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SUSTENTABILIDADE E O VALOR DAS EMPRESAS

Tenho uma sobrinha de dez anos, Manuela. Outro dia conversávamos sobre fontes renováveis de energia e ela me perguntou se meu carro era flex... estava aprendendo sobre biocombustíveis nas aulas de núcleo ambiental do colégio. Manu é uma criança que cresce em face dos desafios sociais e ambientais que enfrentamos, cujo comportamento simboliza a mudança dos padrões de consumo da sociedade. Qual o impacto dessas mudanças sobre as empresas e seus resultados no curto, médio e longo prazo?

Li duas notícias nos últimos anos sobre a mudança no padrão de consumo dos jovens em mercados desenvolvidos. No Japão, a indústria automotiva começa a ter dificuldade de manter os patamares de vendas numa sociedade em que o carro particular deixa de ser um objeto de desejo, fruto dos problemas da mobilidade urbana, poluição, alto custo de manutenção e seguro. Na Europa e EUA, a busca por experiências como viagens, cultura e alimentação, ao invés dos bens de consumo, atinge em cheio as lojas de departamento, que apresentaram quedas nas vendas depois de décadas de crescimento contínuo. Cadeias de varejo como a Macy's, nos Estados Unidos, anunciaram este ano o fechamento de dezenas de lojas e o encerramento de milhares de vagas de emprego no país.

No assento dos agentes de governança corporativa, o desafio é traçar estratégias em um cenário de incertezas crescentes. As questões socioambientais passam a incorporar variáveis chave para o sucesso e a perenidade das corporações, ainda que não sejam plenamente compreendidas por seus executivos e administradores. Seus impactos, em alguns casos, podem estar ligados inclusive aos resultados no curto prazo, como é o caso da escassez de recursos hídricos que observamos recentemente na região sudeste e seus potenciais impactos sobre custos operacionais, produtividade e a própria licença de operação em casos de necessidade de racionamento, por exemplo.

A gestão de riscos e a geração de oportunidade de negócios está intrinsecamente ligada à observância de temas como as mudanças climáticas e suas consequências sobre os diferentes setores da economia, as alterações nos padrões demográficos, excesso de poluição, perda da biodiversidade e tantos outros que surgem nos debates da sociedade civil, da academia, do ambiente corporativo e do poder público. Ao longo dos últimos anos temos observado que os Conselhos de Administração e executivos têm se atentado cada vez mais a essas questões. Uma pesquisa realizada pela McKinsey aponta que uma parcela cada vez maior das lideranças das corporações coloca a sustentabilidade entre suas prioridades estratégicas, por razões que vão desde o alinhamento aos objetivos e missão da companhia ao aprimoramento da eficiência operacional, passando pelos impactos reputacionais, fidelização de clientes, aumento da transparência a mercados, entre outros.

Aos investidores cabe a difícil tarefa de revisitar suas premissas e modelos de valoração de ativos. A análise fundamentalista requer um olhar detalhado sobre o tema, uma análise crítica sobre os guidances das empresas a partir das mudanças que se observam nas questões ambientais, sociais e de governança corporativa, ou questões ESG (do inglês environmental, social and governance). Enquanto este último já é plenamente compreendido pelo mercado como uma questão crucial para a boa gestão das companhias, os dois primeiros, embora já tenham avançado significativamente na agenda de investimentos mainstream, carecem de um aprofundamento ainda maior para que sejam plenamente incorporados ao processo de análise de ativos e formação de carteiras.

O sistema financeiro se organiza para que investidores e demais atores da indústria tenham conhecimento e ferramentas para incorporar esta questão ao seu processo decisório. Especialmente desde o lançamento dos Princípios para o Investimento Responsável, PRI, em 200, o avanço na valoração e integração das questões ESG na análise fundamentalista é notável. O debate, embora tenha se iniciado a partir de uma iniciativa voluntária, tem cada vez mais atenção de reguladores e legisladores, que ligam o tema ao dever fiduciário de gestores de ativos. O Banco Central, por exemplo, desde 2009 demanda dos fundos de pensão que informem em suas políticas de investimento a observância ou não de princípios socioambientais, e mais recentemente lançou a Resolução 4.327/2014, que requer das instituições financeiras a elaboração e implementação de uma Política de Responsabilidade Socioambiental e de um Sistema de Gerenciamento de Risco Socioambiental. Como instrumentos de autorregulação, a FEBRABAN lançou, também em 2014, a SARB 14, para apoiar os bancos a integrar as questões socioambientais ao seu processo de tomada de decisão financeira. Em 2016, foi a vez da AMEC lançar aos gestores de ativos o Código de Stewardship, que inclui entre seus princípios a observância das questões ambientais, sociais e de governança corporativa.

Com o aprofundamento do debate das questões ESG por investidores e instituições financeiras, aumenta a necessidade de reporte destas informações por empresas, especialmente as companhias de capital aberto. Neste sentido, a iniciativa da BM&FBOVESPA, o Relate ou Explique, merece destaque pelo engajamento junto às empresas listadas e desenvolvimento de uma plataforma de disclosure de informações ESG, disponível a investidores brasileiros e internacionais. O sucesso da iniciativa, reconhecido mundialmente, também foi reconhecido pela CVM, que incluiu na Instrução 552 a exigência de que as empresas incluam nos Formulários de Referência informações sobre o reporte de informações socioambientais, os padrões e a asseguração das informações reportadas.

O aumento da transparência das empresas em relação às suas práticas ESG e impactos destas iniciativas sobre seus resultados, bem como a integração destas variáveis sobre os modelos de análise fundamentalista, terá um impacto sobre as premissas e sobre a forma como precificamos as diferentes classes de ativos financeiros. Nos modelos de fluxos de caixa descontados, por exemplo, o cálculo da perpetuidade pode ser afetado por questões sociais ou ambientais e seus impactos sobre o crescimento de longo prazo de uma companhia. Em um ambiente de mudanças e incertezas, como projetar cenários que dependem de variáveis que ainda não estão plenamente incorporadas aos modelos econômico-financeiros?

O debate sobre as questões ESG avança a passos largos, e cada vez mais agentes do ambiente corporativo, financeiro, da sociedade civil e do poder público trabalham em colaboração para desenvolver soluções e ferramentas para aprimorar a mensuração e valoração dos temas ESG e seus impactos sobre as empresas. O valor da sustentabilidade é cada vez mais percebido por consumidores, colaboradores, reguladores e pela sociedade de forma geral. O que antes poderia ser considerado um tema paralelo às agendas de negócio torna-se cada vez mais imprescindível à perenidade das empresas e, portanto, aos cenários e premissas que devem ser considerados por analistas e gestores de ativos em seus modelos e projeções.

É importante que os agentes se antecipem e se posicionem na liderança dessas questões, para que consigam absorver o valor da sustentabilidade antes que sejam pressionados pela regulação ou – ainda pior – que acabem por adquirir passivos socioambientais pela não-conformidade com algum requisito legal, materialização de um risco operacional ou reputacional. A barra já está subindo, e será ainda mais desafiador quando forem as "Manuelas" a chegar ao mercado de trabalho e tomar decisões de consumo. Melhor estarmos preparados!

Maria Eugênia Buosi
é economista, mestre em finanças, sócia-fundadora da Resultante Consultoria Estratégica, co-autora do Livro Top CVM Apimec Análise de Investimentos e professora das disciplinas de Finanças Sustentáveis do Instituto Educacional BM&FBOVESPA.
eugenia.buosi@resultante.com.br


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