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O crescimento exponencial do número de investidores na B3 também representa a multiplicação de demandas e de expectativas junto às áreas de RI, que devem estar preparadas para atender os mais variados perfis de acionistas e sanear suas ansiedades. Historicamente, no Brasil, o mercado acionário foi movimentado principalmente por investidores institucionais e estrangeiros, mas a enxurrada de CPFs na Bolsa, que se encontram ao redor de 1,7 milhão no total, promete mudar o quadro e a pergunta que fica é: o que eles estão demandando das áreas de Relações com Investidores (RI)?
De adolescentes que começam a conhecer o mercado de ações aos mais tradicionais, o perfil dos CPFs cadastrados atualmente é o mais variado possível e, diante disso, o tipo de solicitação realizada nas áreas de RI também. Mas, uma coisa é certa, todos os que buscam a empresa querem respostas e respostas rápidas.
“Espero transparência, sem manipulação dos números, explicações dos não recorrentes nos balanços, do que a empresa passou no trimestre e perspectivas para os próximos. O RI deve estar aberto para conversas, já vi até alguns se negarem a falar”, diz a economista especializada em finanças pessoais da Trópico, Glenda Ferreira.
O posicionamento dela é basicamente o mesmo dos investidores entrevistados para esta matéria. Mas o maior problema de não ser protagonista do seu próprio discurso é criar uma espécie de ranço. “O investidor fica com um pé atrás e passa a acreditar que a empresa está escondendo algo. E aí cai no emocional, ele cria preconceito com a empresa e, mesmo que a transparência venha a melhorar, o preconceito se leva para a vida toda”, ressalta.
Na visão de Glenda, o RI influencia, e muito, a escolha do investidor. “Ele pode dar a direção que a empresa está indo, porém com sinceridade. Existem RIs que prometem demais, dão guidance exagerado e a expectativa é muito importante aqui. Então, balizar corretamente é fundamental, porque se a companhia não entregar o que está prometendo, vai ser penalizada depois”, alerta. Para ela, o papel do RI é ser termômetro da empresa. “Se promete, faz. Se não está tudo certo, reconhece. O investidor pessoa física também sabe pensar no longo prazo”, complementa.
De 0 a mais de 66
Em dezembro de 2018, havia 813.291 CPFs cadastrados na B3, número que saltou 106,4%, para 1.678.754, ao final de 2019. O percentual de jovens na Bolsa ainda é bem reduzido, mas demonstra tendência crescente, com ganhos de participação tanto em número de cadastros quanto em volume investido. De acordo com os dados divulgados pela B3, as pessoas entre 0 e 25 anos que investiam em dezembro de 2018, representavam 5,47% do total. Ao final de 2019, respondiam por 11%. Em termos de valores, também houve um pequeno aumento de 1,3% para 1,4%. Pode parecer pouco agora, mas no longo prazo...
Os investidores com idade entre 26 e 45 anos foram os que mais ampliaram sua participação em um ano, de 50,77% para 57,15%. Em contrapartida, o percentual de investidores com mais de 46 anos, caiu de 43,76% para 31,85% na mesma base de comparação.
“Tenho acompanhado o aumento de investidores, mas com todo incremento, isso significa o aumento de novos perfis, ou seja, não o crescimento de pessoas experientes que adiaram seu investimento em bolsa por qualquer razão”, diz Ruy Flaks Schneider, engenheiro e CEO da Schneider & Cia, que investe no mercado de ações desde 1963.
Ele observa que o incremento de CPFs na B3 é impulsionado pelos novos participantes. “São pessoas que se mantinham alheias ao mercado de capitais e que por força de tudo que tem sido divulgado da situação da economia são atraídas”, afirma.
Entre os investidores que ingressaram nos últimos anos na Bolsa está o médico Rodrigo Bovolin de Medeiros de 39 anos, que passou a tomar conta diretamente de seus investimentos em setembro de 2015. Até então, ele deixava seus recursos serem geridos por terceiros, o que foi um grande erro, pois chegou a registrar perdas significativas.
“Meu dia-a-dia é bastante corrido e meu tempo estava dividido entre trabalho e família. Eu não reservava um tempo para estudar finanças. E foi conversando com um grande amigo, também médico, que me alertou para o fato de que essa responsabilidade só cabe a nós mesmos. Você precisa ser diligente com seu patrimônio. Aí, então, fui em busca de boas fontes de estudos - sites, livros, e depois o próprio material disponibilizado pelas empresas, os documentos que são protocolados na CVM, os webcasts, release de resultados etc”, conta.
Em meio a um processo onde mais pessoas buscarão o mercado de capitais para alocação dos seus recursos, com o cenário de juros muito baixos, Medeiros acredita que o RI peca quando não está alinhado aos interesses dos sócios, sejam eles grandes fundos e gestores ou acionistas minoritários pessoas físicas. “Tentar transparecer algo que não corresponde à realidade dos fatos é muito ruim”, afirma.
Jornada do investidor
A grande diversidade de perfis dos novos entrantes e de quem já conhece o mercado é um desafio para o bom atendimento do RI. E, assim como as empresas estão buscando conhecer melhor a jornada do consumidor, ou seja, mapeamento empregado para aumentar a taxa de conversão de clientes de uma empresa, é preciso também buscar entender qual é a jornada do investidor. O que faz com que ele prefira uma ação ao invés da outra?
Este tipo de postura faz a diferença, visto que uma das principais atribuições do RI é gerar valor para a empresa. “O que um investidor espera de um bom RI é que sua atuação seja parte integrante do processo de criação de valor da empresa e de sua ação no mercado. O aumento da criação de valor pode ser medido pelo aumento da liquidez da ação em bolsa, pela redução da concentração das ações nas mãos de poucos acionistas, por evitar oscilações desnecessárias do papel e por buscar que o papel negocie mais próximo de seu preço ‘justo’”, explica o CEO da SABE Invest, Luiz Guilherme Dias.
Dentro desta nova conjuntura o desafio aumenta. “Temos que levar em consideração é que muda o perfil do investidor e a mudança é acentuada”, alerta Schneider. Ele ressalta que o RI não é um integrante do esforço de marketing da empresa. “É claro que eles precisam estar sintonizados, mas antes de mais nada, o RI tem a missão de informar aquilo que o seu grupo alvo, a sua audiência carece, necessita e quer ouvir e não aquilo que a empresa quer divulgar”, explica.
No início, o RI era visto como uma nova responsabilidade do marketing da empresa, para prover conhecimento sobre ela, falar das suas conquistas, dos seus desempenhos etc. “Tudo isso é válido, porém não é o que nós consideramos a missão do RI. Ele precisa entender o perfil do investidor atual e do que ele pretende alcançar. É preciso saber se o acionista está carente, o que ele quer conhecer e se antecipar, às vezes. Muitos ainda estão meio perdidos, sobretudo os mais jovens em termos de investimentos”, afirma.
Dentro da jornada do investidor, o RI deve buscar conquistar a confiança de seus atuais e futuros acionistas. Para isso, é preciso conhecer seu perfil, saber em que parte da sua jornada ele está e prover informações antes mesmo que eles se apercebam que necessitam delas. É preciso informar, esclarecer e orientar e, o mais importante, inibir o aparecimento de ideias errôneas”, aconselha Schneider.
Concentração
Além do aumento da participação do número de jovens, o perfil do investidor brasileiro exibe outra característica que também está mudando: a concentração por estado. São Paulo que, historicamente, sempre apresentou o maior número de acionistas, vem perdendo seu poder. Em 2018, respondia por 41,93%, e em 2019 passou a concentrar 39,9%. Já a participação do Rio de Janeiro caiu de 14,67% para 11,99%.
Mesmo com a queda de participação dos dois estados, é possível perceber que ainda há elevada concentração de investidores e, portanto, há potencial para atrair acionistas fora do eixo Rio-São Paulo. Essa é uma bandeira que o próprio RI pode levantar como uma forma de gerar valor para a própria empresa. “Existem algumas práticas vencedoras que permitiram companhias avaliar o sucesso da área de RI. Uma delas é a procura por novos acionistas em regiões ainda pouco ou não exploradas”, diz o CEO da SABE Invest.
Menos assimetria de informação
Os grandes investidores - sejam fundos, empresas ou individuais - sempre tiveram um maior acesso aos diretores e ao alto escalão das empresas, o que resulta na assimetria de informações entre os grandes e pequenos investidores. Esse quadro, entretanto, tem mudado. “Ao longo dos 10 anos que invisto diretamente em empresas negociadas na bolsa, vem ocorrendo uma redução desta assimetria. Os RIs estão cada vez melhores, com atendimento rápido e colaborando no possível para auxiliar na compreensão e acompanhamento das empresas”, afirma Dimitri Matoszko, empresário no setor de turismo e hotelaria.
Apesar do elogio, Matoszko observa que ainda existem diversas companhias que falham muito. “Nessas empresas, parece que o departamento de RI é mais para atender a uma exigência reguladora do que realmente prestar um serviço a todos os investidores. Em algumas delas, simplesmente ninguém atende aos telefonemas. Isso quando conseguimos localizar o número do telefone. Você tenta inúmeras vezes em dias e horários diferentes, e ninguém atende. Em outras alguém atende, mas a pessoa que pode responder a perguntas simples sobre a empresa nunca está disponível. Você deixa o contato e não obtem retorno. Em alguns casos, quando o contato telefônico se mostra em vão, envio um e-mail para todos os contatos que a empresa fornece no website explicando a situação. Algumas vezes, isto resolve”, relata.
É aí que entra o preconceito descrito por Glenda. “Como investidor, não consigo comprar ações de uma empresa que nem atende um telefonema, e não esclarece nada. Como confiar numa empresa assim?”, ressalta. Para Matoszko, um bom RI precisa ter um ótimo atendimento feito por pessoas que entendem muito bem a companhia.
Investidores se unem
Os investidores pessoas físicas buscam na Internet formas de se encontrarem para ter mais confiança na sua tomada de decisão. Assim, fóruns que reúnem em uma mesma comunidade que privilegiam a análise fundamentalista e o longo prazo têm crescido exponencialmente. Este é o caso da Bastter, comunidade com 200 mil pessoas cadastradas, sendo cerca de 50% investidores de longo prazo. O nome do site foi inspirado no cachorro de seu criador, Mauricio Hissa, consultor de finanças autônomo que investe e ajuda o pequeno investidor. Bastter é um pastor branco e o nickname que Hissa adotou nos primórdios da Internet.
“Com o que a gente se importa? A gente se importa que a empresa seja sólida e bem administrada e que tenha um bom canal de ligação com o pequeno investidor”, explica o João Bosco Oliveira Júnior, consultor de renda variável especializado no mercado acionário da Bastter.com. Como instrutor e investidor, ele defende que o departamento de RI deveria ser um canal que lutasse pelos interesses dos pequenos investidores e nunca da empresa.
“Claro que a maioria das empresas não age desse jeito, mas algumas agem e preferimos estas. Há muitos RIs que não interagem bem, ou não compreendem o seu papel, não respondem e-mail, não atendem telefone, não marcam horário. Você abre um site de RI e eles não informam o telefone - é só por e-mail”, reclama.
Para Oliveira Júnior, a interação com o pequeno investidor é fundamental para o estabelecimento de uma relação de longo prazo. “É isso que a gente busca no departamento de Relações com Investidores: que ele interaja com os acionistas minoritários de uma maneira adequada, visando sempre dar condições para que consigam levar as suas posições”, ressalta. Ele lembra que, muitas vezes, a pessoa fica perdida, sem saber se uma informação é verdade ou não e a dúvida pode e deve ser saneada rapidamente com uma ligação ou um mail ao RI.
Na percepção de Oliveira Júnior, os piores RIs são sempre de empresas menores, mas, mesmo nas grandes companhias, o investidor se depara com descaso. “Há algumas empresas grandes que não tem bons RIs, que não respondem e-mails, não tem pessoas qualificadas. Não adianta você ligar lá no departamento e perguntar alguma coisa técnica sobre o resultado e a pessoa não saber responder. Muitos falam que vão mandar a resposta depois e, em 90% dos casos, não recebemos nada ou, se mandam, é algo padrão, sem compromisso. Não funciona desta maneira”, afirma.
Outro pecado, segundo o especialista é não privilegiar a língua natal. Este é o caso da Ambev, que realiza seus conference calls em inglês. “A empresa tem ações na bolsa brasileira e deveria fazer seu webcast em português. São pequenos pecados que fazem a diferença”, diz.
Joio do trigo
O que diferencia um bom RI? A primeira questão é a capacidade de atendimento. Mesmo que o profissional não seja o diretor ou o gerente, ele precisa conhecer o mercado e a própria empresa em que atua com profundidade. “Por exemplo, o Itaú-Unibanco, que é uma das maiores empresas da bolsa, atende prontamente. Eles marcam call com o investidor! Quando você compara isso com empresas pequenas, vê que é bem diferente. Eles não recebem, não atendem, não informam o telefone. E, quando você manda e-mail, muitos enviam respostas prontas. Um simples “control C control V”. Isso não é o ideal. Por telefone, há uma qualidade melhor do atendimento da empresa e se tira dúvidas na hora”, resume Oliveira Júnior.
Outra diferenciação está na qualidade do material disponibilizado. Quanto mais claros forem os relatórios e o material no site, menos questionamentos se gera junto ao investidor. “Muitas empresas não disponibilizam materiais adequados. Cada setor funciona de forma diferente e cada empresa tem suas particularidades. É preciso ter uma seção de “perguntas e respostas” completo e vídeos institucionais de melhor qualidade que minimizem as dúvidas”, recomenda.
O terceiro item está relacionado à aproximação da área com a pessoa física. Neste sentido, reuniões públicas com investidores, as tradicionais Apimecs e eventos em que as pessoas podem conhecer a empresa por dentro, fazem toda diferença. Tais momentos servem para o esclarecimento de dúvidas, e também para abordar as questões estratégicas. “Em geral, as perguntas se concentram em aspectos do curto prazo, deixando as questões estratégicas em segundo plano”, lembra Dias. Para ele, aproximar o investidor pessoa física da empresa pode fazer com que ela seja vista como opção de longo prazo.
A Bastter realiza um trabalho para ampliar a interação das empresas com os acionistas, o que envolve visitas às companhias e produção de vídeos institucionais. Além disso, leva acionistas para fazerem visitas. A comunidade também conta com um ranking dos melhores RIs, resultado da votação dos internautas.