Orquestra Societária

SINFONIA CORPORATIVA: ALINHAMENTO, MITIGAÇÃO DE RISCOS & RESULTADOS

No artigo da edição 193 da Revista RI, reapresentamos a Orquestra Societária associada à ideia da uma orquestra real. Nessa nova representação, a Orquestra é um sistema eficaz de governança empresarial, que alinha ética, sustentabilidade e a arquitetura da organização, suportado por um modelo de gestão adequado, envolvendo todas as partes interessadas – os stakeholders -, o qual instrumentaliza a sinfonia corporativa.

A Sinfonia em questão, por sua vez, é o grande produto que se espera de uma Orquestra Societária, podendo ser definida pela equação:

Sinfonia corporativa = alinhamento + mitigação de riscos + resultados

A sinfonia corporativa refere-se, portanto, à ideia de organização alinhada desde os seus princípios éticos até as atividades de linha de frente, de maneira harmônica, com a minimização de riscos de desalinhamentos e a produção de resultados tangíveis e intangíveis que favoreçam sócios e demais públicos que dependem do desempenho organizacional. Ela seria o oposto da cacofonia corporativa, ou melhor, do barulho, cuja pior equação é desalinhamento + riscos intoleráveis + maus resultados.

Uma empresa com bons resultados e os demais fatores da equação inicial sofríveis produz realmente uma boa sinfonia corporativa? Nossa resposta é não. Não basta fazer algo, como esse algo é feito faz grande diferença.

Retornemos à orquestra real, que é constituída por grupos de músicos e seus instrumentos, regidos por um maestro. Sem pretender adentrar nos aspectos técnicos da produção musical – infelizmente, falta-nos qualificação especializada para isso - o que podemos dizer sobre orquestras reais, que faça sentido para transposição ao ambiente empresarial?

As reflexões que apresentamos neste artigo sobre as orquestras reais remetem ao livro “Maestro”, escrito pelo regente Roger Nierenberg, o qual se inspirou em sua própria experiência para relatar a história de um executivo que obtém melhores resultados para sua empresa, após conhecer um maestro extraordinário. A seguir, elencamos alguns pontos sintetizados a partir da leitura da obra, segundo a qual, um maestro (conductor):

 

  • responde, no nível mais alto, pela qualidade da arte produzida por músicos qualificados;
  • tem uma visão privilegiada em relação à orquestra, que lhe permite ouvir todas as partes tocando conjuntamente;
  • é mais do que um treinador, transmitindo princípios e valores e estimulando a confiança para lutar por ideais, entre outras nobres prerrogativas;
  • presta atenção aos músicos, individual, coletivamente e no que tange às suas interações entre si. Músicos precisam ouvir uns aos outros cuidadosamente, para atuarem em prol do todo;
  • estimula nos músicos a percepção do todo, em suas respectivas posições. Profissionais altamente qualificados, mesmo com elevado nível de especialização, são capazes de perceber a magnitude de grandes obras performadas e da própria orquestra;
  • presta atenção a um conjunto de fatores importantes para maior qualidade da música performada;
  • Visão

    -

    É preciso criar uma percepção do futuro a ser construído.

    Fluxo

    -

    É preciso permitir que a execução flua, sem interferências desnecessárias.

    Observação

    -

    É preciso observar (ouvir) o que e como está sendo tocado.

    Controle

    -

    É preciso discernir o que deve do que não deve ser controlado.

  • Por fim, exerce sua liderança de maneira suavemente firme, criando uma visão, ajustando a execução musical para que essa opere em prol dessa visão e extraindo o melhor que seus liderados têm a oferecer, o que ocorrerá quando esses estiverem profundamente comprometidos.

Retornando à definição inicial da Orquestra Societária, perguntamos: quem exerce mais visivelmente o papel de maestro? A resposta é: a Alta Administração, abrangendo, nas grandes empresas, tanto os conselhos de administração quanto as diretorias executivas. Fazendo um paralelo preliminar entre a orquestra real e a Orquestra Societária, podemos afirmar que a Alta Administração:

  • responde, no nível mais alto, pela governança corporativa, pela gestão das operações e pelos resultados alcançados para múltiplos interessados, entre sócios e demais stakeholders;
  • tem uma visão privilegiada na corporação e a melhor condição para observar todas as partes operando conjuntamente;
  • é mais do que meramente administrativa, transmitindo princípios, valores e confiança no futuro.
  • deve prestar atenção às pessoas, que precisam ouvir umas às outras cuidadosamente, para atuarem em prol do todo;
  • Precisa exercer liderança, operando a máquina corporativa de maneira eficaz e extraindo o melhor que os seus liderados têm a oferecer.

O trabalho da Alta Administração de uma empresa tem, portanto, fortes - na realidade, fortíssimas! - similaridades com o trabalho do maestro de uma orquestra real. Entretanto, existem algumas diferenças importantes entre ambas as orquestras, quais sejam:

  • Na Orquestra Societária, a audiência, constituída pelos sócios e demais públicos relevantes (stakeholders), tem interesses mais viscerais e intensos em relação à empresa do que a audiência de uma orquestra real. Os sócios, em especial, conforme sua visão de mundo e ética, podem afetar de maneira definitiva a forma de uma empresa ser governada e operar. Se os sócios de uma empresa não pautarem suas orientações aos administradores por princípios éticos (sempre e sempre o primeiro item da lista), busca de sustentabilidade e preocupação com boas práticas de governança, podemos afirmar sem medo de errar, citando o astronauta do filme Apolo 11, estrelado pelo carismático ator Tom Hanks: Houston, temos um problema. Na verdade, um grande problema de partida.Dessa forma, permanece válido o que temos afirmado, em mais de um artigo: a ordem dos fatores altera o produto, desafiando o axioma matemático clássico na governança empresarial.
  • Na Orquestra Societária, à medida em que as empresas crescem, tornando-se corporações, cria-se a necessidade de novos maestros – os gestores – que precisam reger bandas internas e, conforme o porte da organização, até mesmo orquestras internas. Mais, a distribuição de maestros por toda a organização pode ser ainda maior e mais complexa do que se supõe à primeira vista. Na prática, pode-se ter o maestro-mor – Conselho de Administração - regendo um conjunto de maestros diretivos – Diretoria Executiva -, que coordenam executivos sob sua responsabilidade, os quais por sua vez, regem, ou melhor, coordenam gerentes de um grande número de atividades.

E por falar em maestros que regem várias bandas, essa situação também pode ocorrer com artistas da vida real. Neste artigo, não poderíamos deixar de fazer uma breve digressão para citar o aniversário de 100 anos da cidade de Belo Horizonte, em 1997, quando o saudoso maestro mineiro Sebastião Vianna, ex-diretor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), regeu mais de 100 bandas na famosa Praça da Liberdade, em um espetáculo memorável, para não dizer inesquecível.

  • A Alta Administração, constituída, conforme dito, por conselhos de administração e diretorias executivas, não pode distribuir poderes de maneira desequilibrada em nenhum ponto da cadeia empresarial, incluindo suas instâncias individualmente consideradas. Conforme lembra nosso leitor, professor Lélio Lauretti, o acúmulo de poderes não tem se mostrado boa prática de governança.
  • Gestores intermediários se tornam, a um só tempo, liderados e líderes. Precisam ser inspirados e inspirar. Melhor dizendo: precisam ser inspirados para conseguirem inspirar as pessoas que com eles trabalham – os músicos sob sua responsabilidade.
  • Na Orquestra Societária, não se deve perder de vista que as entidades a serem regidas por toda empresa são pessoas, conforme representado na figura de abertura, desta seção, as quais, em grande maioria, trabalham na quase totalidade do seu tempo distantes, fisicamente, da Alta Administração, diferentemente de uma orquestra real, em que o maestro é visto pelos músicos e a batuta é um instrumento importante de comunicação.

Abrimos aqui um parêntesis para lembrar que o notável maestro japonês Seiji Ozawa chegou a reger grandes obras sem a batuta, usando apenas suas mãos e gestos, talvez mesmo a postura do seu corpo, para se fazer entender. E foi muito bem compreendido pelos músicos. Isso significa que a batuta pode ser dispensada? Não, até por que o maestro Ozawa também a usou em seu trabalho e os demais maestros consideram imprescindível utilizá-la.

Entretanto, a razão de existir da batuta parece ser infinitamente mais importante do que ela própria, um artefato físico caracterizado por grande simplicidade: o da comunicação com os músicos. No contexto corporativo, a comunicação sob várias formas se torna a efetiva batuta (ou serão várias batutas?) por meio da qual (ou das quais?) os múltiplos maestros se farão entender, coordenados pela Administração e influenciados pelos sócios e demais stakeholders.

Dadas essas similaridades e diferenças preliminares, indagamos: existem outros elementos da orquestra real que possam interessar à Orquestra Societária?

Consideremos uma vez mais os sete tópicos identificados inicialmente com base no livro “Maestro”, do regente Roger Nierenberg e façamos uma reflexão orientada pelas seguintes perguntas sobre os maestros empresariais, do topo até a última linha de comando organizacional:

  • Eles poderiam estimular em seus liderados a percepção do todo, em suas respectivas posições? Os profissionais sob sua coordenação, por meio de uma comunicação adequada, seriam capazes de ampliar sua percepção quanto à magnitude do trabalho que fazem e sua importância para a sociedade e a própria organização?
  • Eles seriam capazes de prestar atenção a um conjunto de fatores importantes para maior qualidade dos resultados perseguidos, tais como:
  • Visão

    -

    Criar uma percepção do futuro a ser construído?

    Fluxo

    -

    Permitir que o trabalho flua, sem interferências desnecessárias?

    Observação

    -

    Observar não apenas o que mas também como as coisas estão sendo feitas?

    Controle

    -

    Discernir o que deve do que não deve ser controlado?

  • Por fim, esses múltiplos maestros poderiam procurar exercer sua liderança de maneira suavemente firme, assim como os maestros diferenciados das orquestras reais, criando uma visão para os seus liderados, ajustando o modus operandi quando preciso em prol da visão e extraindo o melhor que as pessoas têm a oferecer?

Se a resposta a essas perguntas for positiva, como cremos que seja, nesse caso, temos que evoluir na direção de um modelo de gestão apropriado, correspondente à chave de ignição do motor que permitirá aos maestros organizacionais conduzirem a organização do presente ao futuro, por meio de duas ferramentas básicas que o integram: Planejamento e Controle e Liderança, disseminados por toda a organização, sem concentração indevida de poder.

Se a primeira ferramenta supracitada é básica à Orquestra Societária, permitindo-lhe produzir uma sinfonia corporativa de maneira estruturada e observando as cinco dimensões do projeto de uma organização, a segunda ferramenta pode ser aquela que faz a diferença e converte uma música mediana ou apenas razoável em uma obra de grande valor. O modelo de gestão será, portanto, o foco do nosso próximo artigo nesta Revista RI e, até lá, continuamos contando com a confiança dos nossos leitores.



Cida Hess
é gerente executiva da PwC, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia.
cida.hess@br.pwc.com

Mônica Brandão
tem atuado como profissional de finanças e estratégia, conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


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