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Orquestra Societária | Ponto de Vista |
Para abrir esta primeira edição de nossa coluna Orquestra Societária de 2017, ano em que completa três anos de existência, com 28 artigos publicados até o momento, apresentamos uma densa entrevista com Pedro Melo, presidente da KPMG no Brasil e América do Sul. Nossa entrevista focou os temas governança corporativa, sustentabilidade e estratégia, elementos fundamentais da Orquestra Societária e de suas equações, representadas na figura a seguir.
A Orquestra Societária e suas equações fundamentais
ENTREVISTA:
PEDRO MELO, presidente da KPMG no Brasil e América do Sul
Pedro Melo é presidente da KPMG no Brasil e América do Sul. É membro do Global Board e Global Council da KPMG International e do Board da KPMG Américas. Formado em Contabilidade, registrado no Conselho Regional de Contabilidade (CRC) em São Paulo e na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é pós-graduado em Análise Contábil-Financeira.
Melo é um dos sócios responsáveis pela iniciativa da KPMG na área de Governança Corporativa, que coordena as atividades do Audit Committee Institute (ACI). É membro do Conselho de Administração do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (IBRACON), do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (IBEF SP) e da AMCHAM Brasil. É membro da Academia Brasileira de Ciências Contábeis – ABRACICON – e da Academia Paulista de Contabilidade.
Reconhecido pelo mercado, Pedro Melo recebeu o "Prêmio Destaque IBEF 2009" e também "ANEFAC Profissional do Ano 2014", na categoria Contabilidade. Dedica-se à profissão desde 1981 e trabalha na KPMG desde 1985. Durante dois anos, participou do programa de intercâmbio no escritório da KPMG em Minneapolis, nos Estados Unidos. Acompanhe a entrevista.
1) As boas práticas de governança corporativa têm sido cobradas com ênfase das organizações. Como elas ajudam a construir e a implementar boas estratégias?
Pedro Melo: As boas práticas de governança balizam parâmetros e responsabilidades, são pilares e dão sustentação à visão estratégica implementada pela empresa. A governança estabelece limites e isso é essencial em qualquer visão e implementação estratégica. Vários atributos da governança corporativa – valores e regras de convivência – são atemporais e independem da estratégia. Assim, governança implica um conjunto de valores sólidos e a estratégia já parte desse sistema de valores. Governança é, portanto, uma belíssima ferramenta para estabelecer parâmetros que norteiam a estratégia. Na KPMG, temos a governança como fundamento, que garante o alinhamento austero de nossos profissionais aos princípios da ética, da integridade e da qualidade, e fortalece nosso propósito de inspirar confiança e empoderar a mudança.
2) A inserção da sustentabilidade na governança empresarial também tem sido intensamente cobrada. Como a sustentabilidade, nas dimensões econômica, social e ambiental, se bem inserida na estratégia, pode agregar valor? Como a KPMG vê a sustentabilidade?
Pedro Melo: A inserção da sustentabilidade em seus três pilares agrega valor, pois nenhum organismo – empresa, entidade pública, entidade de utilidade pública – ou mesmo pessoas – pode prescindir do significado desse conceito. É necessário ir além das aparências e ser verdadeiramente sustentável. Sim, é preciso auferir lucros e resultados, mas também é preciso alcançar esses objetivos sem perder de vista a real preocupação com a sociedade e o meio ambiente, haja vista que a criação de riqueza pode gerar um ciclo virtuoso de evolução da sociedade e das organizações. Sustentabilidade tem a ver com uma visão mais ampla da responsabilidade da organização perante a sociedade e o meio ambiente. Sustentabilidade é uma preocupação concreta da KPMG. Há cerca de sete ou oito anos, começamos a discutir internamente sobre como dar transparência de nossas atividades à sociedade, não somente da ótica do resultado econômico, mas de objetivos ambientais e sociais, os quais também consideramos muito relevantes. Entendemos que um elemento crítico é a jornada. A partir da decisão de nos expormos perante a sociedade, é preciso fazer com que todos participem dessa jornada. Além disso, preocupamo-nos com os nossos processos. Estamos evoluindo ano após ano, em termos da consciência de todos os que trabalham na KPMG, de como impactamos a vida de nossos clientes, de como cada um de nossos profissionais se preocupa com o tema. Nosso propósito é ter um relatório de sustentabilidade que seja uma efetiva prestação de contas, queremos que ele espelhe a evolução da nossa história na condução dos esforços para melhorar nossos processos e sermos verdadeiramente sustentáveis em todas as dimensões, econômica, ambiental e social. Exemplificando: crise da água. Não adianta somente fazer uma campanha para o nosso escritório ou para a nossa casa, o desafio vai além. É certo que fizemos uma campanha em 22 escritórios, incluindo instalações fora do Estado de São Paulo e mobilizamos muitas pessoas. Entretanto, mais do que isso, revisitamos os nossos processos nesses locais de trabalho. Fizemos vários projetos de aproveitamento de água. Este prédio, onde estamos realizando a entrevista, sede da KPMG no Brasil, teve novos investimentos, recursos adicionais, para ser uma obra limpa. Recebemos o prêmio ABRAFAC - Melhores do Ano 2015: Workplace of the future, na categoria de space planning. Para a escolha desta sede, analisamos 30 edifícios, buscando o mais adequado aos princípios de sustentabilidade da KPMG. O EZ Towers é certificado como LEED® CS Gold pelo Green Building Council, com reduzido impacto ambiental ao longo da obra e durante sua ocupação. Além de representar um avanço no compromisso ambiental global em relação à eficiência predial e às tecnologias sustentáveis, a sede segue a estratégia da KPMG International Workplace of the Future. Mais do que um novo ambiente físico, ela dá sustentação à nossa cultura de alto desempenho. (Fonte: Relatório de Sustentabilidade 2015 da KPMG - https://assets.kpmg.com/content/dam/kpmg/pdf/2016/05/br-relatorio-de-sustentabilidade-2015-kpmg-resumida-port.pdf)
3) Em um contexto de dificuldades econômicas, como as estratégias podem ser desenhadas?
Pedro Melo: Por meio da boa governança corporativa e da gestão inteligente e responsável dos fluxos financeiros e custos, suportados por nossos talentos e boas ferramentas de gestão, lembrando que os negócios são impactados por ciclos econômicos. Não podemos deixar de considerar a desaceleração do País, a distância entre dois polos – aceleração e desaceleração – e seu impacto nos recursos financeiros. Aqui ressaltamos, novamente, que governança e sustentabilidade são essenciais, elementos-chave. Por quê? Por conduzirem a decisões mais conscientes, sem medidas radicais desnecessárias, procedendo-se de forma mais suave onde e quando pertinentes. Exemplificamos mencionando processos que desaceleram, modelos de contratação de longo prazo e contratações em menor volume do que aquelas que seriam feitas se o País estivesse em rota de crescimento. Enfatizamos aqui também a importância da inteligência nas decisões. O aspecto essencial não está no corte de custos, mas no melhor planejamento, na busca da eficiência com o gasto a ser feito, nas decisões sobre os melhores projetos a serem implementados e no uso de boas ferramentas de gestão. O Orçamento Base Zero – OBZ –, por exemplo, é uma ferramenta poderosa. Ferramentas de medição podem dar o ponto certo de equilíbrio em processos de controle. Especialmente nos momentos de crise, a inteligência nas decisões e as ferramentas de gestão permitem uma melhor utilização de recursos. A crise cria oportunidades para a inovação, desde que se tenha a medição adequada, por meio de ferramentas eficazes. Não é preciso parar de investir, mas certamente é preciso dispor de ferramentas de gestão para obter melhores fotografias sobre a situação atual da empresa e onde e quando investir. Na questão das oportunidades, deve-se examinar, de forma mais crítica, as possibilidades de crescimento de negócios. Investimentos em conhecimento e soluções para o setor de telecomunicações, por exemplo, mesmo na crise atual e com ambiente regulado, continuam se movendo. O setor instalado no Brasil precisa de forte apoio do ponto de vista de regulação e gestão de negócios. Lembramos ainda que serviços que independem da crise passaram a ser vitais, tais como cybersecurity e gestão de riscos. Em suma, com governança e sustentabilidade, inteligência nas decisões e ferramentas de gestão, pode-se antecipar movimentos e refinar estratégias. Mas também precisamos de talentos. Profissionais com conhecimento que possam criar soluções de processos com tecnologia. Inclusive a tecnologia e o mundo digital estão transformando nossos modelos de prestação de serviços e gerando serviços que não existiam. Retornando às pessoas, na nossa atividade temos um bem maior que é a organização da sociedade. Nossa atividade na KPMG parte do princípio que profissionais se apoiam mutuamente, provocando um crescimento e um movimento positivo, que busca o equilíbrio, em momentos de crise ou bonança. Sustentabilidade para nós é apoiar quem está em baixa e estimular ao máximo quem está em um momento de fortaleza. E com respeito a pessoas, sempre nos defrontamos com a motivação do indivíduo com a organização. Como ligamos os dois elementos, indivíduo e organização? A trilha deve estar baseada em valores, em buscar fazer a coisa certa, para o indivíduo e para a organização, lembrando que valores são inegociáveis. Na KPMG, consideremos que nunca "perdemos" pessoas para o ambiente externo. Temos um ambiente qualificado e com profissionais que podem, eventualmente, aplicar seus conhecimentos em outros mercados. Temos gente de talento com conhecimento, preparada para o mundo lá fora. Trabalhando conosco ou não, esperamos que os profissionais que passam pela KPMG prestem o melhor serviço e proporcionem experiências de alta qualidade aos clientes.
4) Cortes de custos, clássicos de contextos de dificuldades, são realmente bons para a sustentabilidade?
Pedro Melo: Não vale a pena cortar por cortar, é preciso respeitar as organizações que estão em momento de crise e, conforme dissemos, aumentar a inteligência nas decisões. Em um processo de desaceleração econômica, a aplicação de ferramentas como o OBZ permite a realização de gastos de forma mais inteligente. Lembrando que existem gastos críticos para a existência da organização e que não podem ser cortados. Eles permitem fazer melhor, aplicar tecnologia, trazer pessoas mais qualificadas para desenvolver processos mais inteligentes e menos mecânicos. Em situações de rápida desaceleração – regulatórias ou de mercado –, a exemplo da infraestrutura em nosso País, pode ser possível readequar, sem necessariamente cortar. Há alternativas como diminuir contratações e dialogar com profissionais, a fim de que eles aprendam novas atividades e apliquem seu conhecimento em novos desafios. Naturalmente, o modelo de governança importa, já que os sócios podem optar pela readequação inteligente dos recursos, ao invés do corte. E eles podem optar pela visão de longo prazo. Temos uma organização que existe há mais de 100 anos no Brasil e é importante pensar no longo tempo de nossa existência, porque isso nos leva a refletir a longo prazo. Em nosso negócio, há investimentos sendo feitos hoje cujos beneficiários serão aqueles que aqui estiverem quando esses esforços maturarem. Estamos fazendo altos investimentos em novas tecnologias, como inteligência cognitiva, que certamente sofisticarão nossos serviços e atenderão às demandas cada vez mais exigentes de nossos clientes de uma forma totalmente inovadora.
5) Por que as estratégias fracassam? Como a governança e sustentabilidade podem mitigar riscos de fracassos?
Pedro Melo: Em um mundo de mudanças radicais, estratégias podem, sim, fracassar, na concepção, na implementação e em ambas. Ao mesmo tempo, a governança e a sustentabilidade podem mitigar riscos e permitir que as empresas se antecipem e evitem o fracasso de suas estratégias, as quais não podem ser estáticas. Se forem meras ferramentas de publicidade, não se terá a oportunidade da antecipação. Enfatizamos a importância da correção de rota que a antecipação do futuro permite concretizar, de acordo com os valores e padrões de governança e sustentabilidade estabelecidos da empresa. Outro aspecto que consideremos relevante é a diversidade. Nos assentos de liderança, é essencial que se tenha diversidade, que se olhe para o futuro com uma opinião que possa corrigir a rota. Quem não tiver pluralidade, pode perder oportunidades estratégicas.
6) Focando a diversidade de gêneros, que é tratada no Índice de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBovespa (ISE), quais são as ações concretas da KPMG no tratamento desse tema?
Pedro Melo: Quando o debate sobre a diversidade iniciou, reconhecemos a necessidade de ampliar o conhecimento sobre o tema e também procuramos fazer o exercício de nos colocar no lugar de outras pessoas. Chegamos à conclusão de que sempre é preciso pensar em profundidade sobre o que fazer para melhorar a realidade, pois dificuldades clássicas que as mulheres têm tido para crescerem profissionalmente derivam de um contexto cultural que tem longa história e que não é alterável de forma brusca, em nível das organizações. Ao mesmo tempo, e pragmaticamente, é preciso criar experiências e ações concretas para melhorar a realidade e aumentar a diversidade de gêneros, com vistas a melhorar resultados, evitando-se rótulos improdutivos. Conforme dito, entendemos que a diversidade é algo muito importante e relevante. Somos conscientes de que os números não traduzem os nossos esforços dos últimos sete anos. Também entendemos que temos muito a investir nessa jornada. Um dos maiores desafios é enfrentar a assimetria de percepções, especialmente em função de um longo histórico cultural. A Alta Administração pode ter bons planos, regras e controle, mas é preciso ter consciência de que a implementação por toda a estrutura organizacional se defronta com assimetria de percepções e com regras culturais fortes e não escritas. Por vezes, nos perguntamos: estamos sendo realmente compreendidos em nossos esforços, quando consideramos a estrutura organizacional em toda sua extensão, inclusive geográfica?
7) Sua bem sucedida carreira na KPMG lhe propiciou vivências em grandes empresas e a troca de ideias com líderes de indústrias. Em sua opinião, a governança corporativa e a sustentabilidade foram diferenciais para o sucesso dessas empresas? Seus líderes reconhecem isso?
Pedro Melo: Sem dúvida, todas as empresas que buscaram modelos mais aprimorados de governança e regras de sustentabilidade estão vivas hoje, com resultados positivos e passando bem por crises. Governança e sustentabilidade são fundamentais à materialização da estratégia em resultados sustentáveis. Organizações familiares que desenvolveram sua governança agregaram perenidade ao legado. Organizações com governança e sustentabilidade se anteciparam, incorporando tecnologia nos negócios, processos e relações saudáveis. Os bons líderes reconhecem. Conhecemos vários executivos bem sucedidos que são consultados com muita frequência, ícones de mercado. Eles tiveram o olhar adequado para a governança e a sustentabilidade e utilizaram e utilizam boas práticas em suas empresas.
8) Considerando o contexto da política brasileira, como a governança corporativa e a sustentabilidade poderiam interferir positivamente?
Pedro Melo: Nossa visão é muito pragmática e tem a ver com a contribuição que a KPMG tem dado ao Brasil. Acreditamos que à medida em que os diversos organismos de governo continuem evoluindo em práticas de controle de gestão e transparência, muitos dos embates ocorridos atualmente serão reduzidos e, acreditamos até que debates sobre o tamanho do gasto fiscal poderão ser muito melhor qualificados para produzirem soluções eficazes. Não falta benchmarking no mundo e o Brasil evoluiu, tem leis favoráveis que viabilizam a adoção de boas práticas. Citamos, por exemplo, a exigência da convergência para padrões contábeis internacionais do setor público, que está sendo implementada em escala, propiciando enorme oportunidade de aprimoramento das empresas públicas. Essa nova contabilidade permitirá que orçamentos de longo prazo sejam executados, não somente no próximo ano fiscal, mas traduzindo a visão de balanço patrimonial do setor público, que hoje não existe, além de evoluir do controle dos registros da gestão orçamentária para o adequado controle do patrimônio. Ao mesmo tempo, muito debate político precisará ocorrer até que tenhamos adequada transparência e o uso mais intensivo de ferramentas de gestão no âmbito das organizações públicas.
Convidamos nossos leitores a refletirem sobre a entrevista com Pedro Melo, compartilhando conosco suas percepções. Na próxima edição, daremos continuidade às discussões sobre os relevantes temas tratados pelo Presidente da KPMG no Brasil e América do Sul.
CIDA HESS
é sócia diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cidahess@kpmg.com.br
Mônica BrandÃo
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br