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REVISÃO DAS REGRAS DOS SEGMENTOS ESPECIAIS DA BM&FBOVESPA

No ano 2000, a BM&FBOVESPA criou o Novo Mercado, um segmento diferenciado de listagem destinado à negociação de ações emitidas por companhias que se comprometem com a adoção de práticas de governança corporativa mais rigorosas que as exigidas pela legislação em vigor. Ao longo desses 15 anos os regulamentos foram revistos duas vezes, em 2006 e 2011, e agora, cinco anos depois, passa por nova revisão.

Para fazer a atualização, a Bolsa colocou, no início do ano, em audiência pública, as alterações propostas, uma iniciativa relevante para discutir um assunto que envolve as várias empresas que fazem parte desses segmentos. No caso específico da Abrasca, houve participação ativa das companhias associadas sugerindo alterações e ponderações, principalmente quanto às propostas que geram custos sem contrapartida de criação de valor.

Entretanto, é importante destacar que a BM&FBOVESPA vem conduzindo este processo com total transparência. Em março iniciou uma ampla discussão do processo de evolução dos Segmentos Especiais para identificar as melhores práticas de governança corporativa adotadas em códigos de governança corporativa internacionais e em regras de listagem de outras bolsas. Posteriormente dividiu o programa em três etapas: Consulta Pública, Audiência Pública e Audiência Restrita.

Ao término da segunda etapa já se percebe com clareza os contornos do novo programa. A proposta apresentada, além de incluir e alterar disposições com o objetivo de alinhamento às práticas internacionais traz também importantes simplificações, a partir da eliminação de regras e procedimentos que se mostraram pouco eficazes, além de eliminar sobreposições com outras disposições regulatórias.

Cabe destacar, por exemplo, a flexibilização na regra atual de percentual de ações em circulação. Pelo Edital, a ideia é manter o percentual mínimo de dispersão acionária em 25% do capital social, inovando, porém, ao criar a possibilidade de percentual mínimo de dispersão de 20% no caso das ações da companhia atingir valor diário médio de negociação (ADTV) nos últimos 12 meses correspondente a R$ 25 milhões. A flexibilização introduzida, além de tecnicamente consistente, pode propiciar o ingresso de um número maior de companhias no Novo Mercado.

Houve também simplificação nas regras de divulgação de informações periódicas e eventuais, que passaram a considerar o conhecimento adquirido com a rotina de enforcement da Diretoria de Regulação de Emissores, as melhores práticas adotadas internacionalmente e, principalmente, um esforço de simplificação de regras. Assim, a divulgação de informações em inglês passa a focar em fatos relevantes e comunicação de resultados.

A reunião pública com analistas pode ser substituída por apresentação pública, não necessariamente presencial, objetivando tratar de informações divulgadas recentemente. Em relação à divulgação do calendário anual, o procedimento passa a ser mais simples, havendo lista taxativa dos eventos que devem ser divulgados e a necessidade de atualização assim que seja decidida a alteração de alguma data.

Destaques
Dos 15 itens que compõem o Edital, vale destacar alguns que geraram mais discussões entre as associados que se dedicaram a debater as propostas formuladas pela BM&FBovespa.

Por exemplo, foi objeto de questionamentos a criação obrigatória de comitês estatutários adicionais: auditoria, indicação de administradores e remuneração. O ponto principal está relacionado ao aumento de custo em um momento em que as empresas estão cortando despesas e reduzindo a máquina administrativa. Outro foca a necessidade de considerar que diferentes empresas com diferentes propósitos e portes devem ter suficiente grau de liberdade para criar suas próprias estruturas, sem que isso signifique não observância de compromissos regulamentares dos segmentos diferenciados de listagem.

Outra ponderação foi sobre a inclusão de regra para avaliação dos conselheiros de administração, da diretoria e do funcionamento dos comitês de assessoramento com periodicidade máxima anual. As companhias concordam com a avaliação periódica do conselho de administração, mas consideram importante mantê-la vinculada ao cumprimento do mandato previsto no estatuto social da companhia.

Fiscalização e controle
Outro tópico muito discutido pelas companhias é a proposta de criação de uma área funcional exclusiva e independente de verificação de cumprimento e conformidade de normas (compliance) bem como da área funcional responsável pela auditoria interna. Deve-se lembrar que é onerosa para companhias de menor porte a exigência de exclusividade e segregação total das referidas áreas, além de poder interferir na liberdade de organização interna das companhias, que muitas vezes precisam de agilidade para adaptar sua estrutura a novos tempos, riscos, demandas e oportunidades.

Porém, as companhias consideram relevante que todas as sociedades listadas nos segmentos especiais sejam obrigadas a criar as funções de cumprimento e conformidade e de auditoria interna, que poderão ser atribuídas a área que desempenhe funções correlatas (por exemplo, área de gerenciamento de riscos, área jurídica, área de governança corporativa ou outra a critério de cada companhia).

Aquisição de participação relevante
A proposta de adoção de regra impondo a realização de oferta pública de aquisição de ações quando algum acionista atingir participação correspondente a 30% do capital social consiste, na visão das companhias associadas, em variação de um dispositivo de poison pill, exatamente em um momento no qual companhias analisam modificar ou até excluir as regras estatutárias sobre o assunto.

Além disso, a regra de adoção do preço máximo dos últimos doze meses foi objeto de forte questionamento dada a excessiva volatilidade de preços no mercado brasileiro quando comparada com o mercado britânico, de onde a regra se origina. Inclusive, tal diretiva foi flexibilizada por alguns países de referência no mercado europeu.

Destaca-se que o percentual definido como gatilho pode ser muito elevado para companhias com grande dispersão, ou muito baixo para companhias com tendência a maior concentração acionária, e não deveria valer uniformemente para todas as companhias. Como se tratam de um tema tão controverso seria prudente não incluir a chamada OPA 30 no regulamento de listagem do Novo Mercado.

Mudança no momento atual
É louvável a postura da BM&FBOVESPA de discutir alterações nas regras de listagem dos segmentos especiais. Governança é uma questão de natureza dinâmica, devendo, portanto, evoluir ao longo do tempo. Porém, cabe destacar que os administradores das companhias tem por missão principal entregar resultados aos acionistas. Nesse sentido, e particularmente no momento atual que o Brasil atravessa, não é adequada a criação de novas práticas que possam gerar consequências diretas sobre a estrutura de custos das companhias. A cada novo item de despesa, a missão de entregar resultados fica certamente mais árdua.

O País vive uma crise sem precedentes. Como reflexo, a grande maioria das companhias brasileiras está passando por uma fase particularmente difícil com níveis crescentes de endividamento. Algumas enfrentam desafios em relação à própria sobrevivência. Os cortes de custos se tornam cada vez mais severos, com eliminação de empregos e redução de investimentos. Os principais escritórios de advocacia registram significativo volume de consultas sobre fechamento de capital.

As companhias são receptivas à criação de novas funções que possam melhorar sua governança, mas gostariam de ter flexibilidade para fazê-lo considerando e otimizando suas estruturas atuais, sem necessariamente incrementar seus quadros e, consequentemente, aumentar seus custos fixos.

 

ANTONIO D. C. CASTRO
é presidente da ABRASCA - Associação Brasileira das Companhias Abertas.
abrasca@abrasca.org.br


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