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Encerrados os debates realizados pela Abrasca com as companhias abertas sobre as propostas de atualização dos regulamentos de listagem dos segmentos Nível 2 e Novo Mercado, é enriquecedor desenvolver uma reflexão sobre todo o processo percorrido. O objetivo é registrar um aprendizado que pode vir a ser útil na formulação de novas etapas do aperfeiçoamento da regulação e da autorregulação em nossa jurisdição, antes mesmo que o resultado final da votação seja conhecido.
A postura da B3 na presente rodada de atualização dos regulamentos de listagem orientou-se por buscar o diálogo e formular soluções criativas para os impasses. Para que eles fossem evitados, a Abrasca promoveu cerca de 10 interações com as companhias listadas nos dois segmentos em aprimoramento. Os resultados dessas interações foram formalizados através de duas cartas à B3, listando todas as restrições identificadas junto aos emissores para que os dispositivos fossem assim aperfeiçoados.
Nesse sentido, mesmo encetadas várias etapas de audiência e consequentes ajustes na proposta da Bolsa, a proporção das companhias listadas nos referidos segmentos que agora participou ativamente do debate foi menor do que em 2010, quando ocorreu o exame da proposta anterior de atualização dos regulamentos.
Naquela ocasião, 60% das companhias listadas nos segmentos estiveram presentes às discussões. Agora, apenas 30% se manifestaram e deram contribuições ao longo de mais de um ano tratando do assunto. Uma possível explicação é que atualmente as equipes das companhias estão bastante reduzidas devido à conjuntura econômica, além do que, em muitos casos, os esforços dos profissionais que as integram estão concentrados em superar o momento adverso que a economia nacional atravessa.
Outra explicação é que muitas companhias parecem ter deixado para se aprofundar nas propostas apenas quando elas se tornassem definitivas, o que só se deu no momento em que o texto final foi submetido à votação nos últimos dias de maio. Assim, a avaliação desses participantes tardios é que definirá o resultado da votação que se encerrará em 23 de junho de 2017, tornando-o imprevisível neste momento.
Ou seja, a bem-vinda disposição para o diálogo agora ensejada pela Bolsa teve um efeito ambivalente: permitiu o aperfeiçoamento das propostas pela interação com as companhias, mas afastou muitas outras do exame precoce do assunto, na medida em que foi possível adiar o momento de se aprofundar. Futuramente, talvez fosse produtivo incluir etapas de consultas formais às companhias durante o processo de debate como forma de convidar à participação.
As discussões propostas pela B3 são importantes para que o mercado de capitais brasileiro continue evoluindo e melhorando suas práticas de governança corporativa. Nessa linha, é de todo interesse das companhias melhorarem suas práticas de governança, buscando assegurar um tratamento equânime a todos os seus acionistas, além de manter adequada transparência ao mercado, essenciais para o alinhamento das companhias aos interesses de seus acionistas e para a longevidade das organizações.
Contudo, é importante registrar que o estabelecimento de novas regras para melhoria das práticas de governança corporativa no Brasil precisa ser amplamente discutido com as empresas diretamente afetadas, considerando seus legítimos questionamentos, como ocorreu, especialmente para avaliação dos impactos/custos decorrentes destas mudanças, sobretudo no cenário atual do país, marcado por incertezas e instabilidades nos cenários econômicos e político. A criação de normas de fiscalização, controle e transparência não deve importar em burocratização dos procedimentos, sob pena de onerar demasiadamente a atividade econômica.
A mais importante reflexão sobre o processo de debate que ora se encerra, assim, refere-se à própria formulação das propostas incluídas nas minutas elaboradas pela B3. Analisando-as, ficou clara uma diferença entre a forma como a ampla maioria dos administradores de companhias entende que deve se dar o avanço de suas estruturas de governança, controladoria, gestão de risco e compliance, em relação ao que pensam as lideranças de outros setores do mercado de capitais.
Os executivos das companhias priorizam modelos organizacionais enxutos e funcionais. Rejeitam burocracia e formalismos, principalmente quando têm custo elevado e não trazem retorno identificável. Há a percepção de que falta uma visão de conjunto e com organicidade das ideias que ultimamente tem dado origem às obrigações impostas às companhias. Institutos de diferentes jurisdições são importados e empilhados.
Há nas nossas normas uma grande diversidade de ofertas públicas obrigatórias que se superpõem em muitos casos. As companhias que possuem seus papeis negociados no exterior, que estão sujeitas às exigências da Sarbanes Oxley e as atendem plenamente por meio do conselho fiscal turbinado, ver-se-ão obrigadas a criar um novo comitê de auditoria que não reconhecem como necessário, mas exclusivamente para atender a regras de autorregulação da B3 que, ao contrário da Securities and Exchange Commission, entende por precário os sistemas de fiscalização e controle realizados pelo conselho fiscal turbinado.
Outra questão séria é o espaço público de debate das propostas dentro da comunidade do mercado de capitais. Nosso objetivo aqui é criar um espaço para que as opiniões dos administradores de companhias sejam qualificadas e respeitadas. Causa preocupação que a visão das companhias, quando emitem julgamentos críticos às propostas, seja desqualificada pelos demais agentes de mercado. Por exemplo, a mensagem pública do IBGC a favor da aprovação das propostas conclui - “dizendo sim à reforma, as companhias demonstrarão comprometimento com a evolução e enviarão uma mensagem positiva”.
Ou seja, no debate assim colocado, não há espaço legítimo para dizer não. Mesmo que uma companhia específica entenda que alguma proposta seja contraproducente para sua realidade, e há muitos casos em que isso ocorre, como veremos adiante, seu posicionamento será visto como oposição à “evolução”, portanto retrógrado.
Mais pasmo causa ainda a presunção de infalibilidade que essa colocação revela. Estamos diante de um fundamentalismo. Quem pensa dessa maneira está aprioristicamente certo, em linha com a “evolução”. Quem pensa diferente está contra a “evolução” e “envia uma mensagem” negativa, portanto, não pode ter razão.
Trata-se de uma linha de argumentação que defende as reformas pelo constrangimento. E vale lembrar que as companhias assim desqualificadas são os agentes que justificam a própria existência do mercado de capitais. Qual a razão de construir um mercado de capitais que não canalizar recursos para as atividades produtivas?
Então, não merecem crédito as opiniões desses agentes que tem culturas corporativas que respondem por parcela tão expressiva do investimento produtivo do País, que correm o risco de arcar com custos fixos em ambiente de grande instabilidade, que geram os empregos tão necessários socialmente, que sobrevivem em ambiente econômico e político por vezes fortemente adverso?
Está sendo considerado que muitas companhias investem em relações com investidores, em pesquisas junto aos acionistas atuais e potenciais, em marketing corporativo e em tantas ações que não só as habilitam a debater de igual para igual com qualquer interlocutor o que é melhor para elas, inclusive no campo da governança e do mercado de capitais, como lhes conferem uma visão abrangente e mais pragmática?
Não tem fundamento o que quer que as companhias pensem, caso leve a um “não” às propostas de reforma dos regulamentos de listagem dos segmentos Nível 2 e Novo Mercado? É apenas resistência à “evolução”? Mais respeito, por favor. E quem são esses fundamentalistas que dessa forma tanto criticam as companhias? O que eles já realizaram? Que contribuições deram ao progresso no mundo real? Quantos empregos geram? Quanto respondem pela arrecadação de tributos?
Ainda é tempo de não trazer para o mercado de capitais a polarização ideológica que nosso País vive hoje. Todo e qualquer movimento de mudança deve ser avaliado per se. É falsa a lógica pura e simples de “elevação de régua”, quanto mais regras e burocracia melhor. Há exigências contraproducentes no nível microeconômico, se não para todas, pelo menos para algumas empresas. Os administradores de companhias abertas são treinados e competentes para fazer essas avaliações.
Parte da profusão regratória dos últimos anos no mercado de capitais é puro Custo Brasil, o que não é bom para ninguém. A inspiração da excelente lei societária brasileira é voltada para fazer o mercado funcionar. A linha de regulação que a está substituindo nos últimos anos é prescritiva, detalhista e se propõe a tornar a governança das companhias uma commodity, porque elimina as diferenciações que as companhias buscaram, nivelando-as todas. É necessário ser comedido e cuidadoso na introdução de novos regramentos e voltar a buscar-se a orientação original em alguma medida.
Na visão das companhias, governança corporativa é “compreendida como o sistema de administração e de tomada de decisões que as empresas adotam. Assim, envolve definir a forma como devem se relacionar os principais órgãos e centros de poder: acionistas, conselhos de administração e fiscal, administração executiva, comunidade de investidores, governos, empregados, fornecedores, etc”. Boa governança corporativa, portanto, é o sistema que consegue atingir esse balanceamento.
O sistema legal e regulatório brasileiro no que concerne as companhias abertas foi desenhado dessa forma e construiu os estímulos necessários para atender todas as partes interessadas. De acordo com esse sistema, as ações foram precificadas e oferecidas ao mercado nas ofertas públicas iniciais e o sucesso na colocação dos papéis é prova inequívoca de que as partes vendedora e compradora atingiram um acordo (preço).
Alterar essa estrutura de regras é alterar esse equilíbrio.
Naturalmente, há mudanças que, embora tenham custos de conformidade para os emissores, geram valor para as duas partes, não alterando o equilíbrio atingido. Essas devem ser implementadas. Há também mudanças que geram custos de conformidade para as companhias, mas que podem vir a ser compensados por uma maior demanda por suas ações melhorando seus múltiplos e reduzindo seu custo de capital. Essas devem ser avaliadas quanto a sua relação custo x benefício.
Contudo, algumas propostas indicadas como regra de “boa governança” acrescentam direitos a ativos já precificados e que hoje são transacionados sem esses direitos. Naturalmente, esses direitos adicionais implicam em transferir valor entre grupos de acionistas que detém esses direitos para outros cujas ações foram precificadas sem eles.
Nesse sentido e no caso específico do Nível 2, é legítimo que haja companhias contrárias ao direito de voto das ações preferenciais conforme previsto no Artigo 9º, Inciso II, nas votações de transações entre partes relacionadas submetidas à AGE. Há companhias que entendem excessivamente amplo e de aplicação sujeita a controvérsias o conceito de “Parte Relacionada”, sobretudo considerando a complexidade dos atuais grupos econômicos e a desnecessidade de abranger todas as controladas da companhia. Típico mecanismo que aumenta os direitos das ações preferenciais sem compensar os demais acionistas, alterando o equilíbrio atingido no momento da oferta inicial.
Ademais, há companhias que entendem legitimamente que a manutenção da redação do 4.1 (vi) (b) do Regulamento atual, concedendo voto às PNs na aprovação de contratos entre a companhia e o acionista controlador, assim como entre a companhia e outras sociedades nas quais o acionista controlador tenha interesse, endereça o potencial conflito de interesse de forma bastante adequada.
Na mesma linha, a exigência de aprovação de um terço, ou 50%, se aprovada a regra específica das ações em circulação para saída voluntária do segmento, transfere poder de deliberação do bloco de controle para os acionistas integrantes do free float da companhia. Mais uma vez, altera o equilíbrio de forças atingido na formação do preço por ocasião da oferta inicial, na visão dessas companhias, uma transferência indevida de valor entre os blocos de acionistas.
A mesma transferência de direitos – e de valor – ocorre na exigência de aprovação dos acionistas integrantes do float da companhia no caso de reorganização societária que resulte em sociedade que não pretenda pleitear o ingresso no Nível 2 ou Novo Mercado.
Outro ponto que também dilui direitos dos acionistas que compõem o bloco de controle é a exigência de número mínimo de 2 (dois) conselheiros independentes. Um grande número de companhias mantém a estrutura mínima determinada pelo atual regulamento de 5 conselheiros de administração. Nesse sentido, o percentual de 20% é atingido com um membro independente. Para manter o atual percentual e atender a nova regra de 2 conselheiros, no mínimo, as companhias terão de DOBRAR o tamanho de seus conselhos.
Não é necessário argumentar que o Conselho de Administração, como esfera máxima de decisão da companhia, é um órgão onde, na média, os profissionais são melhor remunerados e, portanto, mais onerosos. É exatamente esse o órgão colegiado que a reforma – ou “aprimoramento” – irá alterar a composição de poder. No limite, podendo ensejar sua duplicação. Portanto, em muitos casos, é uma regra que destrói valor.
Igualmente, não obstante as companhias abertas reconhecerem que a avaliação dos administradores é um processo que cria valor e melhora o desempenho dos conselheiros, a forma de proceder a essa avaliação não é, necessariamente, uma obrigação dos seus administradores. Há empresas onde a avaliação é feita por acionistas com base nas entregas que os administradores realizam durante o período. Assim, a obrigação de fazer a avaliação não pode ser contratada pelos administradores da companhia ao aderir aos segmentos especiais, porque na cultura delas, não é sua competência.
Caso a regra seja aprovada, essas companhias terão que violentar sua cultura organizacional ou adotar um procedimento proforma de avaliação no nível da administração.
Há companhias que entendem haver desenhado modelos de controle, auditoria interna e compliance com desempenho superior e custo inferior ao proposto na alteração dos regulamentos de listagem. Assim, consideram que perderão efetividade e terão aumento de custos com a troca de modelo. Ou seja, entendem que devem continuar tendo liberdade no desenho da instalação e funcionamento de suas estruturas de controle, podendo optar por adotar o comitê de auditoria, estatutário ou não, composto exclusivamente por administradores ou não, e, no limite, substituí-lo por um conselho fiscal que assuma suas atribuições. Além disso, não é difícil afirmar que as regras direcionadas aos conselheiros certamente irão elevar os prêmios de seguros do tipo D&O (“Directors & Officers”).
Eventuais turnovers na administração que merecerem urgência de divulgação ao mercado são tratados como ato/fato relevante e contam com o necessário marco regulatório da ICVM 358. Nos demais casos, as companhias entendem mais produtivo ter tempo para uma eventual reversão do desligamento ou comunicar a substituição já indicando o novo administrador. Essas últimas trocas na administração deveriam ser comunicadas ao mercado respeitando o mesmo prazo da atualização do Formulário de Referência, ou seja, em até sete dias da data da referida troca.
Mesmo a divulgação simultânea em inglês e português aos públicos de interesse das companhias, óbvia em uma primeira análise, é desperdício de recursos e não faz qualquer sentido para companhias com baixa participação de investidores estrangeiros em suas bases acionárias.
Nessa mesma linha está o relatório socioambiental, que é um instrumento que cria valor para diversas companhias e, por isso, é visto por elas como um investimento com retorno positivo. Contudo, não traz nenhum retorno positivo para companhias cujas operações possuem baixo impacto social ou ao meio-ambiente, além de representar um investimento significativo. Hoje, existem poucas consultorias que elaboram esses relatórios e é igualmente reduzido o número de companhias que os contratam. É fácil antever forte pressão sobre os preços desses serviços caso a regra seja aprovada e a demanda estimada venha a ser cinco vezes maior.
ABRASCA
Associação Brasileira das Companhias Abertas
abrasca@abrasca.org.br