Conselhos

PARTICIPAÇÃO DE MULHERES NOS CONSELHOS DE ADMINISTRAÇÃO

Um discurso favorável à diversidade de gênero, inclusive em redutos ainda predominantemente masculinos como os Conselhos de Administração, tem sido replicado em seminários e outros eventos do mundo corporativo. Ancorado em pesquisas e estudos acadêmicos, o novo discurso destaca por exemplo a maior resiliência e habilidade das mulheres na comunicação e na gestão de conflitos como predicados efetivos para a boa governança das companhias, expondo uma mudança de mentalidade que costuma ser acompanhada pela prática. Resta saber em quanto tempo.

Se depender do interesse das mulheres, de iniciativas de agentes do mercado e da pressão dos investidores o status quo dos Conselhos de Administração, formado predominantemente só por homens, não tem muito futuro. Atualmente, a maioria das companhias do Ibovespa, índice de preços que reúne as ações mais negociadas na bolsa de valores brasileira, B3, tem pelo menos uma mulher em seus Conselhos de Administração.

Conforme pesquisa da RI, das 64 companhias (67 por classe de ações) integrantes da carteira de ações do Ibovespa válida de março a agosto deste ano, 36 tem cadeiras femininas no Conselho. Deste total, 25 tem a participação de uma mulher, sete de duas mulheres e quatro, Vale, Petrobras, Magazine Luiza e Copel, têm três presenças femininas. O número ainda é modesto considerando que a grande maioria desses Conselhos tem mais de cinco membros, mas não deixa de ser um sinal de novos tempos.

Entre as iniciativas com objetivo de reduzir a predominância masculina nessa seara do mundo corporativo destacam-se: o Projeto de Lei 7179/2017, que prevê cotas para mulheres nos Conselhos de empresas públicas e mistas, o Programa Diversidade de Gênero organizado pelo IBGC (Instituo Brasileiro de Governança Corporativa) e uma proposta encabeçada pela consultoria Enlight, que já conta com o apoio da WCD (Womens Corporate Directors), fundação de origem americana com 150 membros no Brasil.

Pela proposta da Enlight, as empresas do Novo Mercado se comprometeriam, de forma voluntária, a zerar o número de Conselhos sem mulheres até 2020 e a aumentar a presença feminina para 30% das cadeiras até 2025. É uma estratégia similar à adotada no Reino Unido, onde as mulheres ocupam 29% dos conselhos das companhias que compõem a carteira do índice FTSE 100, da Bolsa de Valores de Londres.

De acordo com a Enlight, o primeiro passo será apresentar a ideia em uma reunião com Investidores do mercado de capitais. Para Marienne Coutinho, co-presidente da WCD no Brasil e sócia da KPMG, uma das maiores consultorias e auditorias internacionais, os investidores já estão fazendo pressão pela diversidade de gênero. De acordo com Marianne, esse ano houve dez vezes mais pedidos ao WCD de indicação de mulheres para Conselhos, o que é um sinal de mudança rápida.

Com o objetivo de estimular a presença feminina em Conselhos de Administração, o Programa Diversidade de Gênero, organizado pelo IBGC em parceria com o WCD e com o IFC (International Finance Corporation), inspirado numa experiência australiana, tem apresentado bons resultados. Este ano, já está em sua terceira edição e com participação crescente.

Segundo Heloisa Bedicks, superintendente geral do IBGC, o programa, que é gratuito, conta com a participação de 26 mulheres nesta terceira edição. Na primeira edição foram 18 participantes. O programa consiste em colocar as participantes, denominadas “mentoradas”, em contato com mentores, conselheiros e conselheiras com expertise na atuação em Conselhos de Administração.

Para participar do programa, as mentoradas precisam ter disponibilidade para atuação imediata em Conselho. São formadas duplas, de mentores e mentoradas, que se reúnem periodicamente durante 12 meses. Além disso, as duplas participam de eventos e debates organizados pelo programa ao longo do ano. De 2016 até agora, já passaram pelo programa 41 mentoradas e 32 mentores.

“Este é um trabalho importante para viabilizarmos o acesso da mulher a conselhos”, observa a superintendente geral do IBGC. E também para promover a diversidade de competências, que é da maior relevância, acrescenta Marianne. O perfil das postulantes ao programa do IBGC é de executivas experientes ainda em atuação no mercado ou já aposentadas e de herdeiras.

Segundo Heloisa Bedicks, que também é vice-presidente do GNDI (Global Network of Director Institutes), que congrega institutos de governança de 23 nações e é presidido por uma mulher: a sul africana Ângela Cherrington, a participação de mulheres em cargos de decisão nas companhias tem melhorado com a busca por melhores práticas de governança corporativa. Para Heloisa a diversidade, não só de gênero, é fundamental para a boa governança.

Desde março de 2018, as mulheres são maioria no Conselho de Administração do IBGC. De um total de nove membros, cinco são mulheres. Ainda hoje, porém, a participação de mulheres é bem menor em relação ao número de associados do IBGC. São cerca de 2.000 associados, dos quais apenas cerca de 20% são mulheres.

O interesse das mulheres em atuar como conselheiras também é visível em cursos destinados a esta formação. Conforme Christiane Aché, diretora da Saint Paul Escola de Negócios, o curso ABPW (Advanced Boardroom Program for Women), ministrado pela Saint Paul, já está em sua terceira turma e com lista de espera.

Entre as 89 alunas, das quais 40 já formadas, participantes do curso, que tem duração de 13 meses, Christiane distingue três perfis: as que são herdeiras - que se interessam em atuar não só nos seus próprios conselhos como também no de outras empresas; as executivas que querem a médio e a longo prazo se tornarem conselheiras; e mulheres que atuam como CFOs (diretoras financeiras) e que tem por objetivo melhor interagirem com o Conselho de Administração das empresas onde trabalham.

Christiane chama a atenção para um fato que contribui para elevar a diversidade de gênero nas companhias. Segundo ela, quando a empresa tem conselheiras mulheres atrai um maior número de empregados mulheres. Além da formação de conselheiras, o curso também é destinado a formação em áreas de apoio aos conselhos como: gestão de riscos e auditoria, pessoas, estratégica, inovação, entre outras, acrescenta.

Lei de cotas: sim ou não?
A instituição de uma lei determinando cotas poderia abreviar o tempo para aumentar o número de cadeiras femininas nos conselhos. O problema é que, a instituição de cotas é, em si, uma questão polêmica e tem dividido opiniões. Além disso, aprovar leis não tem sido tarefa de curto prazo no Congresso brasileiro.

Pelo Projeto de Lei 7179/2017, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, as mulheres deveriam representar 10% dos conselhos em 2018, 20% em 2020 e 30% em 2022. Os percentuais propostos na lei ficam aquém dos de outros países que instituíram cotas. Recentemente, Portugal adotou cotas paras as companhias abertas, que deverão ter 33% de integrantes do sexo feminino em seus conselhos, até 2020.

Segundo Elvira Baracuhy Cavalcanti Presta, integrante do Conselho de Administração da Eletrobrás, que já foi contra, mas agora é a favor do estabelecimento de cotas para ampliar a diversidade, as cotas são necessárias e não precisam ser para a vida toda. “São uma condição transitória necessária para quebrar barreiras e para dar incentivo”.

Na avaliação dela, nesse contexto, uma lei é necessária porque tem o poder de mudar comportamentos. “Os países que implantaram cotas estão entre os que conseguiram se beneficiar com o aumento da diversidade de gênero”. Elvira, que fez diversos cursos de aperfeiçoamento no Brasil e no exterior, defende a diversidade em todos os sentidos: geracional, de competências, de experiências profissionais.

Os países com maior porcentagem de mulheres conselheiras são a França (40%), Suécia (35%), Noruega (35%) e Finlândia (33%). Deles, a França e a Noruega têm legislações que exigem cotas para mulheres. A pesquisa é de uma empresa britânica (BoardEx) que analisou a presença de mulheres nos conselhos de companhias que fazem parte de índices de bolsas, em 26 países.

Na avaliação de Heloisa Bedicks, a cota até tem um lado positivo: haveria um aumento expressivo da participação de mulheres nos Conselhos no curto prazo. Mas a que preço? questiona ela. Primeiro os homens veriam as mulheres como simples preenchimento de cotas, o que ajudaria a aumentar o preconceito em relação a capacidade das conselheiras, avalia.

“Não haveria reconhecimento da competência. A mulher só estaria ali para preencher a cota e não por capacidade e merecimento. Para mim a cota seria uma desvalorização da mulher”. Para Heloisa existe ainda outro ponto negativo na cota: promover uma concentração das mesmas mulheres em muitos conselhos. “A concentração impede que o conselheiro/a se prepare adequadamente para o exercício da função”.

Para Alessandra Amaral, primeira mulher a integrar o Conselho da Abraceel (Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia) e diretora presidente da Energisa Comercializadora, o estabelecimento de cotas é um assunto que precisa ser amplamente discutido. “Vejo com simpatia o mecanismo de cotas”. Ela acrescenta, porém, que prefere não se pronunciar sobre a efetividade de uma lei para isso.

Clarissa Lins, membro do Conselho de Administração da Petrobras, diz que não é intrinsecamente favorável ao estabelecimento de cotas. “Estimularia que todos os conselhos conduzam avaliações de desempenho a partir das quais ficaria evidente que a diversidade leva a decisões mais equilibradas. Por isso não acredito numa lei que estabeleça cotas.“

Na avaliação de Clarissa, a valorização da diversidade de gênero no processo de tomada de decisão é relativamente recente no mundo corporativo, mas já tem demonstrado resultados positivos. “Temos hoje três mulheres no Conselho de Administração da Petrobras e três no da Vale, algo considerado histórico nessas duas empresas”.

Para Lavinia Hollanda, membro do Conselho de Administração da ENEVA, companhia brasileira integrada de energia, estabelecer cotas é uma maneira efetiva de ampliar a diversidade de gênero também no caso dos conselhos de administração. “Não sei se uma lei é a melhor opção, mas o mecanismo de cotas em si é efetivo”.

A conselheira discorda do argumento de que ser indicada por cota gera desconfiança quanto à competência ou capacidade das mulheres. Segundo Lavinia, o problema é que de fato nunca houve um movimento explicito de trazer mais mulheres para o topo das cadeias de poder e estabelecer cotas pode ser uma política interessante para iniciar esse processo. 

Uma vez que isso comece, conforme observa, será mais rápido mudar essa situação. Neste contexto, ela cita estudos que correlacionam o efeito da primeira vez em gerações futuras. Por exemplo, o fato de uma pessoa da família entrar para a faculdade aumenta as chances de outros integrantes também ingressarem no ensino superior.

Na avaliação de Christiane Aché, a diversidade deve ser incentivada e as cotas são um mecanismo efetivo para isso. Ela afirma que era radicalmente contra esse tipo de mecanismo, mas que agora mudou de opinião. “Passei a ver a cota como um remédio para um mal que precisa ser combatido que é a falta de diversidade, que como todo remédio deve ter data para começar e para acabar”.

Quanto à existência de uma lei para estabelecer quotas, ela afirma ser favorável porque uma lei tem penalidade para quem não a cumpre. Como exemplo, a diretora da Saint Paul, cita o caso do uso do cinto de segurança. “Se não houvesse uma lei com penalidade para quem não usa, a cultura de usar o cito não teria se estabelecido como ocorre hoje”.

Crescimento e dificuldades
Apesar dos ventos favoráveis a uma ampliação do número de mulheres no mundo corporativo ainda existem dificuldades que impactam o crescimento da presença feminina nos Conselhos de Administração, conforme resultados captados pelas estatísticas realizadas até agora.

Segundo pesquisa do IBGC feita em 2016, as mulheres ocupavam apenas 7,9% do total de assentos dos Conselhos de Administração das 339 empresas listadas na B3. De lá para cá não foi percebido crescimento. “Se houve crescimento ele foi pífio”, observa a superintendente do IBGC.

De acordo com pesquisa da Enlight, que analisou os dados das 134 empresas listadas no Novo Mercado em 2017, quase 70%, ou 91 companhias, não tinham nenhuma mulher no Conselho. Conforme a pesquisa, o setor com mais mulheres no Conselho era o varejo, que concentrava quase um terço das conselheiras, seguido de bens duráveis, construção e transporte.

Entre as dificuldades que mais prejudicam a diversidade de gênero, a co-presidente do WCD cita a visibilidade das mulheres e a seleção de membros para os conselhos. Segundo Marienne Coutinho, de modo geral, as mulheres não têm o mesmo network que os homens, o que prejudica a visibilidade. “Por exemplo, as mulheres quando saem do trabalho costumam ir para casa enquanto os homens costumam ir para alguma atividade com os amigos, fazer seu network social.“

Em relação à seleção, as coisas mudaram um pouco, mas ela ainda não é predominantemente profissional, observa Marianne. “Tem muita indicação de amigos, o que acaba sendo impactado pelo maior network masculino. O perfil da maioria dos Conselhos ainda é de homens brancos de cabelos brancos”.

Para as conselheiras é fundamental que a seleção passe a ser estritamente profissional. Segundo Clarissa Lins, empresas públicas beneficiam-se de conselheiros, homens e mulheres, bem preparados, técnicos e apartados de interesses político-partidários. “Acredito que minha atuação nesse tipo de atividade tenha surgido a partir de meu conhecimento específico, nas áreas de energia e sustentabilidade, evidenciado em minha trajetória profissional”.

A falta de preparo também é descartada como dificuldade para ampliar a diversidade de gênero nos conselhos pelas conselheiras entrevistadas. “Não falta mulher preparada para assumir posição de conselheira”, diz Elvira. O que existe, na avaliação dela, ainda são barreiras culturais e preconceitos que precisam ser quebrados. Será que os homens estão bem preparados? Isso, porém, não costuma ser questionado.

Com relação experiência pessoal na carreira pelo fato de ser mulher, Lavinia ressalta que o importante é avaliar a experiência coletiva. “Independentemente da minha experiência pessoal ter sido boa ou ruim, ainda hoje diversas mulheres enfrentam enormes desafios para crescer na carreira”. Lavinia é doutora em economia pela EPGE-FGV e autuou muitos anos no mercado financeiro, um reduto bastante masculino. As conselheiras entrevistadas também afirmaram que não tiveram problemas por ser mulher.

Ser mãe e cuidar dos filhos ainda é apontado como dificuldade para a atuação das mulheres, em prejuízo da diversidade de gênero. Essa visão, porém, não encontra amparo nem na realidade, nem em estudos acadêmicos que vem mostrando a efetividade dos predicados femininos no desempenho corporativo.

A conselheira da Abraceel, por exemplo -que iniciou sua carreira como trainee da Vale, em 1993, tendo trabalhado por seis anos na Coca-Cola e nos três anos seguintes na Light - afirma que ser mãe e cuidar da família não atrapalha a vida profissional. “O importante é organizar-se para isso. Tenho dois filhos e procuro atuar ativamente na educação deles e em constituir uma vida mais igualitária também nas atividades domésticas”, ressalta Alessandra Amaral.

Faca de dois gumes
De modo geral as expectativas são de que estudos e pesquisas que elencam os predicados femininos e sua efetividade para o bom desempenho das companhias têm contribuído para que haja uma ampliação da diversidade de gênero. Mas ainda há preocupações de que funcionem como uma faca de dois gumes.

Há estudos que apontam que companhias com mulheres nos Conselhos aumentam o faturamento e dão maior retorno aos acionistas. Um estudo da McKinsey , por exemplo, verificou ao analisar cerca de mil companhias em 12 países, que empresas com mais diversidade de gênero na equipe executiva tinham 21% mais chances de ter lucros acima da média.

Na avaliação de Elvira, se os dados não forem bem utilizados podem acabar sendo negativos. “Há o risco que levem mais cobrança para as mulheres. Colocam uma mulher no Conselho e se o faturamento não aumenta é culpa da mulher”.

Heloisa destaca um ponto importante que aparece em estudos acadêmicos: o de que é melhor ter mais de uma mulher no Conselho. Os conselhos geralmente têm oito a nove integrantes e os estudos afirmam que a voz das mulheres será mais ouvida se forem duas ou três.

Entre os vários predicados femininos favoráveis a presença das mulheres nas companhias destacados em pesquisas estão: inteligência coletiva maior, menor apetite ao risco, mais seriedade nas tarefas de monitoramento, maior frequência nas reuniões do Conselho, o que faz com que o colegiado como um todo seja melhor.

Heloisa acrescenta mais um: as mulheres não têm vergonha de perguntar. “Se não sabem ou não entendem sobre algum assunto pedem mais detalhes, explicações. Os homens, de modo geral se não entendem não perguntam”.

Uma pesquisa da PwC, que entrevistou 4.792 profissionais (3.934 mulheres, 845 homens) de diferentes tipos de empresas e países, aponta que 76% dos empregadores incorporaram diversidade e inclusão em suas bandeiras, ainda que apenas 28% tenham um programa formal de retenção de mulheres e oportunidades iguais dentro da empresa.


Continua...