Em Pauta

RELAÇÕES COM INVESTIDORES EM TEMPOS DE PANDEMIA

A pandemia do coronavírus já provocou milhares de mortes e levou às pessoas no mundo inteiro ao isolamento social o que resultará em uma forte contração econômica. Em meio ao caos, no mercado de capitais os investidores tentam buscar o real valor dos ativos na bolsa e o papel das Relações com Investidores cresce de importância ao prover transparência em demonstrar os fundamentos da empresa.

Com cerca de 1 milhão de pessoas infectadas e mais de 47 mil mortes provocadas pelo COVID-19 até o final do mês de março, o mundo vive uma crise sem precedentes, o que fez com que os governos adotassem a quarentena como forma de reduzir o contágio e evitar o colapso do sistema de saúde. No Brasil, até o fechamento desta edição, foram registrados mais de 6.800 casos com 240 mortes, apesar das medidas de proteção já adotadas. O momento é complicado. Se por um lado, é preciso evitar ao máximo que as pessoas saiam às ruas e fiquem próximas umas das outras, por outro, isso representa o fechamento de estabelecimentos, retração das receitas, corte de custos e despesas e, por consequência, aumento do desemprego e piora da renda.

A conjuntura desestabilizou o mercado de capitais, em especial o acionário que vinha em tendência positiva. Após ter registrado recorde em meados de janeiro, quando alcançou 119.527,62 pontos no dia 23 de janeiro, o Ibovespa chegou a uma perda acumulada de 46,82% em apenas 2 meses e no dia 23 de março atingia 63.569,62 pontos. O “circuit breaker”, mecanismo disparado toda vez que atinge o limite de baixa de 10%, interrompendo a sessão para proteger o mercado de ações de volatilidades bruscas e atípicas, foi acionado seis vezes. Pela intensidade das quedas registradas, a crise recente do mercado acionário se mostrou mais grave do que a registrada pela quebra do Lehman Brothers em 2008.

O primeiro trimestre deste ano foi o pior da história do índice, que despencou 36% no período. Se este percentual parece elevado, é preciso lembrar que 17 das 73 ações do Ibovespa tiveram queda acima de 50%. Destas, destacam-se IRB (-75,15%); CVC (-74,66%); Azul (-69,89%) e Gol (-69,10%). Estas três últimas empresas estão inseridas em setores altamente impactados pela pandemia, o de turismo e o de transportes aéreos. A busca dos investidores é por encontrar o novo preço destas empresas que registraram uma queda brusca nas receitas e não é esperada uma recuperação no curto prazo.

“A Gol está num setor que sofre na veia. Estamos tomando todas as medidas para mitigar os danos o máximo possível e apoiando o governo na espera de que essa onda de contaminação se reduza para voltar a atividade normal”, declarou Henrique Constantino, co-fundador da Gol Linhas Aéreas, durante a live do Modalmais: Conversa com CEOs. Dos 800 vôos diários, a operação se reduziu a 50. Das 130 aeronaves, a Gol só está operando com 8 e, mesmo assim, com demanda baixa.

Por dia, a empresa transportava 100 mil passageiros nos aviões e 1,5 milhão de pessoas nos ônibus. “Esse número não chega hoje a 3 mil passageiros nos aviões e nos ônibus está ao redor de 100 mil. “Para o negócio é um cenário muito ruim. Estamos em busca de preservar empregos. Ainda não temos uma redução de quadro”, ponderou Constantino. A questão agora é a pós-quarentena. “Não está muito claro sobre o que vai acontecer. Talvez os negócios se tornem menores do que eram na pré-crise em um primeiro momento”, avaliou.

A Gol está em meio ao furacão, mas a pandemia afeta a todos os negócios, o que levou à queda do valuation das empresas. Neste cenário, a aproximação do RI com os investidores deve ser ainda maior, mesmo que em home office. “O momento é muito diferente de todas as outras crises, que o mercado já passou. As oscilações nos preços dos papéis dependem muito do perfil e da alavancagem das carteiras dos investidores”, diz Marília Nogueira, diretora de Comunicação do Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (IBRI).

Para a maioria dos brasileiros que investem hoje na bolsa, essa é a primeira grande crise que presenciam, considerando que, desde o início desse movimento, há cerca de dois anos, o mercado apresentou comportamento de alta. Mas, ao contrário do que se poderia imaginar, em meio ao caos, o número de CPFs cadastrados na B3 registrou um novo aumento em março, atingindo 2.243.362. O crescimento foi de 22,54% na comparação com janeiro, quando o Ibovespa atingiu seu ápice de pontos.

A percepção é de que os novos investidores entendem que sair na baixa é realizar prejuízos. “O ideal para a pessoa física neste momento é não sair e sim segurar o ativo que possui e esperar toda essa turbulência passar porque grande parte do preço de tela que estamos vendo não reflete o verdadeiro valuation das empresas. A partir do momento que sai, ela está vendendo o papel muito mais barato do que a empresa vale. Este é um momento de aprendizado para o investidor”, diz Renata Couto, Gerente de RI da AFYA.

A especialista em governança corporativa, Adriana de Andrade Sole, observa que o perfil do investidor que ingressou nos últimos dois anos no mercado é bem diferente do que se tinha anteriormente. “Eles entraram com a visão de risco, de adrenalina. Mas agora é o grande momento para que conceitos corretos de risco sejam vendidos, pois estão sentindo na pele o impacto do imponderável na bolsa”, lembra.

No caso específico da Klabin, havia 115 mil acionistas PF ao final do pregão de 21/02, que antecedeu a queda do mercado. Na informação mais atual, de 30/03, pouco mais de um mês depois, a base de acionistas PF da companhia apresentou crescimento, passando dos 140 mil investidores. “Houve um aumento significativo nas interações com o mercado nessas últimas semanas, sem impactos no nível de atendimento ou na tempestividade de resposta”, conta Marcos Maciel, gerente de Relações com Investidores da Klabin.

O papel do RI
Neste momento atual do mercado, o trabalho dos RIs ganha mais relevância ao orientar investidores e demonstrar os fundamentos das empresas em comunicados claros e até reuniões abertas. “Em momentos de crise ou situações totalmente adversas, como a que estamos vivenciando, no Brasil e no mundo, o papel dos RIs das empresas é fundamental para garantir a preservação de valor da companhia, de modo que a desvalorização seja apenas aquela inevitável decorrente da conjuntura e expectativa legítima dos investidores sobre economia, país e impactos adversos, evitando assim que o valor da empresa seja deteriorado por projeções não reais, assimetria de informações ou mesmo as chamadas fake news”, diz Paula Prado, Head de RI da Eletrobras.

Maciel, da Klabin, acrescenta que a área de RI tem também uma grande responsabilidade perante a administração da companhia, de trazer informações dos agentes de mercado que servirão como mais um componente no processo de tomada de decisão. “Nos tempos atuais, fomentados pela velocidade com que a informação circula, todos estão expostos à uma enxurrada de fatos diariamente. É importante e papel do RI separar o que é fato do que é ruído”, ressalta.

Na Klabin, são utilizados os tradicionais instrumentos, tais como Comunicado ao Mercado, Fato Relevante etc. para, nos termos da legislação vigente, levar as informações mais importantes simultaneamente para todos os públicos de interesse. Em paralelo, a equipe de Relações com Investidores tem atuado intensamente nas últimas semanas no aprofundamento das informações com quaisquer stakeholders que tenham interesse. Pela restrição de reuniões presenciais, o uso de tecnologia foi intensificado para que, cumprindo as diretrizes de isolamento social, seja possível acessar acionistas e investidores de todo o globo.

“O papel do profissional de RI não é valorizar o preço da ação, mas sim levar ao mercado de forma transparente as principais informações da Companhia, seus negócios e sua estratégia, para que os agentes tomem a decisão sobre o valor justo dos papéis da empresa”, complementa Maciel. Nas interações com analistas e investidores, tem reforçado que, a despeito do choque de curto prazo, não houve alterações significativas nos fundamentos dos negócios.

O conselho do IBRI é de ampliar a transparência em meio à turbulência. “Estamos orientando as companhias que, a despeito da possibilidade de divulgação de ITR (Informações Trimestrais) e Formulário de Referência num prazo maior que o usual, é preciso fazer as divulgações, o quanto antes possível”, diz Bruno Brasil, diretor-presidente do IBRI. Imerso num ambiente de alta incerteza, o mercado se beneficiaria de mais informações, de forma que pode favorecer a correta avaliação das companhias se houver aumento da transparência e da manutenção da comunicação.

Para Adriana Sole, o grande desafio é informar as decisões não planejadas em um contexto em que tudo muda rapidamente e que os ânimos estão alterados. “É preciso ter uma estrutura para atender os stakeholders - este é o desafio do RI. As coisas estão acontecendo, as empresas tendo que tomar decisões não planejadas como lidar com essa questão em momento de crise. Qual vai ser o tom da comunicação a ser adotado? Isso mexe com qualquer processo de governança. Como uma área de RI vai acompanhar todo esse processo? Como os stakeholders vão entender o posicionamento? A questão é a legitimidade das informações e o entendimento do público para não gerar mais insegurança dentro de um contexto que é novo para todo mundo”, resume.

Segundo Paula Prado, o RI deve criar estratégias de comunicação com seus investidores e mercado em geral, para garantir esclarecimentos tempestivos de fatos e impactos. No caso da Eletrobras, que foi bastante penalizada e chegou perder R$ 27,5 bilhões em valor de mercado entre os dias 1º e 20 de março seguindo a tendência das companhias de energia elétrica, as medidas da área de RI de mostrar a realidade da empresa em frente à crise fizeram a diferença.

A empresa procurou fugir do “lugar comum” de divulgar fatos relevantes genéricos e buscou tratar dos impactos que considerou mais relevantes para seus negócios, explicar o contexto em que está inserida e quais poderiam ser os efeitos em seus negócios e fluxo de caixa. “Não é possível ser exaustivo neste momento, dado o ineditismo que estamos vivenciando. Mas a Companhia fez uma divulgação bem didática, por diferentes canais, como Fato Relevante, Nota Explicativa de Demonstrações Financeiras e no Relatório de Administração de 2019”, conta.

A companhia também buscou abordar e incluir no seu Fato Relevante, as principais dúvidas e questionamentos que os analistas já haviam enviado à empresa, de forma individual, como foi o caso do risco de exposição cambial, de forma a garantir a simetria de informações. Existe ainda um comitê de crise instalado na para monitorar o tema. Durante a quarentena, os atendimentos estão sendo mantidos através do “Ombudsman-RI”, conference calls, videoconferências e há a participação em “road shows virtuais” organizados por instituições.

Em 21 de janeiro deste ano, as ações da Ânima registravam recorde e encerraram o dia a R$ 35,98, após o anúncio da oferta pública restrita de 22,4 milhões de ações ordinárias. De lá até 18 de março, os papéis da empresa sofreram muito com a crise, mesmo que seus fundamentos não tenham mudado tanto assim. Neste caso, o RI também teve um papel relevante de esclarecimento.

Para atender as dúvidas dos seus 6 mil acionistas e evitar a assimetria de informações, a empresa foi além dos comunicados e realizou uma webinar, que contou com a participação de 131 pessoas. “No momento em que começamos a perceber um número maior de pessoas perguntando, a simetria de informações com o mercado começa a ser um fator de preocupação. Mesmo que façamos um comunicado ao mercado, não necessariamente conseguimos entrar em detalhes. Estamos conversando sempre e se algo ocorrer vamos ter novas iniciativas de webinar”, diz Marina Gelman, diretora de Relações Institucionais da Ânima.

Em sua visão, a proximidade do RI com os mercados neste momento é crucial já que a bolsa está exibindo um comportamento muito irracional. “Dar o máximo de esclarecimento possível, conversar com o mercado e estar perto para falar o que está ocorrendo na companhia neste momento é muito importante. Estamos alinhados com o comitê de crise, com o CEO e Chairman”, conta.

A Ânima conseguiu adaptar rapidamente suas operações ao home office. Na verdade, foi apenas uma virada de chave, pois os alunos e professores já transitavam entre os ambientes virtual e presencial com facilidade devido à metodologia adotada desde 2018. “Migramos de um sistema de ensino para um ecossistema de aprendizagem. Desenvolvemos um modelo em que não há só presencial ou só EaD”, explica. Enquanto a maioria das universidades adota uma disciplina totalmente em EaD e o restante totalmente presencial, na Ânima, o modelo é de todas as disciplinas com 20% em EaD, o que resultou no preparo dos professores em migrar para a plataforma online sem problema algum.

“Este é um fator que acalma o investidor. Porque há o medo do investidor de que as faculdades percam alunos pela mudança da experiência acadêmica. Para nós, a experiência não é disruptiva na prática, pois o aluno está no ambiente com o professor dele. Isso faz toda a diferença. Uma coisa é o investidor achar que a empresa colocou os alunos de férias ou mudou completamente a experiência deles e outra coisa é conhecer como estamos tratando as pessoas”, diz.

Renata Couto, gerente de RI da AFYA Educacional, focada em cursos de medicina, observa que o momento do mercado é de instabilidade como movimentos rápidos. “É muito importante que o RI se posicione de forma a estar presente e disponível. É preciso fazer comunicados demonstrando claramente quais serão os impactos dentro da empresa. O investidor necessita de transparência”, afirma.

No caso da AFYA, foram elaborados comunicados informando como a empresa estava sendo afetada, quais as medidas tomadas e qual a posição no momento. A busca foi por dar uma maior tranquilidade possível em um ambiente instável. “A assimetria de informação pode acontecer por alguns momentos visto que tudo ocorre de forma muito rápida. Então é muito importante estar atento para mandar novas comunicações ao mercado através de diferentes ferramentas. Para o investidor atualizar o valuation precisa ter informações o mais precisas possível”, diz.

As aulas presenciais foram passadas para o online, mas como para medicina há uma carga prática, tais disciplinas precisarão ser repostas aos alunos, o que segundo Renata é um impacto totalmente contornável.

Contração Econômica
A reação dos investidores é um esboço sobre as incertezas que pairam sobre a crise de saúde nunca antes vivida no mundo moderno e que arrastará a economia para a bancarrota. O fato é que haverá retração econômica, mas a dúvida é sobre qual sua magnitude, pois o tamanho da queda depende de quanto tempo a quarentena se mantém.

Segundo projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a economia brasileira deve encolher 9% no segundo trimestre em relação ao primeiro e registrar uma retração de 1,8% em 2020. A estimativa leva em consideração um período de isolamento social de três meses. Para um período de dois meses de restrição, a queda esperada é de 5% no segundo trimestre (em relação ao anterior). Já para um mês, essa projeção vai para uma redução de 3%, para o mesmo período.

Já a Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia, espera que a atividade econômica encolha 0,20% no primeiro trimestre e 2,13% no segundo trimestre, na comparação com os três meses imediatamente anteriores. Caso se concretize a projeção, a queda do segundo trimestre de 2020 pode ser a maior desde o segundo trimestre de 2015. No terceiro trimestre de 2020, ainda haverá retração de 0,8% em relação a igual período de 2019. Já, nos últimos três meses do ano, a expectativa é de que haja alta de 0,9%.

Dilema
Há um dilema sobre qual o período ideal de isolamento e a bandeira da discordância é hasteada pelo próprio governo. “Bolsonaro não reconheceu a gravidade da situação. Talvez haja pessoas no governo, como o ministro da saúde, mas o próprio presidente não entendeu”, afirma o economista José Alexandre Scheinkman.

O ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta defende a quarentena, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). “Nós vamos trabalhar com o máximo de planejamento. E, no momento, nós vamos fazer, sim, o máximo de distanciamento social, o máximo de permanência dentro das nossas residências de homeworking, para que a gente possa chegar ao momento de falar, 'estamos mais preparados e entendemos aonde vamos', aí a gente vai liberando e monitorando pela epidemiologia", declarou durante coletiva de imprensa no Palácio do Planalto.

Mas o presidente da república Jair Bolsonaro vai na direção oposta. E a Secretaria de Comunicação (Secom) chegou a lançar uma campanha contra as medidas de isolamento, denominada “O Brasil não pode parar”, que teve sua divulgação proibida na justiça. Segundo Bolsonaro os impactos econômicos negativos por si só são a justificativa para pôr fim à quarentena.

Sua postura, de minimizar o problema, chamando o COVID-19 de “gripezinha” gerou crise com governadores, o isolamento do presidente e críticas internacionais. A revista britânica The Economist chegou a chamar o líder brasileiro de “Bolsonero” fazendo referência ao imperador Nero que mandou incendiar Roma. “O vírus é igual a uma chuva. Ela vem e você vai se molhar, mas não vai morrer afogado”, disse em entrevista ao programa “Brasil Urgente”, da Band, no dia 01 de abril.

O economista Ricardo Amorim, durante palestra ao programa do Mega Hack, uma maratona criativa que tem como objetivo criar um grande banco com projetos reais e ideias para ajudar a reduzir os impactos que o COVID-19, explicou que existem atualmente duas linhas de pensamento no Brasil e que as duas trazem riscos. A primeira consiste na ideia de priorizar as vidas e a economia vem depois. “O perigo desta linha é porque a economia afundando também vai matar gente de várias formas, por falta de acesso à alimentação, aumento da violência e criminalidade, por falta de recursos etc.”

A outra corrente diz: o Brasil não aguenta ficar tanto tempo na quarentena, portanto, devemos sair rapidamente. “Neste caso, o risco é que se a gente sair da quarentena antes de evitar que o sistema de saúde entre em colapso, vai ter uma mortalidade muito grande que vai fazer com que, num segundo momento tenhamos que voltar para uma quarentena partindo de um número maior de gente infectada, o que faz a quarentena ter que ser muito mais dura e longa”, diz.

Scheinkman observa que o impacto do fechamento de negócios e a economia parada são questões importantes, mas que a crise do sistema de saúde é ainda mais urgente. “Antes de pensar nos problemas econômicos, é preciso pensar em como reduzir ao máximo o número de pessoas mortas. Isso requer ter um sistema de saúde funcionando. No norte da Itália, por exemplo, o sistema de saúde é muito bom e mesmo assim não conseguiu dar conta do fluxo de pessoas que ficaram doentes. Este é um problema grave no Brasil, pois não há recursos necessários”, alerta.

Medidas
A discussão sobre qual o período e quem deve permanecer em quarentena e os desencontros do governo acabam desestabilizando ainda mais a economia. Na ansiedade de demonstrar rapidez em estabelecer medidas, o governo federal publicou no dia 22 de março, a Medida Provisória 927, que trata das medidas trabalhistas que podem ser tomadas durante a crise do coronavírus. O texto inicial permitia que contratos de trabalho e salários fossem suspensos por até quatro meses durante a calamidade sem nenhum tipo de compensação definida aos trabalhadores. Após as fortes críticas o texto foi revogado no dia seguinte.

“O governo parece meio confuso no que faz. Isso fez com que as medidas fossem tomadas tardiamente e, numa confusão, teve que voltar atrás. Nesse momento de alta volatilidade, o governo foi fazer uma proposta e depois verificar ele mesmo que não tinha completado a proposta. Assim, se introduz uma nova fonte de incerteza. Há o medo de o governo fazer uma grande besteira, como chegou a fazer e voltou atrás. Este é um problema adicional”, destaca Scheinkman.

Com a polêmica, o governo passou a adotar medidas opostas com pacotes de ajuda tanto para as pequenas empresas quanto para garantir renda aos trabalhadores, principalmente aqueles que estão na informalidade, cerca de 41 milhões de pessoas segundo o IBGE. Ao todo, as medidas de combate aos impactos econômicos anunciadas tanto pelo Banco Central quanto pelo Ministério da Economia já somam 2,6% do PIB, segundo o ministro da Economia, Paulo Guedes. 

Além de Keynes
Questões como o crescimento da dívida pública e restrição orçamentária como o teto dos gastos e a regra de ouro deixam de ser prioridades neste momento para dar margem para que políticas públicas de ajuda e salvamento da economia sejam adotadas. Na situação de emergência não há limite orçamento. A dívida pública vai crescer em relação ao PIB e, após o fim da pandemia, o Brasil sairá em condições piores. Mas só após o fim e que é hora de pensar nas reformas.

“É preciso ter a vontade política de fazer e de fazer bem, pois é muito dinheiro e esse dinheiro vai ser custoso para o futuro país. Infelizmente, o nosso histórico não dá essa grande confiança de que o governo vá fazer bem feito. Os programas precisam ser bem definidos de forma a não cair na mão de um amigo de deputado. Essas são deficiências que não podemos arcar”, diz.

Na avaliação de Scheinkman uma das coisas que funcionou bem na crise de 2008, que foi muito diferente da crise atual, foi a coordenação entre a Fazenda e o Banco Central. “São dois lados que precisam e devem trabalhar juntos, especialmente em momentos de crise. No Brasil, o Bacen tomou medidas importantes. Do lado da Fazenda também há medidas meritórias, mas que talvez não sejam suficientes, como a extensão de pagamentos de transferência de renda”, analisa.

Scheinkman defende que não é o arcabouço keynesiano heterodoxo que vai resolver o problema agora, pois é preciso ir além do que Keynes apregoava. “No arcabouço keynesiano heterodoxo, o governo tem que fazer investimentos. A questão agora é mais transferência de renda e crédito para os negócios que estão funcionando. Não é imaginar que a Petrobras furando mais poços vai resolver o nosso problema”, resume.

O grande desafio é não deixar que o capital organizacional da economia seja destruído, evitando ao máximo o fechamento de pequenas empresas. “Há toda uma organização em torno da pequena empresa: clientes, funcionários fornecedores. Se o pequeno for a falência a organização desaparece. No futuro, pode ser que outra pequena empresa surja no lugar, mas é um processo muito lento para isso. Não é o problema quando um vai embora, mas quando todos vão. Vira uma reação em cadeia”, explica.

As perdas vão ocorrer, mas a busca é por minimizar os danos. “Uma cidade no fundo é um monte de interações econômicas. Uma vez que algumas fecham, outras também são afetadas e por aí vai. É toda uma teia construída ao longo do tempo que, se o governo não prestar atenção, podemos perder uma grande parte que demora muito tempo para ser reconstruída”, diz.

Cenários
Ricardo Amorim traça três cenários para a economia brasileira. O primeiro é o otimista, em que a quarentena já traz o efeito positivo e é possível voltar à vida normal mais cedo sem colapsar o sistema de saúde. Neste cenário, vai ocorrer uma queda brutal de atividade no curto prazo, mas com recuperação forte e significativa diante de todos os estímulos que estão sendo feitos. Este é o melhor dos mundos, mas - infelizmente - não o mais provável.

No cenário intermediário, pode ser que o Brasil demore mais para chegar a esse ponto e que a quarentena prolongada seja necessária para evitar o colapso do sistema de saúde. “Vai custar mais para a economia no curto prazo, mas uma vez resolvido isso, a gente vai liberando gradualmente a quarentena, a recuperação da atividade vai demorar mais para começar, mas virá. Este cenário me parece o mais realista, mas depende da decisão dos nossos governantes”, avalia.

No pior dos casos, o governo determina que é preciso parar a quarentena o mais rápido possível, mesmo que não haja segurança de que não haverá um colapso do sistema de saúde. “O risco é de um aumento brutal de mortalidade. E a pergunta é será que o Brasil aguenta isso sem que uma nova quarentena seja iniciada por mais tempo? Aí sim teremos uma recessão maior ao longo do ano por mais tempo e com possíveis impactos negativos até 2021”.


Continua...