A agência de classificação de risco Moody’s rebaixou a nota da Petrobras para grau especulativo, o que reflete a preocupação sobre a capacidade da estatal de honrar suas dívidas. A nota da Petrobras caiu dois degraus para Ba2, antes Baa3. A Moody’s manteve ainda a classificação da estatal em revisão para possível novo rebaixamento.
A perda do grau de investimento ocorre depois que as investigações da Polícia Federal, no âmbito da Operação Lava-Jato, indicaram um esquema bilionário de desvio de recursos por meio de contratos estabelecidos pela estatal. A Moody’s foi a primeira das três grandes agências de rating a rebaixar a nota de crédito corporativo da Petrobras para grau especulativo. A empresa ainda tem grau de investimento pelas agências Fitch e Standard & Poors.
A Petrobras enfrenta dificuldades para contabilizar as perdas decorrentes dos contratos suspeitos de corrupção. Desta forma, a companhia divulgou seu relatório/balanço de resultados do terceiro trimestre sem o aval de auditoria externa. A situação é nebulosa. Em breve, a empresa terá que divulgar os resultados do quarto trimestre e do ano de 2014. Não se sabe se esses documentos já vão incorporar as estimativas de perdas contábeis e se serão auditados.
Nos últimos anos, a Petrobras entrou em uma dinâmica muito ruim de dívida. O governo forçou investimentos – pela legislação, a companhia deve ter uma participação mínima de 30% na exploração de pré-sal – e também atrapalhou a geração de caixa da companhia porque impediu que a alta do petróleo no exterior fosse repassada aos preços dos combustíveis no mercado doméstico.
Houve represamento dos preços por tempo significativo. Diante dessa equação que não fecha, mais as apurações do esquema de desvio de dinheiro público com o pagamento de propinas vultosas, o valor de mercado da companhia despencou. No fechamento do mês de janeiro último, o valor da Petrobrás chegou a R$ 110 bilhões, o equivalente a um terço dos R$ 330 bilhões em fevereiro de 2012. O endividamento líquido passou de um patamar de R$ 100 bilhões no início de 2012 para mais de R$ 260 bilhões no final de setembro de 2014.
Esses percalços na maior empresa do país aquece o debate sobre a governança corporativa nas sociedades de economia mista de capital aberto. Algumas outras estatais apresentam problemas relativos à falta de transparência e têm sido muito suscetíveis ao risco político, que é intensificado nos períodos eleitorais. Paradoxalmente, a intenção de inserir as estatais no mercado de capitais foi fazer com que elas ganhassem mais controle, transparência e visibilidade.
Sem fazer menção a casos específicos, o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) está endereçando essa temática. “A melhoria substantiva da qualidade da governança das estatais de capital aberto vai contribuir para restaurar e fortalecer a reputação do país tanto internamente quanto externamente. Hoje, as economias estão conectadas. A melhora da credibilidade reduz custo de capital”, comenta Emílio Carazzai, conselheiro de administração do IBGC. O plano estratégico da entidade para 2015 contempla a publicação de uma carta diretriz com abordagem analítica e minuciosa de princípios e orientações e, depois, o lançamento de um guia de boas práticas. De acordo com Carazzai, a sociedade precisa debater exaustivamente diversos aspectos para se chegar a mudanças substantivas e não paliativas.
A Constituição Federal, o artigo 173, diz que o Estado só deve intervir diretamente na produção de bens e serviços de consumo privado como medida de segurança nacional ou relevante interesse público. A Lei das S.A., no artigo 238, coloca o interesse público como justificador da criação da sociedade de capital misto. Sendo assim, o grande desafio é delimitar o que é “interesse público”. Conforme o conselheiro do IBGC, o acionista controlador não pode fazer mau uso, submeter a companhia a interesses imediatos e programas que não estejam rigorosamente ligados ao objeto social. “A história tem demonstrado que a propensão dos governos de abusarem da dose do poder de controle prejudica não apenas os acionistas minoritários mas toda a sociedade”, destaca Carazzai. Conforme ele, é preciso ainda criar mecanismos para que as estatais sejam preservadas da tentativa de cooptação por interesses político-partidários. Outro fator crítico é a seleção de administradores e altos executivos por critérios técnicos e baseados na meritocracia, não por indicações políticas. O conselho de administração tem deveres fiduciários para a companhia e deve agir de maneira independente.
Para o economista Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), se os governos quiserem utilizar as empresas de economia mista para implementar políticas públicas, não faz sentido manterem o capital aberto. Por outro lado, ao fecharem o capital, haveria uma drenagem de recursos que o Estado, na atual circunstância, não teria condições de destinar. E, olhando para o futuro, essas empresas vão requerer volumes expressivos de investimentos. “Portanto, o mais viável é que as companhias de economia mista sejam geridas dentro das melhores regras de governança corporativa, com total transparência, buscando resultados de interesse público e dos acionistas de mercado. Não há incompatibilidade”, ressalta Costa.
De acordo com ele, o que poderia ser feito, inclusive, é obrigar essas estatais a fazerem parte - quando não estiverem - do Novo Mercado. Contudo, essa categoria, criada pela então Bovespa, no ano 2000, considerado por muito tempo importante passo na governança, para o economista, já não atende mais às demandas dos investidores e, por sua vez, precisa passar por um processo de revisão. “Hoje, muitos já o chamam de ‘Velho Novo Mercado’. Mas nesse momento em que as cotações na bolsa estão caindo e quando praticamente não existem IPOs (novas ofertas) é fundamental agir no aperfeiçoamento da governança”, alerta Teixeira da Costa.
“O Brasil já foi referência de governança no mundo mas não é mais e esqueceu de continuar trabalhando nisso, lançou os níveis na bolsa e ponto final. Em se tratando de governança, o país está parado no tempo e no espaço enquanto outros países evoluíram”, acrescenta Geraldo Soares, presidente do Conselho de Administração do Instituto Brasileiro de Relações com os Investidores (IBRI). Ele enfatiza que, atualmente, 57 países contam com códigos de governança corporativa, sendo que a partir de determinados faturamentos, todas as empresas têm que responder, sejam fechadas ou abertas.
Na visão de Herbert Steinberg, sócio-fundador da Mesa Corporate Governance, a despeito das empresas de capital misto terem áreas de governança, códigos de conduta e alinhamento com o mercado, a tentação de usá-las para política de governo e eleições é o principal problema. “Os processos existem mas nem sempre são respeitados como deveriam”, diz.
Para ele, o escândalo da Petrobrás causou tremendo impacto negativo e uma forte desconfiança em relação as sociedades de economia mista de capital aberto. No entanto, existem muitas companhias que se cercam da tentação dos controladores de fazer política. “Os investidores devem olhar com bons olhos essas empresas de capital misto. O fato delas estarem maculadas é temporal. Logo, o mercado voltará a precificar”, ressaltou Steinberg.
Ele enfatiza que o caso Petrobras representou um desserviço. “Quando o Tribunal diz que a presidente do conselho de administração é isenta de responsabilidade fiduciária ou de qualquer ordem, acaba com a vida dos ativistas das boas práticas de governança”, critica. O Tribunal de Contas da União, no relatório do ministro José Jorge, isentou a presidente Dilma Rousseff de responsabilidade pelo prejuízo causado pela compra da refinaria americana de Pasadena, da ordem de US$ 792 milhões. Steinberg lembra ainda da capitalização da Petrobras para o pré-sal, há quatro anos. “Houve diluição dos minoritários com base em um business plan, em um power point, isso é um absurdo”, avalia.
Roberto Faldini, empresário e conselheiro independente de empresas de capital aberto e fechado, é totalmente contra a atuação empresarial do governo e, nessa linha, empresa estatal não deveria ter capital aberto. “O papel do governo é fomentar a infraestrutura e cuidar dos aspectos sociais, não deve ser empresário. O governo cria conflito na administração das companhias, desviando-as de suas finalidades”, destaca. Faldini defende a privatização. “Os agentes de mercado podem até me criticar porque as ações dessas empresas de economia mista representam grande movimento na bolsa. Mas se fossem privatizadas, movimentariam ainda mais. Não falo de tirá-las do mercado, mas sim privatizá-las”, pondera.
A restauração da reputação da Petrobras será um caminho longo e difícil. Segundo Faldini, é mandatório que a empresa apresente os balanços auditados, com transparência. As investigações devem ser aprofundadas e as punições adequadas.
Em meio a tantos problemas, ele considera um equívoco o governo falar em abertura de capital da Caixa Econômica Federal. Para outros especialistas, antes dessa medida, deve-se discutir o limite das atuações das estatais e definir com clareza o “interesse público”. “A Caixa já foi instrumento de política econômica quando, em 2012, encampou a cruzada da presidente para reduzir os juros e praticou taxas dos empréstimos inferiores às dos bancos privados. Essa estratégia foi saudável para a empresa ou para o governo?”, escreveu o analista André Rocha, autor do blog O Estrategista.