Entrevista

OZIRES SILVA

Engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), Ozires Silva teve enorme contribuição no desenvolvimento da indústria aeronáutica brasileira. Em 1969, liderou o grupo que criou a Embraer - hoje uma das maiores empresas aeroespaciais do mundo - onde foi o presidente desde a fundação, em 1970, até 1986, quando aceitou o desafio de presidir a Petrobras onde atuou até 1989. No ano seguinte (1990), assumiu o Ministério da Infraestrutura e, em 1991, retornou à Embraer, desempenhando papel fundamental no processo de privatização da companhia, concluído em 1994. Foi também presidente da Varig, de 2000 a 2003. Atualmente preside o Conselho de Administração da Anima Educação e é reitor da Unimonte.

Ozires Silva defende maior liberdade de atuação da iniciativa privada no Brasil. Segundo ele, o governo não tem recursos para promover o desenvolvimento que deve se dar através do fortalecimento do mercado de capitais. Sobre o escândalo de corrupção na Petrobras, ele avalia que exigir a punição dos culpados não basta. A companhia deve investigar o que ocasionou as falhas e executar as correções para que não se repitam.

Aos 84 anos, com muita disposição, Ozires segue trabalhando ativamente - e recebeu, com exclusividade, a equipe de reportagem da Revista RI no escritório da Anima no bairro Brooklin Novo, na cidade de São Paulo. Acompanhe a seguir a entrevista:

RI: Diante do escândalo da Petrobrás, há necessidade de novas medidas de combate à corrupção no país?

Ozires Silva: O desenvolvimento de um país depende da cultura da sociedade e eu sempre considerei que, em geral, as pessoas são boas no Brasil, entretanto, historicamente, vigora a percepção de que todas são más. Tudo é feito a partir da presunção de que os sujeitos são mentirosos e culpados. É uma cultura negativista que emperra os negócios e o cotidiano dos cidadãos. Acompanhei um debate com três participantes e todos afirmavam que o Brasil precisa de mais leis contra a corrupção. Fui contrário aos três. Eu avalio que esse não é o caminho porque se você colocar mais medidas ou enrijecer as existentes, elas serão para os bons também e como a maioria é de bons, você prejudica o país. Hoje, infelizmente parte-se do pressuposto que os cidadãos são mentirosos, que mentem até o endereço residencial quando vão a uma repartição pública. Constantemente, são exigidas provas de que o que as pessoas falam é verdade. Há regras em excesso e a burocracia é enorme por conta disso. Em geral, as pessoas são boas, porém vigora um processo destrutivo de não se acreditar nisso. Eu tenho falado isso para os jovens, todas as mazelas que estamos vivendo vem dessa percepção. O governo só pensa em punir, não pensa que existe um grande cabedal de brasileiros e que deve ajudá-los a ter sucesso. As leis são orientadas nessa direção, todos nós somos bandidos, sobretudo, o setor privado. Quando eu era ministro tentei convencer os funcionários de que não existe servidor público. Conscientizei de que eram servidores ‘do público’. Muitas vezes eles se esquecem que servem à sociedade porque não é o governo que paga o salário deles, mas sim os cidadãos. O governo não produz riqueza, ele tira da sociedade. O caminho para reversão do cenário de desconfiança na sociedade brasileira como um todo está na educação.

RI: As indicações político-partidárias para cargos-chaves na Petrobrás nos últimos anos foram prejudiciais à companhia?

Ozires Silva: Todos os políticos que colocaram lá são maus sujeitos? Eu acredito que não. Por que político é mau, será que é verdade? Há uma generalização equivocada devido ao viés negativo no país de se punir os sujeitos pela presunção de que eles são ruins (através de desvios de conduta). Eu não generalizo, deve ter políticos bons colocados lá. Mas o fato de que nem todas as nomeações foram técnicas, isso é um problema, eu reconheço. As duas companhias tanto a Petrobras quanto a Embraer partiram do mesmo dispositivo legal, foram constituídas como sociedades de economia mista. Em 1969, eu fui o primeiro presidente da Embraer e iniciei a companhia com uma percepção positiva, a de que eu só trabalharia com pessoas boas e não parti da premissa que elas fossem más. Então se você for à Embraer, mesmo hoje, e conversar com colaboradores vai encontrar pessoas entusiasmadas. Uma companhia voltada para o sucesso, todos atuando na mesma direção, perseguindo o mesmo objetivo. Na hora do recrutamento, a minha preocupação era com o caráter das pessoas. Na entrevista eu buscava descobrir se eram profissionais que poderiam incorporar as ideias e estratégias da companhia ou não. As pessoas tendenciosas e aquelas sem comunicabilidade, eu rejeitava. Para mim, era mais importante o comportamento, depois eu entrava na área técnica e se o candidato preenchesse as duas condições, poderia ser admitido. As sociedades de economia mista são vinculadas a Ministérios. A Petrobras era ligada ao Ministério das Minas e Energia e a Embraer ao Ministério da Aeronáutica. Na Embraer, eu nunca recebi pressão para colocar determinadas pessoas de preferência do ministro ou de outras autoridades. Assim, só havia profissionais de confiança dos dirigentes. No entanto, quando fui presidente da Petrobras, eu recebia não só sugestões de nomes como também imposições. Na Petrobras, eu tive que aguentar diretores com os quais eu não podia conviver, por imposições do governo. Isso fez com que eu deixasse a Petrobras com apenas três anos de administração.

RI: Na sua percepção, o que aconteceu com a Petrobras para chegar hoje a essa situação de elevadas perdas financeiras e comprometimento da reputação?

Ozires Silva: O problema lá não é somente dessa imprudência de não ter gente adequada em algumas funções importantes. Lá prevalece um espírito diferente. Na Petrobras, um gestor negativista vai contratar um terceiro que vai agir de forma negativista. É um problema de mentalidade. Já a Embraer tem relacionamento com fornecedores no mundo inteiro e há mais de 40 anos não teve nenhum caso de corrupção, tem zero, simplesmente porque o que move a companhia são os bons propósitos.

RI: O que pode ser feito para reverter a situação da Petrobras?

Ozires Silva: Para reverter será um caminho difícil. A punição dos culpados não será suficiente. Há alguns dias um ônibus caiu de uma ponte e 50 pessoas morreram. O que se consegue ao se colocar a culpa no motorista? Nada. No caso de acidentes de percurso, como no caso da Petrobrás, não se deve apenas punir os culpados, mas apurar porque a corrupção tomou conta da organização e fazer as necessárias correções para que isso jamais aconteça. Não tenho visto isso acontecendo. Está todo mundo na caça aos culpados, inclusive, posso afirmar “pretensos culpados”. É preciso agir para que isso não se repita. É uma questão de mentalidade da liderança. O atual presidente da Petrobras está quieto, não sei o que ele está fazendo, mas espero que esteja trabalhando para que isso não volte a acontecer. O governo também precisa mudar a sua atitude. O povo brasileiro tem que cobrar do governo ações coerentes e descobrir quem está no Ministério das Minas e Energia com essas ideias de querer ficar administrando o tempo inteiro a Petrobras. Na Embraer, quando eu era o CEO, contava com autonomia para tomar decisões. Eu podia até discutir temas em conjunto, mas nunca houve imposições do governo. No caso da Petrobras, eu briguei com o pessoal do Ministério das Minas e Energia porque eles davam ordens, porém, eu que tinha a obrigação legal. Em determinado momento, vi que aquilo estava indo longe demais e pedi demissão.

RI: O que a privatização representou para a Embraer?

Ozires Silva: A privatização foi muito positiva à companhia. No Brasil há uma característica ruim, as leis vão ficando muito defasadas ao longo do tempo. A lei da criação das sociedades de economia mista de 1953, do governo Getúlio Vargas, foi instituída para fazer empresas vitoriosas, continha instrumentos para que pudessem crescer. Ao longo dos anos, essa lei ficou defasada e cheia de “penduricalhos”. Em 1991, constatei que a legislação estava emperrando tudo, eu estava com restrições gerenciais enormes. A lei estava dificultando o sucesso e a transposição da Embraer ao mercado internacional. O mercado de aviação brasileiro era pequeno – e continua - pela desconfiança crônica de não deixar que o setor privado atue mais livremente nesta área. Quando eu consultei a lei, tudo era proibido, então, parti para a privatização. Consegui convencer o governo e também paguei um preço enorme. Aqueles que eram contrários fizeram meu enterro e quiseram me agredir na rua em São José dos Campos. Mas em 1994, a companhia passou a ser privada. O grupo Bozano Simonsen comprou a Embraer e a companhia decolou. Durante muito tempo ao longo da história, parece que a Petrobras foi movida por bons propósitos e realmente ela cresceu e se transformou em uma grande companhia muito ajudada pelo monopólio, que no fundo foi um atraso bastante grande. Os investimentos em petróleo ficaram limitados à capacidade da Petrobras, não houve ajuda externa. No Brasil, especialmente no Rio de Janeiro, vigora a ideologia de que o ‘petróleo é nosso’. Outro dia vi um rapaz com a camiseta que tinha os dizeres: ‘Defender a Petrobras é defender o Brasil’. No entanto, defender de que? Não digo que é o caso de privatizar, mas amenizar o processo, isto é, abrir mais espaço à iniciativa privada, refiro-me às concessões de perfurações e operações. Eu gostaria de ressaltar que os países que estão vencendo no mundo - inclusive a China, considerada comunista - estão conseguindo isso graças ao capital privado. É preciso abrir espaço para quem produz riqueza no Brasil. O governo perdeu a sua capacidade de gestão, sobretudo, agora nos últimos anos. Qual é o projeto do governo que deu certo? Há obras paradas, a educação vai mal e a produção industrial e as exportações caíram. Então é preciso deixar a iniciativa privada mais livre. Há uma desconfiança histórica em relação ao setor privado. Por que Santo Dumont foi voar em Paris e não aqui? O problema é que o ambiente de negócios é ruim e não se favorece o capital privado.

RI: Qual é a importância do fortalecimento do mercado de capitais no Brasil?

Ozires Silva: O capital privado é extremamente importante. Não é possível pensarmos que o governo pode desenvolver o país, mesmo porque não existe dinheiro público, mas sim, ‘do público’. Ampliar a participação da iniciativa privada é importante para a economia crescer. O mercado de capitais deve ser alavanca do desenvolvimento.

RI: Como o senhor avalia a evolução dos fundos de capital de risco (Venture Capital e Private Equity) no Brasil?

Ozires Silva: A Selic deverá chegar logo a 13%. Na minha visão, isso é um escândalo. A taxa de juros elevada inibe o empreendedorismo, torna o preço dos produtos caros. E, uma parcela dos investidores, em vez de partirem para aplicações de risco (atividades produtivas e empreendedoras), optam pelos títulos públicos tem rentabilidade assegurada. No entanto, esses recursos de fundos de venture capital são importantes porque o governo não pode fazer tudo. Apesar das dificuldades do país têm crescido. Assim que uma empresa conclui o seu projeto seja de produtos ou serviços inovadores para preencherem no mercado, vai precisar de dinheiro. Os fundos fazem aportes. A companhia utiliza esses recursos para atingir seus resultados e, logicamente, devem dar retorno aos investidores.


Continua...