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A expressão “Follow the Money” - Siga o Dinheiro - ganhou destaque em função das reportagens investigativas conduzidas na década de 70 pelos jornalistas americanos Bob Woodward e Carl Bernstein do jornal Washington Post. O trabalho dos dois repórteres acabou levando à renúncia do presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974. As apurações começaram com a informação sobre uma tentativa de assalto à sede do comitê do Partido Democrata, em Washington, em um conjunto de edifícios chamado Watergate.
As matérias, que investigaram o “Caso Watergate”, mostraram que, na verdade, um grupo havia invadido o local e instalado aparelhos de escuta para espionar os democratas. E o próprio presidente Nixon, que era do Partido Republicano, tinha conhecimento da espionagem. A principal fonte dos jornalistas foi uma pessoa com a identidade mentida em sigilo, apelidada por Woodward de “Deep Throat” (garganta profunda). A dica dada aos repórteres foi: “Siga o dinheiro (Follow the Money) e vocês chegarão ao chefe do crime”. Essa fonte foi mantida sob segredo até meados de 2005, até que a própria decidiu fazer a revelação, era o então vice-presidente do FBI (Federal Bureau of Investigation), William Mark Felt.
Sim, “Follow the Money” é uma pista válida nas investigações de diversos atos ilícitos. Em um esquema de corrupção, o dinheiro deixa rastros que, muitas vezes, levam até os poderosos. Porém, esse caminho é tortuoso, cheio de obstáculos e esconderijos quando se trata de crime organizado e corrupção. Os corruptos e corruptores buscam fazer os acertos entre quatro paredes, sem deixar testemunhas, revestindo esses atos com aparência de legalidade.
“Na prática, é difícil seguir o dinheiro porque existem técnicas para eliminar rastros. São acordos na surdina, não identificados nem por auditorias realizadas nas empresas”, enfatiza Deltan Dallagnol, procurador da República, coordenador da Força Tarefa da Operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção na Petrobras. Ele participou do 18º Encontro Nacional de Relações com Investidores e Mercado de Capitais, realizado pelo IBRI (Instituto Brasileiro de Relações com Investidores) e ABRASCA (Associação Brasileira das Companhias Abertas), no final de junho último, em São Paulo. Na ocasião, o procurador concedeu entrevista aos repórteres da Revista RI.
Segundo Dallagnol, a complexidade das investigações é grande. Mesmo eventual dinheiro que se encontre em contas de suspeitos no exterior, não é o suficiente para formalizar acusação de corrupção. É preciso se comprove exatamente as razões de recebimento de tais recursos. Logo que Paulo Roberto Costa, ex-diretor de Abastecimento da Petrobras, foi preso e já existiam muitos indicativos de corrupção, os integrantes da Lava-Jato fizeram reuniões com advogados da companhia e com os times de auditoria interna e externa. Naquela ocasião, nenhum “furo” foi localizado nos contratos. O Tribunal de Contas da União (TCU) havia apontado indícios de superfaturamento, mas para cada caso, existiam argumentos demonstrando a possibilidade de não haver “irregularidades”.
“Na verdade, não se consegue rastrear o dinheiro, na maior parte dos casos, usando-se técnicas tradicionais de investigação. São necessárias informações de dentro do esquema, dos colaboradores”, explica Dallagnol. Somente a partir da colaboração de Paulo Roberto Costa e de outros envolvidos, muita coisa foi desvendada.
Para incentivar os criminosos a colaborarem com a Justiça, várias leis trouxeram a possibilidade de se concederem benefícios àqueles acusados que cooperam com as investigações. Os mecanismos de colaboração premiada são importantíssimos no combate à corrupção, destaca o procurador. Esses benefícios podem ser a redução da pena, alteração do regime de cumprimento da pena ou mesmo, em casos excepcionais, a isenção da pena.
O caso Lava-Jato está em Curitiba, no Paraná, porque a 13ª. Vara Federal e Criminal é especializada em crimes financeiros e de lavagem de ativos. Os primeiros fatos investigados envolviam lavagem de dinheiro praticada por doleiros, entre eles, Alberto Youssef e aconteceram em Londrina (PR).
A Operação Lava Jato quebrou o recorde de devolução de recursos desviados ao país, recuperando mais de R$ 3 bilhões. Antes dessa operação, tudo o que havia sido retornado aos cofres públicos, em todos os casos de corrupção, somava menos de R$ 45 milhões. No âmbito da Lava Jato, o montante já repatriado supera R$ 500 milhões.
Em relação à cooperação internacional, alguns países que têm ajudado mais nas investigações e na recuperação do dinheiro desviado e, outros, menos. “Um fator positivo foi o envolvimento da Suíça. Trata-se da maior cooperação internacional que se tem conhecimento em um caso criminal na história”, afirma o procurador. A Suíça alocou diversos times de investigadores no caso e já repatriou pelo menos 15% do total de contas investigadas com alto grau de prova dos crimes.
Com apurações iniciadas em 2009, a Lava Jato tem demonstrado que as aparências enganam. Grandes companhias - a Petrobras e empreiteiras, dirigentes empresariais e políticos, se organizaram em cartel. Uma combinação para fraudar licitações e ratear os ganhos. O esquema teve a terceirização de agentes de lavagem de capitais, envolvendo principalmente doleiros.
“A complexidade é grande. Chegamos a fazer até fluxogramas para explicar as operações”, afirma Roberson Henrique Pozzobon, procurador da República que integra a Operação Lava-Jato, que esteve em junho na 6ª. Conferência Brasileira de Contabilidade e Auditoria Independente, organizada pelo Instituto Brasileiro dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon). Ele participou de um debate sobre a investigação de fraudes e atos ilegais, diante de uma plateia de 800 pessoas, a maioria auditores e profissionais da área de contabilidade.
Pozzobon destaca que os mecanismos usados pelos corruptos para lavagem de dinheiro foram remessas para empresas offshore, contratos com empresas de fachada, laranjas, doações eleitorais escamoteadas, além de superfaturamento. Foram identificados até contratos de câmbio de importação sem que houvesse a entrada de bens no país.
Entre os contratos simulados para repasses de propina descobertos pela Lava-Jato, estão os firmados com Power to Ten Engenharia. A Soterra, de “terraplanagem”, era outra empresa de fachada usada por empreiteiras. “A Power to Ten tinha como sede um casebre e a Soterra ficava em um terreno baldio. Por meio delas, foram drenados milhões de reais”, ressaltou indignado Pozzobon. Isso demonstra que os controles eram muito frágeis. “Até pelo Google Street View, seria possível conferir as “sedes” das empresas, locais inapropriados para operações de milhões de reais.”
Na avaliação dele, diversas operações da Polícia Federal e do Ministério Público têm revertido o cenário de impunidade do país, principalmente em relação aos crimes de colarinho branco. “Em apenas dois anos, as prisões por prática de corrupção aumentaram 480%”, afirma. Apesar dessa alta, em números absolutos ainda é pouco diante do universo de corrupção sistêmica no país, pondera.
A lei anticorrupção representa uma mudança de paradigma, conforme o procurador. As empresas são penalizadas, não somente as pessoas envolvidas em atos de corrupção. Contudo, ele destaca que as companhias precisam tomar cuidado para não terem programas de Compliance e Códigos de Ética por mera formalidade. Os controles de riscos devem ser fortalecidos. Quanto ao trabalho das auditorias, Pozzobon defende que os profissionais precisam apurar mais a fundo, redobrar a atenção em relação às fragilidades nos contratos e nos dados financeiros. Quando necessário, solicitar mais informações ou providências internas.
Atuação do Coaf
O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão vinculado ao Ministério da Fazenda, tem contribuído com as investigações da Lava-Jato. Sobretudo, a partir das denúncias de Paulo Roberto Costa a interação aumentou e foram solicitadas muitas informações sobre transações suspeitas ao órgão.
Segundo Antonio Carlos Ferreira de Sousa, diretor de Análise e Fiscalização do Coaf, que participou do encontro promovido pelo Ibracon em junho último, foram encaminhados 600 relatórios de inteligência financeira (Rifs) à operação Lava-Jato.
O Coaf foi instituído no país em 1998, na lei que tipifica os crimes de Lavagem de Dinheiro. É um órgão de inteligência financeira que recebe comunicações de operações suspeitas de diversos setores obrigados, que não contam com órgãos reguladores específicos, como factorings, casas de câmbio, concessionárias de automóveis, revendedoras de aeronaves e embarcações, lojas de jóias, obras de arte e antiguidades. O órgão conta com mecanismos de cooperação internacional para recebimento de sinais de alerta. Após apurações preliminares, o Coaf difunde os casos suspeitos ao Ministério Público e à Polícia Federal para investigações. Em 18 anos de atuação, 181 investigações foram instauradas e 129 casos julgados, punidos com multas de até R$ 5,7 milhões, disse Sousa.
Evolução histórica
No mundo, o marco histórico que mudou a perspectiva do combate ao crime organizado e a lavagem de dinheiro foi a Convenção das Nações Unidas Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, conhecida como Convenção de Viena, realizada em dezembro de 1988, na Áustria. O documento impôs aos países o dever jurídico de incriminar a lavagem de dinheiro. Dentre as orientações, não apenas as punições aos infratores, como também, ênfase na recuperação dos ativos. A premissa da Convenção é que sem dinheiro, fica mais difícil o crime organizado sobreviver. Depois, em 1989, foi criado pelos países do G-7, o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (Gafi) com objetivo é aumentar a transparência e induzir países a adotarem medidas severas contra o uso ilícito do sistema econômico.
Em relação ao combate à corrupção, em 2003, foi assinada outra Convenção da ONU, na cidade de Mérida, no México. Por isso, é conhecida como Convenção de Mérida. Em função desse tratado, o dia 9 de dezembro é considerado o Dia Internacional de Luta contra a Corrupção em todo o mundo. O instrumento trata da criminalização da corrupção, incluindo, a cooperação internacional para combate aos atos ilícitos e recuperação de ativos.
O Brasil assinou essas convenções internacionais e assumiu compromissos de combater os crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Internamente, foram diversos os avanços regulatórios, como a lei 9.613/98 que dispõe dos crimes de lavagem de dinheiro e a, lei 12.846/2013, conhecida como Lei Anticorrupção. “Em um terceiro momento, é fundamental que o país avance em investimentos nas instituições para que possam se capacitar e exercer suas funções com autonomia”, enfatiza Carlos Eduardo Pellegrini, delegado da Polícia Federal e mestre em Direito Internacional pela Universidade de Granada, na Espanha. Ele participou do encontro do Ibracon em junho e depois concedeu uma entrevista exclusiva à RI (Os comentários de Eduardo Pellegrini não refletem o posicionamento institucional da Polícia Federal).
Por exemplo, a Polícia Federal (PF), hoje vinculada ao Ministério da Justiça, tem o seu orçamento ditado pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. O problema é que não possui autonomia financeira e sofre contingenciamentos. “Investir na PF é investir em receita porque, na maioria das vezes, as investigações visam reaver dinheiro desviado”, diz. Também é importante a autonomia para nomeação de diretores e superintendentes com base critérios de avaliação técnica e em normas republicanas, não com base em acordos políticos, acrescenta o delegado.
Ao ser signatário da Convenção de Mérida, o Brasil aderiu à uma série de mecanismos de cooperação internacional. Há também diversos acordos bilaterais assinados. A Polícia Federal troca informações com polícias de diversos países. “Em função desses acordos, não é necessária carta rogatória do Supremo Tribunal Federal (STF) para mandar equipes de investigação a uma série de países”, explica Pellegrini.
Mais descobertas
Em agosto, o Ministério Público Federal encaminhou à 7ª Vara Federal Criminal denúncias contra 11 investigados por crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica na Operação Irmandade, um dos braços da Lava Jato no Rio de Janeiro.
Samir Assad é acusado por 223 crimes de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica (Lei 9.613/98, art. 1º, §4º, e C.P., art. 299) além de organização criminosa (Lei 12.850/2013, art. 2º, § 4º, II), por liderar, ao lado do seu irmão Adir Assad, empresário já condenado pela Lava Jato, o núcleo financeiro operacional responsável por empresas de fachada que intermediavam o repasse de vantagens indevidas e geravam “caixa 2” para pagamentos de propina em espécie pela construtora Andrade Gutierrez a diretores da Eletronuclear na construção da Usina de Angra III, de acordo com o que foi descoberto nas operações investigativas chamadas Radioatividade e Prypiat.
“Integravam esse núcleo em posição de destaque Marcello Abbud e Mauro Abbud. Esses quatro acusados utilizaram durante anos uma cadeia de empresas de fachada especializada em fornecer recibos falsos e notas fiscais frias para grandes construtoras, sendo que na Operação Irmandade foram usadas pela Andrade Gutierrez as empresas Legend Engenheiros Associados, SP Terraplenagem, JSM Engenharia e Terraplenagem e Alpha Taxi Aéreo Ltda. Juntas, elas abasteceram o “caixa 2” da construtora em mais de R$ 176 milhões, também usados para pagar propinas nas obras de estádios para a Copa do Mundo de 2014, do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) e da Ferrovia Norte-Sul”, apontou a Procuradoria da República no Rio.
10 medidas contra a Corrupção
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à sociedade “Dez medidas para aprimorar a prevenção e o combate à corrupção e à impunidade”. Há ênfase também na melhoria de processos de rastreamento e devolução do dinheiro desviado. Após coletar expressivo número de assinaturas dos cidadãos brasileiros, o pacote de alterações legislativas foi encaminhado ao Congresso.
As propostas de alterações legislativas buscam: