Sustentabilidade

O MERCADO DE CAPITAIS E AS POLÍTICAS PÚBLICAS

Desde a publicação do livro do economista francês Thomas Piketty “Capital no Século 21”, a consciência sobre a desigualdade global e ameaça que esta representa à sustentabilidade do sistema econômico mundial cresceu e atingiu níveis sem precedentes. Enquanto aplaude Piketty, o economista britânico Anthony B. Atkinson, destaca no livro “Desigualdade: o que pode ser feito?” que, além de reformar o sistema de taxação para redistribuir a carga tributária entre renda e capital, a mesma quantidade de atenção deve ser dada à redução do desemprego, aumentando-se os salários e a produtividade do trabalho, garantindo que a taxa de retorno de pequenas poupanças exceda o crescimento real e facilitando assim o investimento público.

O mercado de capitais pode ser um fundamental aliado para o atingimento destas metas. Retoma-se neste artigo a proposta feita no passado pelo BNDES para a regulamentação por parte da CVM do FISA (Fundo de Investimento Socioambiental). O FISA seria mais um dentre vários veículos que já vêm sendo criados para dar eficiência à crescente e multiplicativa responsabilidade social entre nós.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) submeteu uma proposta à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), em 2012, para a criação de um Fundo de Investimento Socioambiental (FISA), que poderia potencialmente ajudar no alcance das propostas de Atkinson. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) conduz um estudo de viabilidade para lançar um fundo de impacto para empregabilidade e aumento de produtividade da mão de obra de jovens advindos de áreas vulneráveis, projeto com diversas externalidades sociais. A administração destes fundos inovadores seria planejada com objetivo de não só ter retorno financeiro com o adequado gerenciamento de risco, mas também na direção dos impactos sociais e ambientais.

Um dos desafios essenciais é a criação de uma estrutura regulatória viabilizadora, que apóie instituições que possam garantir transparência e adequação necessárias ao surgimento deste novo mercado, alinhado com a tendência mundial de desenvolvimento das “finanças verdes”. A consolidação da infraestrutura de mercado para fundos de impacto socioambiental no Brasil exigiria a criação de empregos para atender às necessidades de auditoria especializada, monitoramento, certificação e avaliação de impacto. Também criaria muitas oportunidades para organizações da sociedade civil, capazes de aconselhar os gerentes dos fundos a respeito do impacto. Estes fundos também podem ser customizados e harmonizados com regulações de investimento público e indicadores de performance governamental para estimular a co-produção de serviços públicos, através de parcerias público-privadas (PPPs sociais) e ações de impacto social.

De fato, discussões iniciais e conferências, incluindo as duas edições do Rio Investors Day, em 2011 e 2012 e o Fórum de Sustentabilidade do Rio, em 2016, indicaram claramente que há demanda em todos os setores para a formação de um mercado vibrante de investimento de impacto no Rio de Janeiro.

O Novo Instrumento
O FISA imprime uma nova dimensão à indústria de administração e gestão de recursos que, assim, não buscaria apenas obter resultados financeiros, mas passaria a considerar o impacto social e ambiental, promovendo ao mesmo tempo a inclusão social e a preservação dos recursos naturais.

A proposta envolve o estabelecimento de novos parâmetros de retorno para o mercado financeiro: os ganhos sociais e/ou ambientais. Não se trata de fundos que invistam em empresas socialmente responsáveis. A ideia é estabelecer mecanismos de captação de recursos para causas socioambientais, associados a uma aferição precisa dos resultados gerados pelos recursos investidos na causa. O investidor terá como retorno o principal protegido, nas situações em que o FISA replicar os endowment funds (fundos de doação), ou parte do principal, acrescido, em ambos os casos, de retorno social ou ambiental.

Do ponto de vista prático, pretende-se criar um mercado de fundos socioambientais, com funções análogas a dos fundos com objetivos financeiros (assets) e com toda a eficiência e institucionalidade já existentes.

O fundo socioambiental seria uma ferramenta que forneceria efetividade, segurança e transparência aos investidores que desejassem dispor de parte de seu capital de forma diferenciada e socialmente responsável. Desta forma, o FISA seria um instrumento concreto de investimentos que abriria as portas do mercado de capitais aos setores social e ambiental, oferecendo aos investidores as salvaguardas que eles desejam.

Estima-se que a indústria financeira mundial (infraestrutura de negócios, capacidade analítica, capilaridade com os investidores, etc), administra mais do que US$ 120 trilhões. Esta máquina pode ser colocada a serviço desse novo paradigma de investimentos. Com efeito, se os detentores desse capital administrado destinassem apenas 0,1% dos seus recursos para as causas socioambientais, o que não é descabido supor, tendo em vista a tomada de consciência diante da urgência socioambiental, teríamos algo como US$ 120 bilhões anuais, montante superior ao volume de recursos que o Green Climate Fund se propõe a arrecadar, montante que se bem aplicado pode alterar significativamente a qualidade de vida do planeta.

A elaboração de um arcabouço regulatório transparente e seguro, como o que regula hoje o nosso mercado de capitais, que viabilize o lançamento de instrumentos de mercado como o FISA, colocaria o Brasil em destaque em relação a esse tipo de investimento e ajudaria a atrair para o país recursos globais que busquem o retorno social ou ambiental, com instrumentos de controle e análise de desempenho adequados. Nota-se, ainda, que este instrumento que explora a eficiência do mercado de capitais pode se constituir numa força motriz para o desenvolvimento de novas tecnologias socioambientais afinados com os desafios que o mundo de hoje enfrenta.

A consolidação de um mercado de fundos de investimento socioambientais irá, organicamente, estimular o crescimento de uma indústria de serviços especializados, como o monitoramento, a certificação e a avaliação de impacto, entre outros, com objetivo de atender a administração eficaz desses fundos. Isso geraria uma gama de novos empregos, além de estabelecer uma nova cultura de filantropia social com responsabilidade. O FISA também abriria um novo campo de atuação para o terceiro setor, já que as ONGs com experiência nas áreas que constituem o foco de investimento do Fundo deverão ser chamadas para assessorar os gestores formalmente instituídos.

Há que se mencionar o potencial desse tipo de instrumento para alavancar as políticas públicas (saúde, educação e preservação do meio ambiente) com o incremento de recursos privados. Em determinado formato, o novo instrumento poderia compor uma nova categoria de PPPs Sociais, nas quais recursos públicos também poderiam ser alocados em fundos cujos regulamentos espelhassem políticas públicas e perseguissem indicadores de desempenho alinhados com essas políticas. E podemos supor que a conjugação de capitais públicos e privados em investimentos sociais e ambientais deverá proporcionar resultados que irão além da alavancagem financeira: ela trará um novo olhar e tornará a sociedade mais parceira desses investimentos.

Para que consigamos avançar significativamente na agenda de sustentabilidade temos que buscar soluções inovadoras que envolvam a criação de uma estrutura de governança, transparência, controle e avaliação de impacto para novos formatos jurídicos de parcerias público-privadas e com o terceiro setor, exatamente o que o FISA busca promover. É muito importante que se criem instrumentos de avaliação efetivos dos resultados alcançados, a partir de metas claras, que podem seguir as métricas desenvolvidas recentemente pelo sistema ONU para os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável.

Finalizando, há algumas aplicações promissoras que poderiam se constituir em carteiras/projetos de um portfólio de fundos, tipo funds of funds. Estamos criando um projeto de impacto social financeiramente sustentável, que visa o incremento da produtividade da mão de obra brasileira, baseada na experiência do Galpão Aplauso, avalizado com indicadores de resultados pelo BID. Trata-se de uma empresa de capacitação de mão de obra, oriunda de comunidades, para atuar em atividades fabris, de construção, de logística, nas áreas de serviços e varejo, com abrangência nacional e que gera impactos positivos ao promover a inclusão social e o aumento de produtividade. Seu trabalho resulta no aumento da competitividade dos setores em questão e a multiplicação da renda desses jovens de baixa escolaridade que, muitas vezes, ficam na iminência de se juntar ao crime.

A situação emergencial de violência urbana no Rio de Janeiro hoje é um caso que justifica uma concentração de esforços do setor privado e nos mercados de tecnologia social e de capitais. Conter a violência é importante, mas a longo prazo a única solução sustentável é prevenir. Isso significa investir em projetos que ajudem a consolidar a paz nos territórios pacificados, através da inclusão social e produtiva daquelas comunidades, preferencialmente por meio do estímulo ao empreendedorismo local. Outra solução que tenho sugerido é a criação de um Centro de Resiliência Metropolitana, que visa integrar informação qualificada sobre gestão pública, de forma a permitir maior integração e eficiência, além de prover mecanismos de participação e controle mais efetivos.

 
Eduarda La Rocque

é economista e sócia da Usina Pensamento.
eduarda@usinapensamento.com.br  

 


Continua...