”, o implícito no “não tem almoço de graça” ou aquela “caneta da lei ou do veto”. Nada pior do que escutar que ... “o insider trading deveria ser liberado, pois o mercado se ajusta, já que é de difícil apuração, processo demorado e a condenação poderia ser injusta”.

É inadimissível, inaceitável, todo um trabalho de análise, valuation, debate, defesa, apresentações, aporte de recursos de poupança física ou para a previdência, e a dedicação de todo um time de Relações com Investidores, ser ignorado, desprezado, que simplesmente “vai por água abaixo” por uma ação de monólogo de interesses escusos na contrapartida da ganância da perpetuação do bem estar de uma, duas, três gerações de sobrenomes, na negociata da calada da noite, ou por força superior de posição. Infelizmente o raciocínio empolgante de desenvolvimento econômico de primeiro mundo, onde o investidor minoritário é chamado a participar de financiamento de longo prazo, na geração de empregos, no aumento da arrecadação tributária, tudo em função do crescimento econômico e sustentável, é tudo posto a prova no mercado brasileiro, por conta de algumas empresas, que parecem ver na Governança apenas um ”copia cola”.

Se a informação é a palavra chave então devemos considerar o que todo analista, investidor, Conselheiro, CEO, deveria saber de “cor e salteado” : A Hipótese do Mercado Eficiente e agora A Governança Eficiente. Desconsiderando-se a Eficiência Fraca, temos que na Eficiência Semi-Forte as cotações se ajustam muito rapidamente a nova informação disponível publicamente, de tal forma que não é possível obter retornos excessivos com base nessa informação, embora considere implicitamente que o mercado pode ser batido, com base em informação não-pública (!?). Já na Eficiência Forte as cotações refletem toda a informação, pública e privada, e ninguém consegue obter retornos excessivos. Se existe alguma barreira à informação privada se tornar pública, por exemplo com leis que limitem o insider trading, essa hipótese é impossível, exceto nos casos em que essas leis sejam universalmente ignoradas(!?). Isso é uma indireta?? Serve pra nós??

Quanto ao retorno excessivo, apenas para exemplificar que o mercado é superado, podemos citar grandes gestores que o mercado brasileiro possui, fruto de suas áreas de research, mas fiquemos com dois dos mais influentes e que fizeram escola mundialmente : Charlie Munger e Warren Buffett. E nada tão esclarecedor :

“A possibilidade do valor das ações se tornarem irracionalmente alta é contrária a rígida teoria do “mercado eficiente” que muitos de vocês aprenderam como um evangelho ... influenciados por modelos de “homem racional” no comportamento humano da economia e muito pouco por modelos de “homens estúpidos” da psicologia e da experiência do mundo real.” - por Charlie Munger.

A Lei 13.506/17, que ampliou a caracterização do crime de insider trading, surgindo então o insider secundário, trouxe a pergunta de como criminalizar o secundário, se nem o primário é punido ?

O exemplo da Lava Jato e os encarcerados em função dela deviam servir de exemplo e atitudes motivacionais para uma proposta de lisura para todos os participantes de mercado.

Se os processos até agora foram muitos, mas poucas foram as punições, é de se comemorar, pois demonstra que o sistema está evoluindo em prol das melhores práticas. Acreditasse que o fato da Lei 13.506/17 não obrigar mais o Estado a obter a prova da obrigatoriedade de sigilo para punir o insider secundário aumentou muito o risco de penalização desses casos. Contudo, continua o desafio de provar elementos do crime, a complexidade em caracterizar a informação como Relevante e nos empenharmos em intensificar debates constantes sobre a relevância do tema.

A CVM, em conjunto com a B3, as áreas de compliance das empresas, bancos, corretoras de valores, em conformidade contratual de observância das normas com escritórios de advocacia, agentes autônomos e consultorias, tem como avançar rigorosamente no tema, pois ninguém usa informação privilegiada como investimento. O investidor realiza suas compras regularmente, estuda o “case” e o mais importante ... torna-se sócio, assume os riscos em conjunto.

Ao analista de valores mobiliários cabe cumprir o que determina a ICVM 598/2018. Conforme seu Art. 12 deve agir com probidade, boa fé e ética profissional. Em seu Parágrafo único, os relatórios de análise devem ser elaborados pelo analista, empregando todo o cuidado e diligência esperado de um profissional na sua posição.


Ricardo Tadeu Martins
é economista e analista de valores mobiliários da Planner Corretora de Valores e presidente da Apimec - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais.
O artigo reflete as opiniões pessoais do autor.
ricardo.martins@apimec.com.br


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