Ficar muito otimista com o desempenho do mercado de capitais neste inicio do ano de 2023 não é tarefa fácil. Afinal de contas, a incerteza ronda praticamente todas as economias do planeta, desde os países mais desenvolvidos, até os emergentes. São muitos os fatores a serem avaliados pelos investidores em todo o mundo. Só para lembrar alguns: a Covid ainda assusta com recidivas, há distúrbios e protecionismo em toda a cadeia produtiva, a guerra entre a Rússia e Ucrânia está completando um ano e com tendência de piorar.
Isso trouxe consequências de inflação alta em todo o mundo, bancos centrais praticando políticas monetárias restritivas, mercado de trabalho complicado e apertado em países desenvolvidos e muitas reformas por serem feitas num ambiente que não é muito amigável.
Taxas de juros em elevação no mundo e recursos começando a minguar fecham um pano de fundo pouco auspicioso para o mercado de capitais, com investidores preocupados com recessões e complicações em empresas que não puderam ou não tiveram a visão de desalavancar anteriormente para enfrentar baixas taxas de crescimento.
Pois bem, é esse o quadro com o qual se depara o mercado de capitais no mundo neste início de ano, e no Brasil, a situação não é muito diferente, e podemos até dizer que em alguns aspectos está agravada, com os investidores buscando proteção em ativos de menor risco e priorizando aplicações em renda fixa, aproveitando taxas de juros mais elevadas.
Não é por outra razão que o segmento Bovespa da B3 até o segundo decêndio de fevereiro mostra queda da ordem de 2,5%, enquanto o Dow Jones americano registra perda de 0,5%, apesar de mercados da Europa mostrarem valorizações.
Citamos aqui que isso está agravado e a explicação passa por um novo governo com diretrizes bem distintas do anterior, tendo que elaborar e aplicar reformas rapidamente, desenvolver novo arcabouço fiscal factível; num ambiente pouco amistoso pela dicotomia política. Para agravar mais um pouco, temos o início de uma crise no crédito, deflagrada pelos problemas de uma das maiores varejistas do país e por uma sucessão de pedidos de recuperação judicial.
Essa é uma onda recente que promete crescer ao longo do primeiro semestre de 2023, até por falta de opção de muitas empresas. Com o crédito ainda mais restrito e taxas de juros extremamente elevadas, muitas empresas podem ter que recorrer à recuperação judicial (RJ), preocupando ainda mais todo o sistema financeiro e o planejamento financeiro das instituições bancárias e gestores de fundos de ações e de crédito.
Se colocarmos uma lupa no nível de endividamento global a situação é também complicada. Recentemente, o IIF – Institute of International Finance divulgou dados sobre isso mostrando que a dívida de países emergentes cresceu em 2022 algo como 2,1%, atingindo, pasmem, US$ 98,2 trilhões, enquanto a de países desenvolvidos encolheu 2,8%, se situando em US$ 200 trilhões, perfazem dívidas no montante de US$ 298,2 trilhões, em queda de 1,3%, sendo essa a primeira vez que cai, desde o ano de 2015. Porém, representa 338% do PIB global.
Ainda segundo o IIF, a dívida brasileira encolheu em 2022 em 4,5%, perfazendo US$ 211,8 bilhões, com o governo responsável por US$ 85,1 bilhões, empresas não financeiras com US$ 53,0 bilhões, instituições financeiras com US$ 42,0 bilhões e famílias com 31,7 bilhões. Nossa situação é bem diferente nesse aspecto, mas não podemos esquecer que nossa relação dívida/PIB ultrapassa 74%, muito elevada para um país emergente e com tendência de seguir crescendo, dependendo das medidas que serão propostas pelo novo governo do presidente Lula em seu terceiro mandato.
Portanto, a conclusão que podemos chegar é que pelo menos enquanto não tivermos definição do conjunto de políticas, os investidores locais e estrangeiros que aqui estão vão seguir buscando aplicações de risco baixo e sem grande apetite por investimento de risco de mais longo prazo.
Aparentemente o governo tem pressa em apresentar novo arcabouço fiscal para o país, acelerar reformas e criar ambiente propício ao investimento externo e parcerias. Mas vão esbarrar num Congresso fractal, como de resto todo o país está. Porém, se o governo Lula conseguir agregar boas relações com o Congresso Nacional e o Judiciário, crescem as chances de termos um quadro de mercado de capitais bem mais favorável, ao longo do segundo semestre do ano.
Afinal muitas empresas souberam se programar para atravessar essa fase adversa descrita, os preços relativos dos ativos estão atraentes e, com segurança jurídica e marcos regulatórios efetivos haverá espaço para novas captações, notadamente de investidores externos. Haverá então espaço para dinamizar IPOs, fusões e aquisições e empresas rolando ou quitando dívidas. Mas por enquanto o que acaba prevalecendo é a busca por proteção, diante de um quadro de enorme incerteza.
Torcemos para que o presidente Lula e seus ministros tenham essa clarividência e que consigam engendrar políticas críveis para o Brasil, mudando as projeções correntes que não são boas. Não podemos seguir repetindo o mantra de que “no Brasil até o passado é incerto”.
Alvaro Bandeira
é coordenador da Comissão de Economia da Diretoria Técnica da APIMEC Brasil; ex-presidente da Apimec Nacional e do Rio de Janeiro e Prêmio Analista em 1996.
alvaro.bandeira@terra.com.br