Comunicação | Educação Financeira | Em Pauta | Enfoque |
Espaço Apimec | Fórum Abrasca | IBGC Comunica | IBRI Notícias |
Opinião | Orquestra Societária | Ponto de Vista | Remuneração de Executivos |
Como esperado pelos analistas financeiros, a queda da inflação, com a consequente redução da taxa de juros, teve forte impacto na alocação de recursos via mercado de capitais. A queda dos juros vem afetando o mercado em diferentes partes do mundo, com alguns países ocidentais convivendo com taxas de juros negativas, como é o caso da Alemanha, França, Japão e Bélgica.
Difícil compreender por que o investidor faz aplicações sabendo que não compensará o desgaste de sua moeda. Só o fator segurança pode explicar. No maior mercado de capitais do mundo, os EUA, a taxa de juros definida pelo Comitê de Política Monetária do Federal Reserve está fixada em 2,25% ao ano e não há perspectivas de vir a ser elevada no curso de 2020. No ano recém-findo, 20 países do mundo ocidental cortaram taxas de juros.
No caso específico do Brasil, convivendo por longo período com taxa de juros de dois dígitos, os investidores se acostumaram a concentrar suas aplicações em títulos, públicos ou privados, que lhe ofereciam rendimento bastante confortável e, no caso dos títulos do governo, com grande liquidez e rentabilidade, vistos como as aplicações mais seguras do mercado. Obviamente, esse cenário não favoreceu o desempenho do mercado de capitais em longo prazo, pois as aplicações em ações, por exemplo, não podiam oferecer rendimento compatível não só com os títulos públicos, como também com os certificados bancários e opções de fundos de investimento lastreados em carteiras de crédito indexadas à inflação.
A crise no setor imobiliário, que predominou por vários anos (2015 a 2019), também não atraía aplicadores para os chamados fundos imobiliários, com grande oferta de imóveis para aluguel, comerciais ou residenciais.
Diante desse novo cenário, instituições financeiras vêm tendo de se adaptar às novas condições de mercado e, foram relançados, ou mesmo criados, instrumentos para serem ofertados, buscando atrair investidores tradicionais de renda fixa. Debêntures do setor de infraestrutura, fundos lastreados em crédito de empresas, fundos imobiliários, fundos para aplicações em diferentes setores da economia (infraestrutura e shopping centers, por exemplo), certificados de recebíveis do setor agrícola e alguns investimentos similares, com rendimentos isentos de Imposto de Renda.
Como era previsível, o mercado acionário foi favorecido. Após vários anos de marasmo, sem condições competitivas, o índice da B3 (Ibovespa) teve em 2019 uma apreciação superior a 30% e lançamentos de ações atingiram novos recordes, principalmente para as chamadas ofertas secundárias (ou seja, ações de empresas já listadas, oferecidas em bloco, como foi o caso de BR Distribuidora, IRB, Petrobrás, Banco do Brasil e Marfrig). Nessa categoria, para 2020 está em estudo a venda de ações da Petrobrás e da JBS pertencentes à carteira da BNDESPar. Das 50 ofertas feitas em 2019, só cinco foram chamadas IPOs ou ofertas iniciais, com o montante total oferecido de R$ 89,6 bilhões, referente a 42 operações. Para o ano em curso espera-se que elas aumentem substancialmente, dadas as condições de mercado mais favoráveis. E na prateleira, para possíveis ofertas ao mercado, as instituições intermediárias tinham possíveis lançamentos em torno de R$ 125 bilhões, podendo chegar a R$ 200 bilhões.
O complexo quadro internacional não parece estar afetando o ânimo das instituições que prepararam novas emissões e acreditam na manutenção de um mercado comprador. As principais ações negociadas na B3, consenso geral, se não estão “baratas”, também não se apresentam “superaquecidas”. Obviamente, o desempenho da economia será fator determinante para uma melhor avaliação de seu pricing, pois a rentabilidade projetada será fator determinante.
Analistas e investidores com maior vivência e conhecimento da volatilidade do nosso mercado de ações estão sempre, e justificadamente, preocupados com o desempenho da bolsa para não termos de enfrentar uma bolha especulativa como nos final dos anos 1960 e que redundou a partir de 1971 num segundo encilhamento do mercado, que, de alguma forma, guardou semelhança com o dos anos 1889- 90, quando Rui Barbosa era ministro da Fazenda.
Comparando o quadro atual com o de 1970-71 temos sensíveis diferenças:
1) Instituições financeiras bem equipadas e tecnicamente preparadas.
2) Regulação atualizada e uma CVM exigente na qualidade de informação para os investidores.
3) Educação financeira com aplicadores mais informados para avaliar riscos assumidos.
4) Jornalismo econômico aprimorado, seja nos periódicos especializados ou mesmo nos de maior circulação.
5) Institucionalização do mercado, o que não existiu de 1965 a 1970, quando predominavam operações de pessoas físicas em busca de ganhos imediatos. É bom lembrar que alguns lançamentos atuais têm cláusula restritiva que impedia vender imediatamente as ações subscritas, tendo de aguardar um período de carência. Isso evita compras meramente especulativas de curto prazo.
6) Não estamos vivendo um clima de euforia, que prevaleceu na época do chamado “milagre brasileiro”.
No quadro atual, não vemos assim a formação de uma bolha especulativa. O investidor estrangeiro não demonstra entusiasmo pelo mercado, seja em bolsa ou nas ofertas de novas emissões. É um quadro diferente do passado, quando os aplicadores de fora estavam mais animados que os de casa. Com quem estará a razão?
De qualquer forma, é de bom tom ser prudente e tomar decisões conscientes, sempre medindo o risco assumido.
Nota: artigo publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 15 de janeiro de 2020.
Roberto Teixeira da Costa
é economista, e conselheiro emérito do Centro Brasileiro de Relações Internacionais e do Conselho Empresarial da América Latina. Recentemente publicou o livro “Valeu a pena: passado, presente e futuro do Mercado de Capitais.
teixeiradacostaroberto@gmail.com