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Muitos dos mais escolados praticantes da arte de Relações com Investidores (RI) observam mudanças na sua seara de forma meio que imperceptível. Não sabemos precisar quando certos eventos deixaram de ser axiomáticos como outrora. Antes bastava atender os telefonemas de fundos interessados na companhia e fazer uma triagem de visitas. Hoje todo mundo tem que correr atrás de novos investidores, com um mínimo de quatro roadshows significativos por ano.
Alguns departamentos de RI subverteram a lógica de outrora e seus analistas agora telefonam ativamente para potenciais investidores em busca de uma reunião. Antes um investidor “long” fazia jus ao termo usado. Hoje um investidor que fique comprado por dois anos já faz parte da seleta confraria dos “long investors”. A formulação de relatórios internos era para muitos um luxo excessivo. Hoje em dia é uma necessidade absoluta.
Um relatório deve conter informação sobre com quem se reuniu ou conversou, uma seção com tópicos mais abordados e discutidos, bem como as preocupações mais prementes dos investidores. Um resumo do pensamento básico do sell-side, como consenso de receita e preço-alvo para o trimestre complementa bem um relatório. Ações a serem tomadas depois da conferência de divulgação de resultados é outro must. Em caso de holding multi-indústria, é necessária uma menção do estado das mesmas. Em caso de diferentes tipos de ação, ou de listagem, temos uma abordagem de priorizar o contato com acionistas de certa classe de ação, visando estabelecer maior volume.
Existe uma frente de novidades, na parte de titularidade das ações, que impactam algumas companhias, principalmente as large-caps. Falo do crescimento do trading de alta-frequência, dos investimentos passivos via ETF (Exchange-Traded Funds), e do papel de stock options. Sei que não parece novidade. Mas o impacto gera a necessidade de novas respostas. Não creio que tenha ficado mais difícil acompanhar a evolução da base acionária em si. O maior desafio resta na dificuldade de previsibilidade das permutas de investidores com perfis distintos, e do volume e estoque de ações alugadas. Como em média um fundo mútuo americano já apresenta turnovers perto de 100%, as ações do portfólio serão vendidas num prazo menor. Outra tendência que colabora para diferenciar o presente do passado é a proveniência dos acionistas. Calcula-se que estamos chegando, numa escala global, a mais de 30% de acionistas que se encontram domiciliados fora do mercado onde a companhia se situa. Claro que em certos mercados esse número é maior, e em outros como os EUA, um pouco menor. Mas a atenção à essa tendência é muito importante.
Gosto sempre de relembrar dos valores tradicionais. Como da Santíssima Trindade do RI. Ela se constitui de setor, região e tamanho (da companhia). Esses ainda são os vetores principais no pitch das companhias para fundos externos. Mas hoje em dia “Ela” se complementa de outros fatores quantitativos que podem dar um maior (ou menor) peso para o gestor de recursos na hora da decisão de investimento. ROIC, cash flow e muitos e muitos percentuais... São mais inteligíveis que os ratios... Esses fatores devem ser complementados por outros qualitativos. A estrutura de capital, governança e disposições estatutárias entram no mix.
Mas como essa parte de conectar ideias e indústrias ao capital é como uma rua de mão dupla, é bom lembrar que há muito mais fundos generalistas do que setoriais... E que aqueles são gestores de muito mais dinheiro. Como grande parte desses gestores cuidam de fundos externos, ou mesmo não localizados em seu mercado de origem, observamos algumas situações de ruído na comunicação. Podemos ter investidores um pouco agressivos com uma posição significativa em uma companhia madura, ou em setor consolidado. Ou investidores passivos, indexados ou “value”, muitas vezes fazendo uma aposta – fora da curva – numa startup que promete. Cabe ao RI monitorar tal situação, ver com que frequência ocorre, e manter um estreito contato visando obter informações do gestor sobre o porquê de tal escolha.
Muito se ouve sobre o papel de stock options e cabe frisar uma diferença. Nos EUA ele pode servir como alavanca, inclusive de pressão para ativismo. Mas aqui ele basicamente é um barômetro do sentimento do mercado em relação ao que o cenário e quadro atual (e num futuro não muito longo) reserva para a companhia. Trata-se de um tipo de investimento mais puro, por assim dizer. Quando se olha todas as posições de options, nos EUA, ou em papéis de companhias brasileiras listadas fora, temos várias motivações. Mas em geral, ainda mais com modelos matemáticos sendo usado no trading de alta frequência, o motivo é o sentimento em relação ao preço da ação num determinado período. Simples assim. Obviamente que os inputs serão múltiplos. Mas essa leitura é fundamental. Ou seja, muitas vezes uma estratégia pode parecer muito similar entre um pool de investidores. Mas ao isolarmos um ou outro fator quantitativo ou não, podemos encontrar o que faz a diferença e o que pode maximizar seu tempo em road shows e reuniões individuais.
Portanto, o RI moderno deve estar preparado tão somente para processar mais informações. Alguns dados aparentemente inofensivos, e sem maior valor aparente, podem ser um indicador fundamental para mudança de estratégia do próprio RI, e mesmo da companhia.Valer-se somente da mídia e do e-mail infelizmente ficou para trás. Faz-se necessário o uso do instrumental de análise. Esse sim, um outro grande companheiro de trabalho atualmente.
Fernando G. Carneiro
é managing director da Ipreo para a América Latina
fernando.carneiro@ipreo.com