Eu tenho seguido a evolução do mercado de capitais brasileiro por diversos anos, desde o lançamento do Novo Mercado. Até alguns anos atrás, eu acreditava que todos os acionistas deveriam gozar dos mesmos direitos. Afinal, essa seria a postura mais equitativa. Durante o período em que trabalhei na OCDE, estudei abusos sofridos por investidores minoritários nas mãos de acionistas controladores - alguns dos quais consolidaram controle através de ações com direitos a voto diferenciados.
Comecei a me afastar do conceito de uma ação, um voto depois de passar um tempo como investidor institucional, quando fui exposto a diversos tipos de investidores e abordagens de investimento. Encontrei foco extremo no curto prazo por alguns investidores que não tinham qualquer interesse em assumir responsabilidades de acionista.
Comecei a questionar a inteligência de garantir a mesma voz para esses acionistas em assuntos corporativos, especialmente em se tratando de capital social cujo propósito original é prover financiamento de longo prazo em projetos de infraestrutura transformativos. O acionista ideal deve ser um investidor preocupado com a criação de valor a longo prazo, em vez de ser um detentor de ações temporário preocupado unicamente com ganhos incrementais no valor da ação.
Ao mesmo tempo, ficou cada vez mais claro para mim que as companhias se beneficiam muito com um grupo estável de donos comprometidos e bem informados, e vi exemplos de administração virtuosa entre companhias dirigidas por seus fundadores ou familiares.
Nesse momento, acho importante explicar que nossos pontos de vista parecem divergir em duas questões críticas. Primeiro, o debate no Brasil está aparentemente focado no acionista controlador e a possibilidade de abuso de sua posição dominante. Segundo, meu principal objetivo é de promover a criação de uma base de acionistas forte e duradoura – cujos membros podem vir de qualquer lugar – para consolidar a prosperidade da entidade jurídica a longo prazo.
No contexto brasileiro, a questão limite é, em minha opinião, se existe possibilidade de estruturação entre os dois únicos instrumentos existentes: ações ordinárias, com um voto cada uma, e ações preferenciais, sem direito a voto.
Se esse for o caso, a minha recomendação seria de manter o conceito de uma ação, um voto como melhor prática. Na minha opinião, as ações sem direito a voto são um conceito ruim pelos motivos a seguir:
No entanto, parece que a Lei das S.A. brasileira permite um nível considerável de flexibilidade na alocação de diretos a voto às ações preferenciais, incluindo a outorga de votos a preferencialistas em situações normais (em vez de condicionar esse direito a um gatilho, por exemplo, o não pagamento de dividendos).
Quando implementamos direitos de votos superiores e ferramentas relacionadas para encorajar a propriedade de longo prazo, engajada e informada por parte dos acionistas, é essencial incluir proteções que reduzam a possibilidade que ocorra abuso dos poderes acumulados através dessa estrutura. Existem várias maneiras de se fazer isso.
Primeiro, moderar os votos adicionais que as ações da classe diferenciada podem acumular.
Segundo, para evitar que grandes acionistas possam agir unilateralmente como decorrência de direitos de voto diferenciados, deve-se limitar o número de votos adicionais que determinados acionistas qualificados podem receber no agregado.
Esse tipo de recurso também poderia criar um ou mais investidores minoritários que serviriam para equilibrar o acionista controlador.
Terceiro, por questões de justiça e para reduzir o risco de entrincheirar o controle, os direitos a voto diferenciados não devem se limitar ao controlador atual e outros insiders.
Quarto, quando direitos a voto diferenciados são outorgados exclusivamente para um grupo predefinido de acionistas – contrariando a sugestão anterior – deve-se introduzir limitações temporais (“sunset provisions”)ou exigir a renovação das ações diferenciadas por todos os acionistas a cada 5 ou 10 anos.
Quinto, deve-se proibir o uso de direitos a voto diferenciados quando existe um risco maior de abuso, em casos envolvendo partes relacionadas ou outras questões que podem contribuir para a diluição não equitativa de participações existentes, dentre outros.
Finalmente, para fortalecer o alinhamento com a companhia, pode fazer sentido premiar com direitos de voto extra, acionistas dispostos a manter suas ações por um determinado período (por exemplo, cinco anos), em vez daqueles que já atingiram um prazo específico.
Além dessas medidas, é importante levar em conta o ambiente regulatório e o contexto cultural. A existência e o peso de penas jurídicas e medidas reputacionais são importantes não somente ex-post, após a ocorrência dos abusos, mas em especial, como prevenção.
Por último, as normas da sociedade – especialmente a expectativa que o acionista controlador deve agir com justiça e não se aproveitar dos mais fracos – são importantes.
Simon C. Y. Wong
é um assessor independente afiliado à Northwestern University School of Law e à London School of Economics and Political Science.
simon.wong@law.northwestern.edu