Governança Corporativa

OS DESAFIOS INADIÁVEIS DOS CONSELHOS BRASILEIROS

Tendo como referencial básico para desenvolver este artigo os Princípios de Governança Corporativa do G20 e da OCDE, versão 2016 que orientou as últimas atualizações dos códigos nacionais e institucionais mais tradicionais nos chama a atenção a evolução e ampliação de atribuições e responsabilidade dos agentes principais em Governança Corporativa em três dimensões específicas das seis existentes: 1) O enquadramento efetivo das empresas; 2) O papel dos Investidores Institucionais, mercado de ações e outros intermediários, e o que nos diz mais a respeito; e 3) Funções do Conselho.

A primeira, faz referência ao papel atual das empresas como promotoras de mercados transparentes e justos, assim como alocadoras eficientes de recursos e garantidoras da integridade destes mercados e do Estado de direito. Este foco ultrapassa em muito as diretrizes anteriores que pontuavam apenas o dever das empresas como geradoras de condições institucionais para as boas práticas de Governança Corporativa.

A segunda completamente nova focaliza o papel dos investidores institucionais como incentivadores robustos de toda a cadeia de investimentos dos mercados acionistas na direção da boa governança das sociedades. Os objetivos dos princípios anteriores giravam em torno do papel da Governança Corporativa como protetora dos direitos dos shareholders e no reconhecimento dos interesses dos stakeholders.

Por último, o novo documento da OCDE transformou o papel dos Conselhos de Administração de orientador , fiscalizador e prestador de contas ao mercado para o de “Garantir a orientação estratégica da sociedade , o controle eficaz da equipe de gestão e impõe a responsabilização do Conselho perante a sociedade e seus acionista”. Resumindo como palavras chave atuais da missão de um conselho segundo a OCDE temos: Orientar e controlar uma Diretoria executiva e se responsabilizar por tudo o que acontece na empresa. Por mais draconiano que possa ser esta diretriz para nós, Conselheiros, esta é a referência pela qual seremos avaliados daqui para frente pelo Mercado e seus agentes.

Como conselheiros de administração convictos de nosso papel nas empresas em que estamos atuando nos preocupa a falta de foco dos atuais debates em nossas instituições e a tremenda perda de energia que tem sido gasta em direções que estão longe destas orientações OCDE. Em que pese a importância dos temas como diversidade de gênero, cyber governança, tecnologias disruptivas e outros, nos parece que a lição de casa mínima não está sendo feita. Como estamos urgenciando e controlando nossas empresas na implementação do direcionador estratégico GCR, como estamos estimulando a transversalidade da atuação responsável de nossas empresas para as questões ambientais e sociais das suas unidades produtivas traduzidas pelos indicadores ASG e como estamos focando o rating ESG que bem traduzem os objetivos de desenvolvimento sustentável ODS para o mundo corporativo.

Baseados em nossa experiência , entendemos como entrega mínima de qualquer Conselho a implementação efetiva do data driven GCR: Governança, Compliance e Riscos. Na prática significa estruturar o processo de Governança Corporativa compatível com o tamanho e ciclo de vida da empresa, garantir a sua resiliência e integridade assim como a de seus administradores através da implementação de programas de compliance e ter como painel de bordo o monitoramento dos principais riscos corporativos de forma integrada e priorizada. A qualidade da tomada de decisão de um Conselho dependerá da competência integrada de seus membros para avaliar aqueles riscos de alta, média e baixa probabilidade de acontecer mas com alto impacto para a empresa, priorizá-los e direcioná-los no sentido da mais abrangente harmonização dos múltiplos interesses de seus stakeholders. Acreditamos que, o sucesso ou fracasso de nossa atuação como Conselheiros dependerá deste envolvimento construtivo com a empresa e suas partes interessadas.

Isso significa que em empresas pequenas e médias, familiares ou não, o data driven GCR precisa ser entendido como pilar básico para garantir de forma consistente a correta preparação destas empresas para os processos de diluição de capital de controle derivado da passagem de bastão geracional das famílias envolvidas ou abertura de capital e do processo de divórcio entre a propriedade e gestão , momento da profissionalização da empresa com a saída dos donos da gestão. Conselheiros de administração, consultivos ou independentes nestas organizações precisam focar na qualidade dos seus acordos de acionistas , dos protocolos familiares ,dos estatutos e principalmente orientar para o modelo de Governança mais adequado ao tamanho e ciclo de vida destas empresas. O entendimento de que existe uma hierarquia a ser seguida é importante para garantirmos a coesão entre estes documentos e isso precisa ficar claro para os acionistas e donos: é a partir de um acordo de acionista bem estruturado que o Estatuto da empresa é montado, e é a partir deste Estatuto que o modelo de Governança adequado ao ciclo de vida do empreendimento é definido.

A alta mortalidade das empresa familiares brasileiras se justifica pela desatenção e imaturidade dos seus acionistas, Conselheiros e consultores nestas questões tão básicas. Os números atuais são assustadores, de acordo com pesquisas PWC 2019, 75% das empresas familiares brasileiras fecham após serem sucedidas pelos herdeiros e de cada 100 empresas apenas 7 chegam a terceira geração.

De forma geral em organizações de maior robustez e maturidade ,o sistema de Governança Corporativa já está montado. Como Conselheiros sabemos que não existe Governança sem fiscalização e controle e, para esta tipologia de empresas e instituições a consolidação prática do data driven GCR exige a estruturação do sistema de fiscalização e controle compatível com os propósitos futuros da instituição. A montagem das instâncias como Conselho Fiscal, comitês de auditoria, auditoria independente e interna passa a ser o objetivo estratégico mais urgente .A função Compliance assumiu um certo protagonismo neste sistema a partir de 2013 por exigência da lei 12.846, a nossa lei de Compliance .Os programas de compliance e integridade, passaram a ser evidencias legais exigidas pelos principais órgãos públicos de controle e determinantes nos processos de licitação na maior parte dos Estados Brasileiros.

O aspecto sutíl do data driven GCR, que gostaríamos de deixar pontuado neste artigo é que quando bem estruturado, este passa a ser a garantia tanto da legalidade das atividades e ações da empresa quanto da criação de uma ambiência necessária a formação da cultura ética na empresa. Segundo Lauretti e Solé 2019, a cultura ética tem como pilar básico um código de conduta derivado dos Princípios e Valores da Empresa. Não podemos nos esquecer de que quem define os Princípios e Valores de uma empresa são seus acionistas, seus donos, representados por um Conselho de Administração. O tom ético, a força dos princípios e a efetividade de um programa de compliance passa pela monitoração , controle e estímulo por parte do Conselho de Administração. A integridade civil e criminal dos administradores de qualquer organização (seus Conselheiros e Diretores) depende desta diligência advinda do Conselho.

Estruturado o GCR, entendemos que o papel dos Conselhos passa a ser o de direcionar e garantir a legitimidade das ações da empresa frente aos seus stakeholders, principalmente aos investidores institucionais e as comunidades aonde as unidades produtivas estão inseridas. O binômio estratégico de atenção dos conselheiros aqui pode ser resumido pelo quadrante legalidade x legitimidade, representado na Figura 1 ,bem pontuado por HILB,Martin 2009 em seu livro A nova Governança Corporativa. Ferramentas bem sucedidas para Conselhos de Administração.

Figura 1: Contexto normativo da boa governança : Legalidade x Legitimidade
Contexto normativo da boa governança : Legalidade x Legitimidade

Adaptando e interpretando o recado de Hilb, entendemos que a tomada de decisão de um Conselho passa necessariamente na busca do consenso daquilo que traduz os mais altos níveis de legalidade e legitimidade, na maioria de suas pautas, o que é demonstrado no quadrante superior direito da figura 1.

No eixo da legalidade, a conformidade legal necessária é garantida em boa parte pela estruturação do data driven GCR já comentada nos parágrafos anteriores.

No eixo da legitimidade, definindo este termo como aquilo que é verdadeiro, autêntico, que está de acordo com o bom senso, do que é considerado justo, entra em cena os stakeholders da empresa com seus múltiplos interesses. A identificação, monitoramento, e conhecimento das demandas daqueles que são mais críticos à empresa passa a ser condição sine qua non para a tomada de decisão colegiada na direção da harmonização necessária entre eles. A transversalidade dos impactos das atividades e decisões das empresas precisa ser endereçada tendo como cerne a questão da sustentabilidade, discurso básico da sociedade em rede vigente. Esta sociedade civil em rede, a cada dia que passa ganha força por sua conectividade virtual e empodera mais o poder da opinião pública que passa a assumir o papel de quase um tribunal, pressionando e julgando o mundo corporativo de acordo com a sua percepção sobre os fatos e não necessariamente levando em conta a competência técnica que subsidiam boa parte das decisões corporativas. Aos membros do Conselho cabe a monitoração desta força, o entendimento das diversas demandas e a busca da estratégia correta na tratativa com cada um dos stakeholders corporativos.

Percebemos que foi a partir de 2016, com os novos princípios de Governança da OCDE que os financiadores, investidores, reguladores e formuladores de políticas públicas começaram a endereçar questões de sustentabilidade como requisitos para a concessão de crédito, redução do custo de captação e decisão de investimentos nos mercados financeiro e de capitais .Em 2019 , a ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), lançou o GUIA ASG que incorpora aspectos deste data driven nas análises de investimento levando em consideração as instruções CVM e resoluções normativas CMN que determinam a adoção de práticas de sustentabilidade pelas empresas e instituições brasileiras.

Em nossos frequentes contatos pessoais com investidores institucionais certificamos a incorporação dos requisitos ASG/ESG (ASG : Ambientais, Sociais e de Governança e ESG: Environment , Social and Governance) pautando suas apresentações institucionais e nos questionando sobre a existência dos mesmos nas estratégias das empresas em que atuamos. No nosso dia a dia confirmamos a visão OCDE de que estes stakeholders tem se posicionado como os grandes incentivadores da boa governança em toda a cadeia de investimento dos mercados acionistas.

Particularmente, acompanhamos com interesse pessoal a evolução da série FTSE4GOOD Index lançada em 2001 e aferida sistematicamente pela Financial Times Stock Exchange (FTSE) Russell, uma divisão especial da Bolsa de Londres , representados pela figura 2 abaixo. Para nós esta série traduz na prática as reais exigências e a visão do mercado sobre as práticas ESG e norteia uma ampla variedade de participantes do mercado para criar e avaliar fundos de investimentos.
Cabe aqui uma observação sobre o nosso entendimento sobre as siglas ASG e ESG . Entendemos que o foco brasileiro em ASG é na realidade o reforço básico inicial das dimensões "E” e “S” do data driven ESG global , o que é mais compatível com a maturidade de nossas empresas. Fatores ambientais são mais compreensíveis e palatáveis do que Environmental factors and its multiple sub sector allocation.

Figura 2: Indicadores ESG FTSE4GOOD RUSSEL que medem como a empresa opera e quanto os seus produtos traduzem a preocupação com a causa ambiental

Indicadores ESG FTSE4GOOD RUSSEL

Fonte: FTSE Russell Sustainable Investment .ESG ratings as an opportunity to improve sustainability disclosure and performance - 4thJune 2019

Atualmente para serem incluídas nos índices FTSE4Good, as empresas devem, por exemplo, apoiar os direitos humanos, ter boas relações com as várias partes interessadas, progredir para se tornar ambientalmente sustentável, garantir bons padrões de trabalho não apenas para sua própria empresa, mas também para as empresa que fazem parte da sua da cadeia de suprimento, e combater o suborno e a corrupção. Um comitê independente de especialistas, em consultas com ONGs (organizações não-governamentais), acadêmicos, órgãos governamentais e investidores, desenvolvem os critérios e atualizam e revisam regularmente a conformidade com seus padrões ESG.

São proibidas de fazer parte desta carteira as empresas de tabaco, fabricantes de sistemas de armas nucleares, fabricantes de sistemas de armas inteiras, utilidades envolvidas na produção de eletricidade a partir da energia nuclear e empresas envolvidas na mineração ou processamento de urânio. As empresas de siderurgia, petróleo e gás são avaliados rigorosamente e sistematicamente com base em seus esforços para reduzir a produção de combustíveis fósseis e transformar seus negócios em operações mais ecológicas. Citamos como exemplo brasileiro de empresa que integra este índice desde 2017 a SulAmérica.

Direcionar estrategicamente uma empresa é a essência de um Conselho e é nossa obrigação primeira como Conselheiros garantir e reforçar o senso de direção das organizações em que atuamos. E isso passa pelo correto entendimento dos data drivens mercadológicos expostos neste artigo. Somos os guardiões dos propósitos organizacionais, de seus valores e expectativas de retorno. Nossa visão tem que ser de longo prazo e nos parece que os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável - os ODS - são focos irrecusáveis a serem perseguidos. Entendemos que o data driven ESG da Bolsa de Londres traduz de forma bem eficiente para o mundo corporativo boa parte destes objetivos.

Pensar no longo prazo e agir no curto é o desafio maior dos Conselheiros. A ciência e a convicção da importância do nosso papel no futuro de qualquer empresa é fundamental para a escolha do nosso tom pessoal na passagem por elas . O nosso envolvimento construtivo com as estruturas e unidades das empresas é fundamental para entendermos os seus principais desafios. Conselheiro, embora não coloque as “mãos na massa” (função da diretoria executiva) , precisa “cheirar” a empresa, para se posicionar adequadamente .Não podemos deixar dúvida de que lado nós estamos e sempre estaremos . É prerrogativa de um Conselheiro se posicionar no que for melhor para empresa em momentos de decisão. Convicção, coragem, competência, ousadia e independência são pré requisitos de qualquer Conselheiro, principalmente daqueles que possuem o desafio extra de serem Chairman. Em momentos cruciais para empresa, o seu voto pode significar a demissão de um CEO em reuniões ordinárias de Conselho, e essa postura e coragem por experiência própria ,além de solitária não é nada fácil.  

Adriana de Andrade Sole
é Conselheira de Administração certificada pelo IBGC desde 2010.Engenheira Eletricista, pós graduada em Gestão de Negócios e Engenharia Econômica. Especialista, professora , palestrante e Consultora em temas ligados a Governança Corporativa, Compliance, Riscos e Códigos de Conduta. Pesquisadora da Fundação Gorceix, Co autora dos livros Governança Corporativa : Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências; Código de Conduta: A Ponte entre a Ética e Organização.
adrianasole@globo.com

Marcelo Gasparino da Silva
é Conselheiro de Administração certificado por experiência pelo IBGC - CCIe. Advogado Especialista em Administração Tributária Empresarial pela ESAG, participou do Programa top level CEO FGV. É Presidente do Conselho de Administração da Eternit, membro do Conselho de Administração da Cemig, membro Suplente do Conselho de Administração da Vale e Membro do Conselho Fiscal da Petrobras. Foi Chairman da Usiminas.
marcelo@gasparino.adv.br


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