Orquestra Societária

DIVERSIDADE DE GÊNERO NAS EMPRESAS

No mês de março, que comemora o Dia Internacional da Mulher, é oportuno refletir sobre a participação feminina na alta cúpula de grandes empresas, especialmente à luz dos conceitos de boas práticas de gestão, governança, ética e sustentabilidade aprofundados pela Orquestra Societária há três anos nesta coluna da Revista RI.

A figura representa a Orquestra e reproduz, em sua parte inferior, pergunta endereçada ao presidente da KPMG, Pedro Melo, em entrevista publicada na última edição da Revista RI (no. 209), e sua respectiva resposta. Este é o ponto de partida do presente artigo. O que mais chama nossa atenção na citada resposta, em relação à diversidade de gêneros de acordo com Pedro Melo?

Dois pontos específicos saltam mais fortemente à vista: os aspectos culturais, associados a regras não escritas e a assimetria de percepções que também impacta a atuação feminina em organizações empresariais, associada aos seres humanos. Conforme veremos adiante, especialmente a cultura e as citadas regras são de grande importância para a compreensão de aspectos relevantes do sistema socioeconômico.

A Orquestra Societária, suas equações fundamentais e a diversidade de gêneros

ENTREVISTA COM PEDRO MELO, PRESIDENTE DA KPMG
RI: Focando a diversidade de gêneros, que é tratada no Índice de Sustentabilidade Empresarial da BM&FBovespa (ISE), quais são as ações concretas da KPMG no tratamento desse tema?


Pedro Melo: Quando o debate sobre a diversidade iniciou, reconhecemos a necessidade de ampliar o conhecimento sobre o tema e também procuramos fazer o exercício de nos colocar no lugar de outras pessoas. Chegamos à conclusão de que sempre é preciso pensar em profundidade sobre o que fazer para melhorar a realidade, pois dificuldades clássicas que as mulheres têm tido para crescerem profissionalmente derivam de um contexto cultural que tem longa história e que não é alterável de forma brusca, em nível das organizações. Ao mesmo tempo, e pragmaticamente, é preciso criar experiências e ações concretas para melhorar a realidade e aumentar a diversidade de gêneros, com vistas a melhorar resultados, evitando-se rótulos improdutivos. Conforme dito, entendemos que a diversidade é algo muito importante e relevante. Somos conscientes de que os números não traduzem os nossos esforços dos últimos sete anos. Também entendemos que temos muito a investir nessa jornada. Um dos maiores desafios é enfrentar a assimetria de percepções, especialmente em função de um longo histórico cultural. A Alta Administração pode ter bons planos, regras e controle, mas é preciso ter consciência de que a implementação por toda a estrutura organizacional se defronta com assimetria de percepções e com regras culturais fortes e não escritas. Por vezes, nos perguntamos: estamos sendo realmente compreendidos em nossos esforços, quando consideramos a estrutura organizacional em toda sua extensão, inclusive geográfica?

Em um artigo que versa sobre a participação da mulher nas cúpulas das organizações, não seria razoável não existir uma visão feminina adicional à nossa e, assim, convidamos a executiva Patrícia Molino, sócia da KPMG na área de consultoria empresarial, para uma entrevista especialmente formatada visando esta edição. Sobre a entrevista em questão, destacamos as seguintes considerações da executiva, altamente qualificada para falar sobre diversidade de gênero, como se constata em seu curriculum:

  • O empoderamento feminino nas organizações depende de homens e mulheres, e precisa ser pensado para impactar não apenas as mulheres já privilegiadas em relação às demais (brancas e com ótima escolaridade, por exemplo) e sim para contemplar todas as mulheres, o que seria melhor e mais justo.
  • Machismo pode se tratar, na maioria das situações, de hábito, cultura e desconhecimento. É preciso haver mudança cultural profunda e uma atuação focada em trabalhar o conceito de viés inconsciente, que existe tanto em homens quanto em mulheres. Vários mitos perpassam mentes femininas e masculinas, a ser questionados. Cultura e a mudança cultural emergem como muito relevantes.
  • Grandes organizações empresariais podem adotar diversos procedimentos para propiciar mais oportunidades às mulheres, se esta for uma decisão de seus dirigentes. Mudanças mais amplas podem ser feitas de forma evolutiva, lentamente, ou utilizado mecanismos de coerção, como o sistema de cotas, adotado por alguns países para acelerar mudanças e defendido como medida transitória para fomentar a redução da desigualdade. Regras emergem, portanto, como pano de fundo de mudanças na sociedade.
  • Pesquisas mostram que as empresas com maior nível de diversidade em cargos dirigentes têm melhor desempenho econômico, agregando maior valor ao patrimônio de seus proprietários e investidores.

 

ENTREVISTA:
Patrícia Molino, Sócia, KPMG - área de Consultoria Empresarial

Patrícia Molino é psicóloga e advogada pela PUC SP, sendo pós-graduada em Administração de Empresas pela FGV, em Gestão Empresarial pela Fundação Dom Cabral e Georgetown University e em Liderança no BMI. Fez cursos de Governança Corporativa para Mulheres no BI, na Columbia University e na Nova SBE Lisboa. Com 28 anos de experiência em consultoria na área de Recursos Humanos na KPMG do Brasil, desde 2005 ela é sócia na área de consultoria empresarial, liderando as áreas de pessoas e mudanças, bem como integração e separação de empresas.

Na causa da equidade de gênero, Patrícia Molino participa de diversos grupos e iniciativas, sendo sócia fundadora do KNOW - KPMG Network of Women, membro da Aliança pelo Empoderamento das Mulheres desde a fundação, bem como do Comitê Impulsor do Movimento HeForShe (ONU Mulheres) no Brasil. Acompanhe a entrevista.

RI: Em sua experiência profissional, como tem percebido a evolução feminina na cúpula das empresas?

Patrícia Molino: Inicialmente, é importante dizer que a luta pelos direitos femininos tem conquistas que merecem ser ressaltadas. Nem sempre foi possível às mulheres exercerem o direito do voto; no Brasil, isso aconteceu em 1932, há 85 anos. Além disso, a Constituição Federal brasileira promulgada em 1988, há quase 40 anos, foi um marco para os direitos femininos. O artigo 5º da CF, por exemplo, declara homens e mulheres iguais em direitos e deveres; já o artigo 226 estabelece que os direitos e deveres da sociedade conjugal são exercidos pelo homem e pela mulher. Esses eventos e mudanças formais são de grande relevância e levaram tempo para ocorrer, mas as mudanças culturais mais profundas, estas precisam de muito, muito mais tempo. Pessoalmente, tenho participado intensamente da trajetória da KPMG no Brasil, que tem procurado propiciar mais oportunidades a mulheres em todos os níveis e áreas ao longo tempo. Tive a honra de participar, nessa empresa, do seu primeiro grupo de diretoras e fui a primeira sócia a engravidar, o que me permitiu compreender substancialmente, por experiência própria, o contexto de uma executiva que precisa conviver com a carreira e a maternidade. Aliás, falando sobre maternidade, penso que a visão sobre esse tema tem sido reducionista, conforme buscaremos explicar adiante. Na KPMG, houve um momento em que se procurou estabelecer uma meta de 25% de sócias mulheres, mas a realidade organizacional demonstrou que outras ações seriam mais eficazes. Retornando à minha experiência profissional com a diversidade de gêneros, ressalto que a Organização das Nações Unidas (ONU) tem um comitê dedicado aos temas femininos, a ONU Mulheres. A KPMG tem atuado junto à ONU Mulheres e ressalto que vários trabalhos desenvolvidos com o apoio dessa Organização demonstram que a diversidade de gêneros está associada à criação de valor econômico para as empresas e sociedades. Outro aspecto a enfatizar, melhor compreendido por ações da ONU, é que o empoderamento feminino nas organizações depende tanto dos homens quanto das mulheres. Aproveito esta oportunidade para recomendar aos leitores da Revista RI que ouçam (ou, se for o caso, o façam novamente) atenciosamente o discurso proferido na ONU em 2014 pela jovem atriz britânica Emma Watson, no âmbito do movimento HeforShe e façam sua adesão ao movimento através do site www.heforshe.org/pt. Trata-se de um discurso altamente equilibrado, focado na igualdade entre os sexos, além de emocionante, que justifica a adesão de todos a causa.

RI: A participação das mulheres nas diretorias e nos conselhos de administração evoluiu nos últimos anos? Temos estatísticas confiáveis?

Patrícia Molino: As estatísticas são confiáveis para os conselhos de administração, mas nem tanto sobre as diretorias, por que há diferenças nesses cargos entre as empresas, as quais dificultam a comparação de cargos, de acordo com as fontes de pesquisas. Observamos, contudo, que as mulheres são 50% da força tarefa do mundo mas contribuem somente com 37% do PIB e que sua participação nos conselhos de administração e diretorias é menor que 10%. Isso constitui-se em um descompasso acachapante. Um aspecto muito importante da participação de mulheres em conselhos de administração é que ela pode decorrer por questão de participação societária, especialmente nas empresas familiares, e parte das mulheres que entram nos conselhos desta forma não contribui efetivamente para a tomada de decisões das empresas, por não se sentirem aptas ou por não serem ouvidas. A outra forma principal de acesso a conselhos é a indicação de conselheiros, que são, na imensa maioria, homens. Aliás, muitos homens terminam por indicar outros homens de seu meio profissional para participar de conselhos de administração e, nesse contexto, a participação feminina nessas instâncias de poder se torna bastante tímida. Um aspecto que eu gostaria de deixar claro nesta entrevista é que o machismo não se constitui, a meu ver, em um posicionamento consciente, na grande maioria das situações. Trata-se de hábito, de cultura e de desconhecimento. Acredito que é preciso haver uma mudança cultural profunda. E que é crucial trabalhar um conceito muito importante, o de viés inconsciente, que existe tanto em homens quanto em mulheres. O viés inconsciente tem grande poder e se manifesta não apenas em relação a gênero – masculino versus feminino –, mas também a outros preconceitos que podem existir sobre poder aquisitivo, raça, cor, religião, opção sexual e outros tópicos. O viés inconsciente precisa ser identificado e trabalhado pelas pessoas e organizações e esta é uma das principais alternativas de combate consciente e de alto nível ao machismo.

RI: Em sua visão, quais são os principais entraves à maior participação da mulher nas altas esferas das organizações? Quais são alguns dos mitos e verdades sobre essa questão?

Patrícia Molino: A KPMG participou, em 2014, de uma pesquisa conjunta com uma organização inglesa, no âmbito da qual se procurou decifrar diversos códigos relacionados ao tema da diversidade de gêneros entre outros. Um dos propósitos da pesquisa era identificar ações que pudessem ajudar a elevar a participação de mulheres em cargos de liderança empresarial para 30%. Nessa pesquisa, foram identificados diversos mitos, alguns dos quais relatamos aqui. O primeiro é o mito da ambição. Muitas mulheres sofrem diante do dilema "devo ser promovida ou priorizar minha família?", com a percepção de que se avançarem em suas carreiras, sacrificarão maridos e filhos. Elas não percebem que se forem executivas, não perderão necessariamente o evento artístico ou esportivo de seus filhos, por que elas terão a prerrogativa de administrar horários e datas, precisamente por terem mais poder. Esse mito também pode ser percebido em outras situações, como por exemplo, no caso da escolha de profissões, quando mulheres podem dizer "prefiro ser veterinária do que ser astronauta". Mas o mito também reside no lado masculino, em homens que acreditam que "nenhuma mulher quererá viajar como eu e assumir as responsabilidades que assumo". O que pensamos sobre esse mito? Que ele tem o grande risco da perda de talentos, da falta de estímulo e é importante que as organizações prestem atenção e procurem estimular mulheres preparadas e talentosas a assumirem novos e maiores desafios. O segundo mito aqui apresentado é o do networking. Frequentemente, mulheres se sentem acumuladas por vários papéis, terminando por dedicar menos tempo ou mesmo nenhum tempo ao relacionamento, ao networking profissional, que tem potencial para gerar oportunidades em várias frentes. Na lógica construída mentalmente por essas mulheres, "se eu fizer um bom trabalho, serei reconhecida". Entretanto, o mundo corporativo não funciona exatamente assim, sendo importante, também, desenvolver relacionamentos e integrar redes e grupos profissionais. Tomar um cafezinho e trocar ideias com as pessoas nas empresas pode ser enriquecedor, sob o prisma do aprendizado profissional e das organizações – algumas delas chegam a criar ambientes para incentivar a troca de ideias e a criatividade. Mas, além disso, tais ações podem criar oportunidades concretas de crescimento profissional pelo entendimento das relações políticas que permeiam a liderança. O terceiro mito sobre o qual comentamos é o da gestão de riscos. Muitas mulheres tendem a ser mais cautelosas nas suas análises, o que traz grande valor em decisões colegiadas, por exemplo nos conselhos de administração. Por outro lado, as mulheres frequentemente, transferem essa postura também para o seu contexto profissional e não raramente hesitam frente a abraçar grandes desafios ou buscar maiores rendimentos, por entenderem que "eu ainda não estou pronta" ou "eu ainda não tenho TODAS as qualificações necessárias". Ora, geralmente, a falta de algumas qualificações não tem impedido homens de lutar pela melhoria de suas posições nas empresas e de alcançar seus objetivos. O quarto e último mito sobre o qual discorremos nesta entrevista é o da maternidade. De acordo com esse mito, a maternidade prejudica a carreira feminina, um pensamento que ocorre em homens e mulheres. Entretanto, não é a maternidade que produz estragos ou os maiores estragos, mas a angústia sobre a maternidade. É preciso ter em mente que gravidez é algo temporário, com começo, meio e fim. Além disso, é perfeitamente possível que as melhores oportunidades e promoções de uma mulher ocorram antes de sua primeira gravidez; ou então, que elas as tenha após esse evento tão importante. Gravidez na maior parte das situações não deveria ter correlação com falta de oportunidades. Esses e outros mitos podem contribuir para que as mulheres tenham uma postura de desinteresse sobre o dinheiro e as finanças pessoais, o que pode prejudicá-las em diversas dimensões de suas vidas. Além disso, críticas podem ser geradas sobre várias decisões financeiras femininas, as quais não seriam feitas se o decisor fosse um homem. Um exemplo que ilustra esse ponto é o da mulher que recebe e aceita uma boa proposta para vender sua residência; sempre existe a probabilidade de alguém indagar: "mas você realmente pensou nos seus filhos?". Tal pergunta provavelmente não seria feita se o vendedor do imóvel fosse do sexo masculino.

RI: Quais fatores, em sua opinião, podem contribuir para que as mulheres participem mais do comando das empresas, chegando-se a uma situação de maior equilíbrio?

Patrícia Molino: A realidade se desenvolve, essencialmente, por meio de dois caminhos. O primeiro é o método evolutivo, do passo-a-passo, mais lento – bem mais lento. O segundo é o método coercitivo, como o sistema de cotas, adotado por alguns países no intuito de acelerar algumas mudanças; este costuma ser defendido como uma medida transitória. Pessoalmente, não creio que mudanças sustentáveis possam acontecer de forma muito rápida, qualquer que seja o método considerado, por que mudança cultural profunda é algo profundo, mas estou segura que precisamos caminhar na direção certa com determinação. Uma segunda reflexão a ser feita diz respeito ao empoderamento de mulheres. Ele pode ser feito privilegiando um grupo de mulheres que já seriam privilegiadas em relação às demais (brancas, com boa escolaridade e ótima articulação de ideias) ou contemplando todas as mulheres. Acredito na segunda alternativa, que considero mais sólida e justa, pois é preciso dar a oportunidades a todas as mulheres da sociedade, independentemente de poder aquisitivo, raça, cor, religião, opção sexual e outros aspectos. Existe um conjunto de ações concretas que as empresas podem adotar para criar mais equilíbrio entre homens e mulheres, por decisão de seus dirigentes, e aqui relaciono os seguintes exemplos: 1. equiparar a remuneração de homens e mulheres por trabalhos iguais; 2. trabalhar o conceito de viés inconsciente em mulheres e homens, visando criar consciência e reduzir seus efeitos; 3. em casos de oportunidades de contratações e promoções, considerar pelo menos uma mulher na seleção de pessoas; 4. avaliar as políticas internas para identificar se elas não dificultam a adaptação das mulheres a empresa; 5. acompanhar as estatísticas sobre promoções verticais, mais comuns para homens, e as promoções horizontais, mais típicas de mulheres, permitindo que as mais qualificadas e talentosas tenham mais promoções verticais; 6. monitorar as expectativas de profissionais – homens e mulheres – mais jovens, os quais têm uma postura mais exigente em relação à busca de qualidade de vida. Pesquisar essas expectativas e contribuir para que sejam concretizadas, em geral, converge para os interesses femininos; 7. estimular nos homens o desejo de estar mais perto de suas famílias e do lazer. Muitos homens – muito mais do que se imagina – sonham com mais qualidade de vida, por se sentirem assoberbados, exaustos e, em alguns casos, adoentados.

RI: Quais são os benefícios da diversidade de gênero na cúpula das organizações?

Patrícia Molino: Pesquisas mostram com grande clareza que as empresas com mais mulheres em cargos dirigentes têm melhor desempenho econômico, agregando maior valor ao patrimônio de seus proprietários e investidores. Além disso ganham a sociedade, a imagem das empresas relacionada à sustentabilidade e aos direitos humanos, enfim, é a coisa certa a fazer.

Consideremos conjuntamente as reflexões de Pedro Melo e Patrícia Molino em suas respectivas entrevistas nesta Revista RI: elas nos remetem aos estudos do economista norte-americano Douglass C. North, agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 1992, por suas pesquisas buscando explicar por que alguns países disparam na frente de outros em vários aspectos socioeconômicos. Falecido em 2015, o pesquisador propôs uma estrutura que procura analisar a influência do que ele denominou instituições ou regras do jogo sobre o desempenho de uma economia e sobre as diferenças entre economias distintas.

Segundo North, as regras do jogo podem ser formais – instrumentos legais, regulamentos e contratos – e informais – as regras não escritas e ditadas pela cultura. Elas determinam aquilo que os indivíduos são proibidos de fazer e aquilo que eles podem fazer sob certas circunstâncias. O pesquisador estabelece uma clara distinção entre as regras do jogo (regras) e organizações (jogadores), estabelecendo analogia com times de esportes. As organizações, por seu turno, se desenvolvem e evoluem de acordo com as regras do jogo. Regrasescritas e não escritas – e seu enforcement, ou seja, a garantia de seu cumprimento tem um papel crucial no desenvolvimento das economias e a comparação entre o arcabouço institucional de países como os EUA, a Inglaterra, a França, a Alemanha e o Japão, por exemplo, e outros menos desenvolvidos é crítico para a compreensão do descompasso entre os grupos. Desenvolvimento está relacionado a regras do jogo boas e cumpridas.

Neste ponto, formulamos duas perguntas:

1. Por que a diversidade de gêneros na cúpula das empresas é boa para as sociedades capitalistas?

2. Porque a diversidade de gêneros se torna importante na construção de uma Orquestra Societária?

A resposta à primeira pergunta é dada à luz das regras do jogo. Ocorre que o jogo capitalista tem ficado mais complexo ao longo do tempo e sujeito a custos de transação (contratuais) mais elevados, em função da emergência ou da intensificação de diversos riscos, entre os quais: econômicos, sociais e ambientais, que culminaram na disseminação crescente do conceito de sustentabilidade; políticos, lembrando que muitos governos não têm conseguido atender a expectativas básicas dos cidadãos; regulatórios, diante de demandas crescentes dos órgãos de regulamentação; de concorrência, cada vez mais sofisticada e demandando mais inteligência empresarial; de mercados consumidores, mais exigentes em qualidade e custo; e, de mercados de trabalho, considerando as mudanças de processos tecnológicos, a melhor qualificação profissional e maiores expectativas por oportunidades.

Nesse contexto, melhores regras do jogo se impõem, formais e informais, visando mitigar riscos e reduzir custos de transação. Entre as regras citadas, inclui-se a maior participação das mulheres no alto comando das organizações; afinal, elas estão presentes na grande maioria das organizações da economia e nos mercados, com expectativas crescentes por melhores oportunidades profissionais e com alto potencial de contribuir concretamente para a mitigação dos riscos do sistema econômico e a redução de custos de transação. Milhões de mulheres estão presentes, de diferentes formas, nas múltiplas e infinitas transações da economia.

Quanto à segunda pergunta, identificamos, na Orquestra Societária, vários pontos de convergênciaentre a diversidade de gênero nas cúpulas empresariais e a sinfonia corporativa, destacando-se:

1. Diversidade traz resultados, presentes na equação da sinfonia (figura). As pesquisas citadas pela executiva da KPMG, Patrícia Molino corroboram tal convergência.

2. Diversidade mitiga riscos de mercado, já que as mulheres também são stakeholders ao redor da organização, com destaque para o seu papel de consumidoras e cidadãs.

3. Diversidade agrega eficácia, uma vez que a participação feminina, muitas vezes com olhar diferente da perspectiva masculina sobre inúmeros temas – e enfatizamos aqui a palavra diferente, não superior – incorpora mais valor à estratégia, à arquitetura organizacional e ao modelo de gestão. Diferentes olhares criam a soma, não a subtração. E times mais fortes são mais propensos a vencer em campeonatos mais difíceis.

José Carlos Loures Paranhos, nosso assíduo leitor, afirma: "Entendo que alguns dos principais desafios das empresas são escassez de competências, de talentos e inovação. Ao melhorar o equilíbrio de gêneros, com certeza, as empresas terão ideias diferentes, com pensamentos de vários pontos de vista. As habilidades e os benefícios se tornarão tangíveis e comprovados, e o ambiente, inclusivo, beneficiando a conquista de colaboradores competentes. A diversidade de gêneros é um assunto tão sério que deve ser tratado como prioridade pelas empresas, em todos os níveis, da busca de talentos até instâncias como as diretorias, as presidências e os conselhos de administração."

Finalizando, a ética que norteia as organizações empresariais, representada na Orquestra Societária, pressupõe, intrinsecamente, forte alinhamento com princípios éticos mais elevados, como o da igualdade de tratamento às pessoas, sem discriminação de poder aquisitivo, raça, cor, gênero, religião, opção sexual e outros tópicos na oferta de oportunidades. Esta é a principal e a mais nobre razão para a defesa da diversidade de gênero – e de resto, da representação de várias categorias sociais – nas cúpulas das organizações de todos os tipos.

CIDA HESS
é diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo – IBEF SP e do KPMG Network of Women - KNOW.
cidahess@kpmg.com.br

Mônica BrandÃo
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...