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Em tempos de Lava Jato, pode parecer fora de propósito levantar a bandeira da defesa dos administradores, mas ela é necessária e até mesmo complementar às iniciativas voltadas para se construir uma sociedade mais justa e ética.
O enforcement precisa ser enérgico, mas não pode ser desmedido. Por isso, tão importante quanto punir administradores que atuam sem observância de seus deveres é absolver aqueles que conduzem sua atuação de boa-fé, em estrita observância de seus deveres e no melhor interesse da companhia.
As afirmações acima parecem óbvias, mas é com preocupação que temos assistido dois movimentos em sentido contrário:
(i) o crescente aumento dos casos de aplicação da responsabilidade objetiva (isto é, independentemente de culpa ou dolo) para alcançar os bens de administradores, e
(ii) a exigência de um nível de diligência incompatível com a natural limitação de tempo e de informação que qualquer administrador enfrenta ao tomar suas decisões e/ou exercer seu dever de fiscalizar.
Como regra geral, o administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão. Tal regra, contudo, não se aplica aos casos em que há culpa, dolo ou violação da lei ou do estatuto social – situações que caracterizam uma conduta sem observância de seus deveres legais de atuar com diligência, lealdade, dentro das suas atribuições e sem desvio de poder ou conflito de interesses.
Ausentes esses elementos e não estando presentes os pressupostos que classicamente autorizam a desconsideração da personalidade jurídica (abuso de direito, desvio de finalidade, fraude, confusão patrimonial...), não se deveria cogitar a responsabilidade dos administradores. Todavia, o número de casos é crescente. Eles têm por base o fato de a pessoa jurídica não ter cumprido com suas obrigações. É o que acontece nas áreas ambiental e do consumidor, por expressa disposição legal, e, como decorrência de jurisprudência majoritária, na trabalhista.
Acertada foi a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, no caso da responsabilidade tributária, firmou jurisprudência segundo a qual o inadimplemento da obrigação tributária pela sociedade não gera, por si só, a responsabilidade solidária do sócio administrador (Súmula 430). Temos, portanto, a esperança de que a justiça trabalhista trilhe esse caminho – e que o legislativo avance no mesmo sentido em relação ao direito ambiental e do consumidor.
Mesmo no campo em que não se cogita a responsabilidade objetiva, é preocupante constatar que os órgãos reguladores e de fiscalização e mesmo o Poder Judiciário vêm, em alguns casos, exigindo dos administradores um nível de domínio dos fatos incompatível com as limitações inerentes ao cargo. Não se admite que um administrador tome decisões de forma açodada, sem ter se informado e refletido sobre a matéria a ser deliberada, mas também não parece adequado desconsiderar que, por mais diligente e comprometido que ele seja, sempre tomará decisões com limitações de tempo e informação. Tudo isso deve ser levado em consideração pelo julgador.
O mesmo vale para o dever de fiscalização imposto aos administradores em relação ao cumprimento, pela sociedade, de suas obrigações. É impossível que um administrador saiba tudo o que se passa em uma empresa. O que se impõe a eles é, em apertada síntese, o dever de:
(i) implementar sistemas de integridade e controles internos que minimizem os riscos de não compliance,
(ii)
avaliar periodicamente a eficiência destes sistemas e
(iii) corrigir as falhas eventualmente detectadas. Não se deve esperar, contudo, que seja possível ao administrador impedir que violações ocorram.
Portanto, embora devam ser celebradas as iniciativas recentemente adotadas para se responsabilizar os administradores que faltaram com seus deveres, não se deve permitir que sejam punidos aqueles que agiram de forma honesta, leal, diligente, de boa-fé, sem culpa ou dolo. Também não se pode exigir, sob o manto do dever de diligência, conduta incompatível com a realidade de uma empresa e as naturais limitações de tempo e informação que caracterizam a vida dos administradores.
Entendimento contrário apenas nos levará a afastar os bons profissionais ou a impor aos administradores uma atuação defensiva e paralisante, fazendo com que o medo de ser punido prevaleça sobre a inerente assunção de riscos que caracteriza toda empresa vencedora e próspera, com evidentes prejuízos à toda sociedade.
Richard Blanchet
é advogado e membro do conselho de administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
comunicacao@ibgc.org.br