Recentemente, em um webinar, um profissional do mercado de capitais vaticinou: “Finalmente, o tema EESG (Economic, Environment, Social, and Governance; melhores práticas Econômicas, Ambientais, Sociais e de Governança) entrou no nosso Mercado de Capitais... Confesso que cheguei a pensar que isso nunca fosse ocorrer”. Tal afirmação se deu ao final do evento, o que me impossibilitou de questioná-lo... Mas, imediatamente pensei: “Ops, por onde ele esteve nos últimos 25 anos?”
Ato contínuo: “É necessário, fazer um regaste histórico neste auspicioso momento em que o tema vira mainstream no Mercado de Capitais mundial, consequentemente no Brasil. Até para saber exatamente quais serão os próximos passos”, me convenci...
O pioneirismo é marca desta Revista RI desde a primeira edição, em março de 1998. E em matéria de EESG, não foi diferente. A RI foi uma das primeiras no País a publicar, na edição de Julho/2001 (no. 41), um artigo com tema relacionado ao que hoje é chamado de EESG. Esse primeiro artigo foi o resultado direto de movimentos do mercado.
Banespa na Gazeta Mercantil
Em 1993, o hoje extinto Banespa publicou informações de natureza social em conjunto com as Demonstrações Contábeis nas páginas do também extinto jornal Gazeta Mercantil. Na ocasião, os participantes e os analistas do mercado já comentavam, sem muito alarde, que para analisar melhor qualquer instituição era fundamental ter acesso, também, à realidade (e os relacionamentos) com os Recursos Humanos, bem como as ações em prol da sociedade.
Em 1997, o Ibase (o conhecido “Instituto Betinho”) e também a Fides (Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e Social) e a ACDE (Associação Cristã de Dirigentes de Empresas) debateram, algumas vezes com a participação da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), sobre a publicação, pelas companhias abertas, do “Balanço Social”, uma forma de a empresa prestar contas à sociedade da sua gestão socioeconômica, especialmente focando no relacionamento com a comunidade e demais públicos estratégicos, também conhecidos por stakeholders.
A ABAMEC (Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais), em 1999, institui a obrigatoriedade da publicação do Balanço Social para a concessão do Prêmio homônimo na categoria “Melhor Companhia Aberta”, que existe desde 1974. Ainda em 1999, após o lançamento do Dow Jones Sustainability Index (DJSI), a ABAMEC procura a Bovespa (atual B3) para que fosse estudado o lançamento de um índice semelhante no Brasil. A ABAMEC viria anos mais tarde dar lugar à APIMEC (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais).
Balanço Social e CVM
Em 2000, a CVM publica no website institucional: “O Balanço Social, quando apresentado em conjunto com as demonstrações financeiras tradicionais, é efetivamente o instrumento mais eficaz e completo de divulgação e avaliação das atividades empresariais”.
O Século XXI tem início e o Brasil conhece a primeira pesquisa sobre as ações sociais corporativas das Cias. Abertas listadas na Bovespa (atual B3) para investidores internacionais. Em 2001, o IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) lança o seu segundo código de Governança com uma amplitude maior, inclusive versando sobre os stakeholders. A Abamec-SP organiza a primeira pesquisa com analistas e investidores, que responderam sobre a percepção das ações sociais corporativas das Cias. Abertas. No final do mesmo ano (01/11/2001) é lançado o “Fundo Ethical” - primeiro fundo de investimento 100% com ações de empresas que estejam em bom nível de Governança e de Sustentabilidade.
Princípios do Equador
Chega 2002 e o IBRI e ABRASCA, em seu encontro anual, debatem a relação com os stakeholders. No último trimestre do ano é apresentado, em Londres, os Princípios do Equador, basicamente um conjunto de critérios e práticas socioambientais – de adoção voluntária – promovidos por instituições financeiras em nível mundial na área de crédito e que têm, como referência, padrões de desempenho sobre Sustentabilidade Socioambiental da IFC (International Finance Corporation) e nas diretrizes de Meio Ambiente, Saúde e Segurança. Por aqui algumas instituições financeiras aderem à novidade.
Em 2003, é criado um grupo de estudos para analisar a possibilidade da criação de um “Índice de Sustentabilidade” pela Bolsa brasileira. Essa iniciativa dá frutos no final de 2005, com o lançamento do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial). O Brasil passa a ser o segundo país emergente no mundo a ter um índice dessa natureza.
Ipo da Natura
A Natura promove, em 2004, o seu IPO (Initial Public Offering, ou Oferta Pública Inicial). A Empresa havia por quatro anos publicado um Relatório Anual com base no GRI (Global Reporting Initiative), uma entidade criada para a promoção e a padronização do relato das ações ambientais, sociais e de governança corporativa). A GRI se consolida como uma referência em relatório de Sustentabilidade no Brasil. Neste ano é lançado o segundo Fundo de renda variável com critérios atualmente chamados de EESG.
O PRI (Principles for Responsible Investment, ou Princípios para o Investimento Responsável) é apresentado ao Mundo em 2006 e logo, no Brasil, alguns gestores aderem ao compromisso que os grandes investidores institucionais assumem de investir em negócios sustentáveis, ou seja, de estar atentos aos aspectos social, ambiental e de governança corporativa por ocasião da escolha de ativos e carteiras para investimento dos recursos..
Em 2007 o IBGC dedica a agenda do ano à Sustentabilidade e institui a Comissão de Estudos em Sustentabilidade Empresarial. E várias ações foram desenvolvidos ao longo desses anos para que, em 2020, mesmo com a pandemia, pudéssemos caminhar para o fortalecimento da agenda de Sustentabilidade no Mercado de Capitais brasileiro. Sem todos esses movimentos (e outros) acredite, não seria possível estar onde hoje fincamos nossa bandeira.
Visão de Futuro
Se debatemos com profundidade as questões EESG no Brasil de hoje é por que, no passado, diversas entidade e indivíduos foram pioneiros, e como os “desbravadores do oeste”, não caminharam por estradas asfaltadas, bem sinalizadas e seguras, mas foram fundamentais para que hoje possamos trilhar o caminho rumo a consolidação do conceito EESG na estratégia e gestão das companhias.
Se estamos vivos hoje é por que no passado nossas mães e nossos pais se encontraram se apaixonaram e nos fizeram, então a Sustentabilidade está como está hoje no nosso Mercado de Capitais, é por que no passado ocorreu um encontro de pioneiros e percursores que fizeram o que fizeram para que possamos hoje trilhar um caminho asfaltado, sinalizado, pintado e iluminado.
Roberto Sousa Gonzalez
é socio-diretor da iBluezone Governança Corporativa & Soluções Associadas, membro dos Conselhos de Administração da MCM Corporate, Reviq Parts, CDP Latin American e do Comitê de Ética da Empório Saúde.
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