IBGC Comunica

A JORNADA DA GOVERNANÇA É MOVIDA A CRISES

Em 1995, o Brasil começava a recuperar o fôlego depois de longo período de desordem econômica. Maior estabilidade e programas de desestatização estimularam um pequeno grupo de empresários, profissionais liberais e acadêmicos a criar um Instituto de Conselheiros de Administração, que foi o predecessor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC). Essa iniciativa pioneira foi inspirada inicialmente pelo movimento então liderado pelo Reino Unido em favor de melhores práticas de governança nas organizações.

O repentino colapso financeiro de duas empresas havia abalado a confiança dos investidores e motivado a constituição de uma comissão governamental de alto nível, cujas recomendações foram resumidas num código de boas práticas de governança corporativa que ficou conhecido como Cadbury Report, em alusão a Sir Adrian Cadbury, na época conselheiro do Banco da Inglaterra, que presidiu a comissão. O Código enfatizou a importância dos conselhos de administração e defendeu sua independência em relação à diretoria executiva.Cadbury, aliás, esteve no Brasil em 1996 a convite do IBGC para uma palestra e inspirou a primeira edição do Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa, publicado em 1999 (e hoje em sua 5ª edição).

Outras crises se sucederam, no Brasil e no exterior. Nos Estados Unidos, o conflito de interesses entre acionistas e executivos – conhecido entre os economistas como conflito de agência - foi a principal causa de uma sucessão de escândalos por volta do ano 2000, que provocaram o desaparecimento de empresas como Enron, Worldcom e dezenas de outras. Em 2008, soçobrou um grande banco americano, Lehman Brothers, detonando uma crise financeira mundial e críticas à elevada remuneração de altos executivos baseada em fraudes e incentivos de curto prazo. Autópsias empresariais concluíram que em todas essas crises houve falhas de governança. Em defesa do mercado, a reação de reguladores com as leis Sarbanes-Oxley e Dodd-Frank, nos EUA, exigiram maior transparência na prestação de contas e limites à remuneração excessiva de curto prazo dos executivos.

No Brasil, o conflito de agência se manifesta pelo abuso de acionistas controladores sobre minoritários (minoritários em poder político, porque, frequentemente, eles são os maiores acionistas), que inibe investidores, o mercado de capitais e o desenvolvimento do país. Mais recentemente afloraram escândalos de corrupção que levaram três empresas brasileiras a figurar entre as 40 maiores multas aplicadas pelo governo norte-americano, nossa Petrobras destacada em desonroso segundo lugar.A Lei 13.303, conhecida como Lei das Estatais, foi uma das respostas do regulador brasileiro, logo apoiada e defendida pelo IBGC.

O lado positivo dessa sucessão de desastres empresariais foi o amadurecimento da cultura de governança, o aperfeiçoamento da regulação e autorregulação, e a profissionalização dos conselhos de administração. Testemunhei como as lições aprendidas foram imediatamente incorporadas aos debates, publicações e cursos para conselheiros no IBGC.

Origem
Quando foi criado, o foco inicial do instituto, por influência de seus líderes,eram as empresas de capital aberto – característica reforçada, alguns anos depois, com a criação do Novo Mercado. O segmento especial de listagem da Bolsa de Valores de São Paulo, atualmente B3, reuniu as companhias dispostas a elevar os padrões de governança exigidos pela legislação, com destaque ao princípio de “uma ação, um voto” – que alinha o poder político ao poder econômico.

Mas as empresas privadas de capital aberto não são o único foco de atuação do IBGC. Ao longo dos anos, a atuação do instituto foi progressivamente alargada, pela demanda de seus associados e do mercado,para abranger todo o sistema de governança de organizações de diferentes naturezas, portes e estágios de amadurecimento. Estão no radar do IBGC empresas familiares, famílias empresárias, sociedades de economia mista, associações, cooperativas e entidades do terceiro setor. Todas essas organizações precisam compartilhar os princípios básicos de transparência, prestação de contas, equidade e responsabilidade, mesmo que os instrumentos e as práticas difiram na forma, mas não no conteúdo. A boa governança corporativa teria muito a ensinar também ao setor público brasileiro e muitos de seus agentes.

O histórico de crises (ainda que motivadoras de avanços) nos deixa em estado de atenção e, por consequência, em constante aperfeiçoamento. Assim nasceu a Jornada Técnica internacional. Os primeiros destinos dessa viagem de estudos foram centros financeiros nos EUA e na Inglaterra. Na sequência, outros modelos de governança foram analisados. Na Suécia, vimos in loco o modelo de liberdade econômica com amplos benefícios sociais. Na Alemanha, empresas longevas de classe mundial. Na Austrália, um pujante mercado de capitais mesmo para pequenas empresas e em Singapura, estatais bem governadas. Nas jornadas mais recentes, para o Vale do Silício e Israel, mergulhamos no ecossistema de inovação, repleto de startups e onde princípios outrora sagrados, como o de “uma ação, um voto” são questionados.

Aprendemos com as diferenças e estimulamos a diversidade. O primeiro conselho de administração do IBGC contava com duas mulheres em sua composição e entre 2012 e 2016 tivemos nossa primeira mulher na presidência do conselho. Buscamos a diversidade não apenas de gênero, mas também de opiniões e experiências. Nos últimos três anos venho coordenando um colegiado composto por oito experientes ex-conselheiros do instituto, entre os quais dois ex-presidentes, que voluntariamente analisam de forma independente a governança praticada pelo próprio instituto, além do processo eleitoral de seus conselheiros. É um desafio garantir a sustentabilidade do IBGC e preservar seu propósito – “uma governança melhor para uma sociedade melhor”.

Neste ano, o IBGC completará 25 anos. Vivemos muitas crises, influenciamos e fomos influenciados por elas. Hoje, o mundo enfrenta mais um momento de grande tensão, este de dimensões e gravidade ainda incalculáveis. Os setores responsáveis discutem em escala global a crise na saúde e sua consequência na economia e na sociedade. A qualidade da liderança nas empresas enfrenta novos desafios. Os princípios e os valores que motivaram a criação do instituto seguem inabalados e devem nortear as soluções mais responsáveis e menos dolorosas para a sociedade.

“A governança corporativa é uma jornada, não é um destino."

Leonardo Viegas
é cofundador do IBGC, criado em 27 de novembro de 1995. Desde então, foi conselheiro de administração do instituto por três mandatos e atualmente é coordenador do Colegiado de Apoio ao Conselho – Governança e Indicação (CAC-GI).
comunicacao@ibgc.org.br


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