Gestão de Crise

EXISTEM EMPRESAS BEM SUCEDIDAS NESTE BRASIL EM CRISE?

O que faz empresas triunfarem em cenários tidos como adversos? Estas são algumas das mais frequentes perguntas que, já por mais de dois anos, nos tem sido reiteradamente feitas. E são indagações de brasileiros e estrangeiros. Provenientes de investidores, fornecedores, clientes e credores.

Alguns questionamentos, forçoso reconhecer, fundamentados em experiências recentes e, especialmente, frustrantes. Não surpreende, portanto, que muitos se revestem de viva e, por vezes, insultante indignação.

Mas, o fato é que a resposta pode ser enfaticamente afirmativa. Neste período recente de sucessivos desapontamentos e significativos prejuízos houve empresas que se destacaram e alcançaram resultados louváveis, cabendo, assim, prospectar o que as conduziu a tal sucesso, quais as características que lustraram seu desempenho, que embasaram sua administração e legitimaram o exercício de saudável governança.

Emergem como fatores principais a identificação de valores que são reconhecidos e compartilhados por todos aqueles interessados ou dependentes do sucesso da empresa e a adesão a tais valores, evidenciada de forma constante em sua atuação no mercado. Princípios a reger comportamentos resultam em confiança na sustentabilidade de fórmulas operacionais, na resiliência diante de adversidades e na contumácia de resultados compensadores.

Ou seja, não há como evitar desafios nem como abdicar de enfrentar percalços. A empresa atua em ambiente marcantemente dinâmico, de crescente velocidade de transformação, com frequência em direções que contradizem a evolução estimada de fatos e comportamentos. Competência, experiência e flexibilidade são considerados os instrumentos adequados para lidar com tal volatilidade, em qualquer parte do mundo.

Neste Brasil recente, entretanto, tais ocorrências de mudança não se limitaram ao desenvolvimento de tecnologia, métodos e processos bem como produtos e serviços daí resultantes. Não se restringiram à novas sistemáticas de distribuição nem, tampouco, às alterações na renda disponível e nos critérios de seleção, hierarquização e decisão de consumidores e respectivos influenciadores. Nem mesmo a alteração com que historicamente convivemos de legislação, normas e regulamentos ou o reconhecimento da lentidão da Justiça constituíram óbices inéditos.

Agravaram a nossa realidade contemporânea a decepção, o descrédito e o desânimo. Estes sim, talvez até o presente, atores comportamentais inéditos na sequência de crises brasileiras.

Contudo, houve vencedores que, sobretudo, mantiveram-se fiéis a valores e princípios e com eles revestiram suas decisões e desempenho.

Um estudo elaborado pela SABE Consultores mostra que 2015 foi um dos piores anos para 308 companhias listadas na Bovespa. Mesmo tendo registrado aumento de 13% nas receitas em 2015 em relação a 2014, o resultado líquido do conjunto das 308 empresas ficou negativo em R$ 66 bilhões, anulando, praticamente, todo o lucro obtido em 2014. Com relação aos bancos a situação é totalmente diferente: receitas e lucros do conjunto dos 25 bancos cresceram, praticamente, na mesma proporção, em torno de 30% de 2014 para 2015.

Este cenário de perdas das empresas e ganhos dos bancos não é, propriamente, novidade no Brasil, embora surpreenda o elevado tamanho das perdas. A consequência é ruim para ambos os segmentos, as empresas precisam renegociar suas dívidas num momento de juros elevados e créditos escassos, ao mesmo tempo em que os bancos reduzem seus empréstimos e passam a se concentrar, defensivamente, em controle de inadimplência e renegociação de contratos. Resulta uma economia claudicante e o país sofre com queda na renda, quebradeira de milhares de empresas e mais de 11 milhões de desempregados.    

Com o devido reconhecimento e, porque não dizer, genuína admiração, aqui estão alguns indicadores de desempenho das quatro empresas vencedoras do IR Brazil Awards 2016, que se destacaram na categoria: “Melhor desempenho em ano de crise” e classificadas de acordo com o valor de capitalização. São elas: Ambev, CVC Brasil, Kroton e Banco ABC Brasil. As planilhas a seguir apresentam indicadores de desempenho econômico-financeiro destas companhias:

Indicadores | Empresas Vencedoras do IR Brazil Awards 2016

Fonte: SABE

Utilizamos as seguintes métricas para observar o desempenho dessas companhias indicadas na coluna “Δ” da planilha: 

    • a taxa CAGR (compound annual growth rate) de 2011 a 2015 para os indicadores expressos em valores (R$MM) e

    • a média dos últimos 5 anos para os índices expressos em múltiplos (x) ou em percentuais (%)

    Constatando-se os destaques abaixo:

    • AMBEV: crescimentos de mais de 14% ao ano em ativos e patrimônio, entre 8% e 11% ao ano nas receitas e resultados, quase 30% na média do ROE (retorno do acionista) e menos de 1/1 na média da relação dívida líquida/EBITDA, cujo padrão de limite máximo é de 3/1 segundo os especialistas;

    • CVC Brasil: crescimentos de mais de 30% do patrimônio, entre 8% e quase 10% nas receitas e resultados, mais de 33% na média do ROE e mais de 5/1 na média da relação dívida líquida/EBITDA;

    • KROTON: crescimentos entre 41% e 53% ao ano em ativos e patrimônio, entre 87% na geração de caixa e 106% no resultado líquido, 10% na média do ROE e mais de 5/1 na média da relação dívida líquida/EBITDA;

    • BANCO ABC BRASIL: crescimentos de 18% ao ano em ativos, 25% ao ano nas receitas de intermediação financeira, da ordem de 18,5% ao ano nos depósitos e créditos totais, 9,5% ao ano no resultado líquido e mais de 14% na média do retorno do acionista.

Em síntese, sendo evidente que aquilo que os números traduzem é irrefutável, as quatro empresas Vencedoras do IR Magazine Brazil Awards 2016 mereceram a premiação concedida, pois apresentaram um desempenho extraordinário, num momento em que:

  • a economia brasileira encolheu 3,8% em 2015 na comparação com 2014, considerada a maior queda desde o inicio da pesquisa em 1996; se considerarmos os dados anteriores do PIB, que começaram em 1948 esse foi o pior resultado em 25 anos, desde 1990 (-4,3%);
  • pela 7ª vez o Brasil teve PIB negativo desde 1948: 1981 (-4,3%); 1983 (-2,9%); 1988 (-0,1%); 1990 (-4,3%); 1992 (-0,5%); 2009 (-0,1%); 2015 (-3,8%);
  • o PIB de 2015 ficou em R$5,9 trilhões e o PIB per capita ficou em R$ 28.876 (queda de 4,6% em relação ano anterior);
  • todos os setores encolheram e somente a Agropecuária cresceu (+1,8%);
  • o mercado de capitais refletiu o péssimo desempenho da atividade econômica: o Ibovespa, principal indicador da bolsa, fechou o ano aos 43.350 pontos, queda de 13,31%, caracterizando a 3ª desvalorização anual seguida.

Infelizmente, ainda perduram sequelas e os problemas vivenciados pelas empresas brasileiras, inclusive, o recurso à recuperação judicial, também por parte de grandes empresas, já afeta balanços de bancos e recrudesce o recurso à posturas defensivas. O aumento de reservas conduz à leitura de menos recursos disponíveis para financiamentos. O segmento bancário, de notória competência histórica no Brasil, sabe implementar medidas de proteção, mas, também, sabe que proteger não significa imunizar.

Cabe deixar uma recomendação aos Analistas de Investimento para que, em seus encontros e entrevistas com empresas e seus DRIs, indaguem como identificam, estabelecem e aplicam seus valores e princípios, como se asseguram da sintonia com as partes interessadas e, como decorrência, qual o exercício regularmente implementado de definir e analisar Riscos, perceber o potencial ou quando se tornam Ameaças e quais as Oportunidades que consideram capazes de buscar, com as Carências que reconhecem possuir.

 

RUY FLAKS SCHNEIDER
é sócio-diretor da Schneider & Cia. e Conselheiro de Administração certificado pelo IBGC.
ruyschneider@schneidercia.com.br

LUIZ GUILHERME DIAS
é sócio-diretor da SABE Consultores e Conselheiro de Administração certificado pelo IBGC.

lg.dias@sabe.com.br

 


Continua...