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POR QUE OS CONSELHOS DEVEM LEVAR A SÉRIO OS FATORES ASG

O mês de janeiro de 2020 começou agitado. Larry Fink, chairman e CEO da BlackRock, lançou, logo na terceira semana do ano, a tradicional carta aos presidentes das empresas investidas pela gestora. Nas duas edições anteriores, Fink abordou temas como propósito e agregação de valor à sociedade. Agora, deixou claro que esse valor deve estar focado nas questões climáticas e nos critérios ambientais, sociais e de governança. A sigla da vez é ASG.

Ao mesmo tempo, o Fórum Econômico Mundial começou sob o tema “O propósito das empresas na quarta revolução industrial”. Em meio a inovações disruptivas e ecossistemas digitais, o manifesto pré-Davos pontua que uma companhia deve não somente entregar valor ao acionista, mas também tratar as pessoas com dignidade e respeito, dar total conhecimento ao cliente sobre o produto ou serviço oferecido, considerar o fornecedor como parceiro de valor e, finalmente, servir à sociedade. O manifesto reforça a importância da transparência, do uso ético, eficiente e seguro das informações e da proteção do meio ambiente.

Em meio à mudança de mindset da sociedade como um todo, especialmente as novas gerações, Lynn Paine e Suraj Srinivasan, em seu artigo A Guide to Big Ideas and debates in Corporate Governance, trazem à tona questões relevantes. Para eles, há mais de cem anos existem duas escolas de pensamento: uma vendo a empresa como uma entidade legal, que deve priorizar os direitos e deveres dos acionistas; e outra entendendo que a empresa é, na verdade, uma entidade real, que deve servir à sociedade, uma vez que impacta diretamente os ambientes políticos, sociais e ambientais das regiões em que atua.

Os autores pontuam também que esse debate, hoje, tem um novo senso de urgência, visto que as empresas vêm ajudando governos a solucionar problemas locais. Inclusive, códigos de governança, tanto no Reino Unido quanto na França, sugerem que os conselhos de administração estabeleçam e disseminem propósito, valores e estratégia da empresa, demonstrando sua contribuição à sociedade.

Outra questão está na característica de investidores e acionistas, que mudou consideravelmente com o tempo, inclusive na concentração de propriedade e controle dos votos. Para se ter uma ideia, a publicação Owners of the World, lançada recentemente pela OCDE, informa que, no fim de 2017, 41% da capitalização do mercado global já era comandada por investidores institucionais. Os acionistas do setor público representam cerca de 15% das organizações mundiais, e os privados, 10%.

No Brasil, a B3 está entre as 25 bolsas mais valiosas do mundo – 17º lugar, de acordo com a OCDE. Aqui, os acionistas privados representam cerca de 25% do total do mercado de capitais, seguido dos investidores institucionais, que representam 22%, e acionistas do setor público, que representam 11%. O país está entre os 50% que revisitaram seus códigos de governança corporativa nos últimos anos – o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas está em vigor há mais de dois anos.

Por tudo isso, torna-se fundamental que os conselheiros de administração e diretores conheçam muito bem a sua carteira de acionistas e seus objetivos, de forma a contrabalancear o poder de influência de acionistas, clientes, comunidade e a gestão do processo de tomada de decisão. Esse emaranhado de interesses, unido à necessidade de gerar valor à sociedade, requer compor o conselho de forma ainda mais diversa e investir em sua qualificação.

Com relação à diversidade nos conselhos de administração, há muito a fazer. No Brasil, 10% dos assentos são ocupados por mulheres – e em metade das empresas listadas há apenas uma mulher, incluindo suplentes. E isso porque estamos falando apenas da diversidade de gênero.

Segundo o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, um dos princípios básicos de governança é a responsabilidade corporativa. É papel dos agentes de governança zelar pela sustentabilidade das organizações – visando a sua longevidade, incorporando considerações de ordem social e ambiental na definição dos negócios e operações.

Isso significa que os próprios conselheiros devem questionar, em sua empresa, se há um propósito consolidado, servindo a seus shareholders e stakeholders e sendo refletido nas estratégias e atividades. O planejamento estratégico deve considerar os riscos e oportunidades de inovação que surgem com as mudanças climáticas, das novas ferramentas tecnológicas e da vontade do cliente e do consumidor de participar dessa construção.

Para ajudar os conselhos nesses questionamentos, o IBGC definiu, em 2019, seis temas estratégicos que devem ser debatidos nos próximos anos. São eles: “pratique ou explique” (informes sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas); fatores ambientais, sociais e de governança (ASG); diversidade; inovação e transformação digital; responsabilidade dos administradores; e promoção da governança familiar.

Esses seis temas estão em sintonia com os principais movimentos globais que afetam organizações dos mais diversos portes e setores de atuação. Consumidores, reguladores e a sociedade em geral demandam mais transparência e responsabilidade das organizações e de seus administradores perante todos os seus stakeholders, o que exige formas de atuação mais inclusivas, inovadoras e conscientes. O mais difícil, em todo esse processo, é garantir que essas ideias não estejam apenas no discurso, e sim na prática.


Valeria Café
é diretora de Vocalização e Influência do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).
comunicacao@ibgc.org.br


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