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Já se passou um mês desde o rompimento da barragem de rejeitos da mina Córrego do Feijão, da Vale, em Brumadinho (MG), que deixou, entre mortos e desaparecidos, 310 pessoas e um rastro de sujeira que vai além da lama que dizima a vida animal e vegetal da região, mas que também permeia a gestão da mineração nacional, expondo os brasileiros a esse tipo de tragédia diariamente.
Segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), em uma lista divulgada no dia 31 de janeiro último, o Brasil possui 717 barragens de rejeitos e pelo menos 88 têm método de construção de "alteamento a montante ou desconhecido", sendo 43 classificadas como barragens de alto dano potencial associado. Contudo, o cenário pode ser ainda pior, pois, de acordo com dados no próprio site da agência, o número total de barragens no País chega a 839.
Muitas questões surgem ao decorrer dos dias, desde quais foram as causas que acarretaram a tragédia e se isso pode se repetir em outras barragens, até qual o impacto que o rompimento terá no âmbito socioambiental. Existe muito a ser feito para que desastres como esse não se repitam, contudo, as medidas atuais se mostram paliativas, pois o mercado e o valor da empresa despontam, mais uma vez, soberanos sobre as vidas. Sendo assim, o rigor é a única forma de lidarmos com essas tragédias!
Para acabar com desastres desse tipo no Brasil, primeiramente, é necessária a proibição imediata de barragens de alteamento a montante, além da fiscalização de todas as em operação para impedir novos acidentes. Embora seja bastante comum e mais barato, esse tipo de barragem é considerado obsoleto e de alto risco. Por exemplo, o Chile proibiu esse tipo de ativo e países na Europa e os EUA têm aumentado as restrições para sua utilização.
Consequentemente, uma nova política de gestão e monitoramento de barragens necessita ser adotada no Brasil e que torne, por exemplo, públicos os estudos de ruptura de barragens (Dam Break) para que o risco involuntário seja conhecido. Além disso, deve-se intensificar o monitoramento contínuo nas barragens com instalação de acelerômetros, inclinômetros, radares e satélites nos moldes da nova barragem de Santarém da Samarco, assim como piezômetros e monitoramentos tradicionais. Em adição, precisa-se haver a exigência de um número proporcional de engenheiros e geólogos geotécnicos nos quadros das empresas da mesma forma como ocorre na segurança e medicina do trabalho.
Tendo em vista que as empresas não dão atenção à integridade desses ativos e, portanto, não têm condições de monitorar os mesmos, como vistos nos casos de Brumadinho e da bacia do Rio Doce, uma solução possível é terceirizar para empresas qualificadas e idôneas a gestão das barragens com recursos garantidos e exigências da ANM. Essa é uma possibilidade que tem que ser estudada e considerada para que novos desastres não aconteçam.
Outro ponto a se destacar é o reassentamento imediato dos atingidos, para poupar e proteger a população impactada pelo desastre, como alertado pelo estudo publicado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que concluiu que a população afetada pelo rompimento da barragem corre risco de surto de doenças como febre amarela, dengue, esquistossomose e leptospirose, assim como agravamento de doenças respiratórias, problemas de hipertensão e transtornos mentais como depressão e ansiedade. O reassentamento dos atingidos deve ser realizado por especialistas em direitos humanos para realocação em moradias seguras e em áreas que não apresentem riscos, assim como a remoção planejada de comunidades que se encontrem em áreas de riscos de barragens.
Em relação às equipes de resgate, deve-se, primeiramente, haver o pagamento em dia do salário do Corpo de Bombeiros, assim como indenização pela potencial contaminação resultante da atuação, considerando trabalho perigoso e aposentadoria precoce, além de assistência psicossocial contínua.
Por fim, é fundamental a criminalização do responsável maior da empresa em caso de desastre ambiental ou humano, e a criação de um Fundo Soberano da Mineração para Desastres que sirva para indenizar danos imediatos, proteger as comunidades atingidas, prevenir desastres subsequentes, promover a reparação integral junto com o poder público e transformar a região de forma resiliente. Deve-se ainda através do contingenciamento das verbas do Fundo impedir que políticos, como fez o Ministro Minc, no passado, solicitar transferência das verbas do Fundo para questões climáticas, ou outros fins como no caso de Acidentes de Derramamento de Óleo.
Eugenio Singer
é presidente da Ramboll no Brasil, com mais de 42 anos de experiência em consultoria ambiental, com especialização em avaliação estratégica, responsabilidade ambiental, auditorias e arbitragem.
esinger@ramboll.com