Diferente de comprar papéis de blue chips ou empresas com décadas de pregão, adquirir ações de uma empresa novata na Bolsa pode ser um tiro no escuro. Em 2007, um recorde de 64 IPOs foi registrado na BM&FBovespa. Mas, nem todas essas empresas estavam devidamente preparadas para arcar com as pressões e as exigências do mercado. Diante da empolgação, muitas entraram na onda e chegaram à Bolsa sem estruturar uma área de relações com investidores nem desenvolver princípios de boa governança corporativa.
O resultado? Muitas empresas abertas se comportam como se não fossem. Além disso, os efeitos da listagem precoce logo refletiram nos preços das ações e muitos investidores acabaram se decepcionando.
Segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, das 64 empresas que lançaram ações naquele ano, apenas dez (15,6%) ainda acumulam valorização. 33 companhias (51,6%) têm perda e 21 fecharam capital ou se envolveram em processos de fusão e aquisição nos anos seguintes.
De acordo com especialistas, tal desempenho é consequência das sequelas da crise econômica global e a piora gradual da economia doméstica. Vale destacar que em 2008 se iniciou uma grave crise global que afetou fortemente os ativos de risco.
“A Bovespa se destaca por commodities, assim como nossa balança comercial. As incertezas sobre a retomada no exterior e a piora de cenário econômico doméstico caíram como uma bomba no desempenho do Ibovespa, e isto afetou o retorno de investimento de ativos de ações e afastou o interesse por aumento de investimentos nesta modalidade, principalmente por parte da pessoa física”, explica o analista de investimentos Pedro Galdi.
Como boa parte das companhias veio a mercado com teses de investimento baseadas em crescimento de resultados, a crise do subprime e o desarranjo macroeconômico brasileiro, especialmente na gestão Dilma Rousseff, comprometeram essa estratégia. Além disso, o aumento dos juros no período tornou outros ativos financeiros mais interessantes, como os de renda fixa. Galdi ainda lembra que poucas empresas seguiram num programa de abertura de capital nos últimos dois anos, já que “neste ambiente o preço de colocação acabaria ficando muito abaixo do desejado pela empresa lançadora”.
Para o economista André Rocha, autor do blog “O Estrategista”, outro fator que limita o potencial de valorização das companhias é a ineficiência das áreas de relações com investidores dessas empresas, que impede uma melhor comunicação com o mercado. “Os controladores vêem essa área como custo e não como geração de valor”, afirma.
Casos
Algumas empresas ainda conseguiram driblar a crise e entregar bons resultados para o acionista, como é o caso das administradoras de shoppings. A ação da BR Malls, por exemplo, ganhou 103,1% desde seu lançamento, em abril de 2007. O desempenho é bem superior a alta de apenas 0,76% do Ibovespa no período. Entre os motivos que fizeram com que esse setor fosse beneficiado está o estímulo ao consumo realizado pelo governo nos últimos anos em detrimento do investimento, além da carência de empreendimentos comerciais em regiões do país.
Em decorrência da crise pós 2008, o mercado valorizou empresas com foco no mercado doméstico e que pudessem se beneficiar do baixo desemprego e do crescimento da renda, que até pouco tempo atrás estavam sendo mantidos em bom patamar. “Contudo, essas características têm sido questionadas recentemente, devido ao recrudescimento da inflação e ao aumento dos juros que prejudicam a renda disponível e ao crescente endividamento das famílias”, pondera André Rocha.
Já o setor de construção, por exemplo, foi um dos que mais amargaram perdas. A expansão geográfica e o amplo portfólio (residenciais de baixa, média, alta renda, bem como comerciais) afetaram a gestão das companhias. O aumento de alguns custos como o da mão de obra também impactou margens. “Empresas que mantiveram um portfólio mais restrito de produtos e não se expandiram geograficamente, casos da Eztec e da Helbor, conseguiram entregar resultados robustos”, diz o economista.
Além disso, o setor viveu um bom momento quanto foram incentivados maiores volumes de financiamentos, com juros ainda aceitáveis e facilidades por parte dos grandes bancos, já que naquele momento não havia muita preocupação com inadimplência. “Pós aquele momento, a alta da taxa de juros levou as famílias a rever o momento de aquisição da casa própria, o que foi ainda ampliado com a postura mais seletiva dos bancos”, explica Pedro Galdi.
Cuidados ao investir em um IPO
Para o analista Pedro Galdi, a retomada dos IPOs vai depender da melhora do cenário econômico global e, principalmente, de nossa economia. “As bolsas de valores refletem principalmente a conjuntura econômica. Acredito que ainda vai demorar para que novas operações voltem ao nosso mercado de ações”, lamenta.
De acordo com Ricardo Rochman, professor da Escola de Economia da FGV, na hora de decidir investir em uma novata na Bolsa o ponto mais importante é ter em mente que todo IPO é um investimento de alto risco, já que não há histórico sobre a empresa em sua gestão no mercado de capitais. “É preciso analisar bem a estrutura de governança corporativa da companhia e verificar se os controladores e gestores estão alinhados e preocupados com os interesses dos acionistas minoritários”, explica.
Já André Rocha é enfático: “Se você não entende com profundidade como funciona o setor de atuação da empresa, fique de fora de operações de IPO”, recomenda. A falta de histórico de resultados e de saber como será a governança da empresa após a abertura de capital afetam uma melhor visibilidade da companhia. Outro ponto que deve ser levado em consideração é que o preço da ação sugerido, na maior parte das vezes, leva em conta premissas benévolas à companhia, como o de crescimento das receitas. “Além disso, não há opiniões isentas sobre a empresa, pois a maior parte das corretoras está envolvida na operação”, alerta.