Mercado de Ações

IPOs:PENSANDO FORA DA CAIXA

Há um clima de alívio no mercado de capitais brasileiro. Depois de um período longo, as captações de empresas brasileiras em renda variável voltaram a crescer de forma expressiva. Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o volume total de emissões de renda variável no acumulado do ano até setembro atingiu de R$ 26,8 bilhões - o maior desde 2010, ano em o volume foi inflado pela operação de capitalização da Petrobras. Este total se divide em R$ 14,1 bilhões de ofertas públicas iniciais de ações (IPOs) e R$ 12,7 bilhões de ofertas subsequentes (follow-on).

E a expectativa é que, com as operações que estão no pipeline, esse volume possa chegar a R$ 50 bilhões em 2017. Apenas para contextualizar, até setembro de 2016, o volume captado era de R$ 7,9 bilhões e apenas de operações follow-on, sem nenhum IPO.

Mas estes dados, verdadeiramente positivos, não têm impedido a discussão sobre os resultados de algumas ofertas recentes. Algumas delas acabaram sendo precificadas no piso do intervalo de preços estabelecido no início do processo de book-building. Em outras, foi necessário mudar o intervalo, diminuindo os preços mínimos, para que a oferta se realizasse. E há casos de ofertas canceladas, pois os preços alcançados não eram satisfatórios para os vendedores.

Diversas razões foram apontadas para essa dificuldade de atingir os preços desejados pelos vendedores. Uma dessas vertentes afirma que o intervalo proposto está incorreto, pois está baseado em uma avaliação agressiva do valor dos ativos feita pelos assessores dos vendedores, que teriam um incentivo implícito em fazer assim para não ficar fora da transação – e em última instância, ampliarem o valor de suas comissões. Outra explicação comum é que o mercado de capitais brasileiro, que nunca foi muito profundo, ainda é bastante concentrado, ainda mais depois de tantos anos de vacas magras. Um grupo pequeno de investidores profissionais (os “gestores do Leblon”) poderia, neste contexto, extrair condições mais vantajosas, pois dominam o processo de formação de preços.

As duas visões principais têm, naturalmente, aspectos relevantes, mas, na nossa visão, são incompletas para explicar o fenômeno. Principalmente ao observarmos o movimento em outros mercados próximos, cuja estrutura e profundidade são semelhantes, mas os resultados têm sido mais positivos. O exemplo argentino é, provavelmente, o melhor. O recente IPO de Despegar.com, empresa de origem argentina que listou ações diretamente na NYSE em setembro último, mostra que sair no piso do intervalo não é sentença. Pelo contrário, a U$ 26/ação, o IPO foi precificado no topo da faixa estabelecida.

Independentemente das características fundamentais da companhia, acreditamos que o caso Despegar.com aponta para outros aspectos importantes:

  • Despegar.com foi lançada há 18 anos e recebeu seu primeiro investimento de private equity após 8 anos de operação, em 2007. Portanto, a companhia vem se preparando para seu IPO há muito tempo, e executou toda uma série de ações nessa direção, ciente que em uma transação como essa, há muito trabalho a ser feito, e com muitos detalhes que fazem toda a diferença no resultado final.
  • O IPO foi, para Despegar.com, um passo inicial do processo, não seu final. Ou seja, a preparação da companhia considerou que a construção de relacionamentos de longo prazo com os investidores é seu objetivo final. E investiu para construí-los de forma organizada e consistente.
  • Além dos bancos de investimentos, obviamente fundamentais no processo, Despegar.com também se cercou, neste processo de preparação, de outros consultores, que puderam ajudar a formular a tese de investimento. Com maior diversidade de visões e sem conflito de interesses, houve chance de discutir o case, desafiar, testar e ajustar eventuais pontos sensíveis, antes que o processo começasse formalmente e principalmente durante a transação, especialmente na elaboração da apresentação e do vídeo do roadshow.
  • A Despegar.com contou com apoio e dedicação de equipe sênior do InspIR Group, sucessora da MBS Value Partners. As equipes de Nova York e da América Latina se envolveram em todos os detalhes, desde as atividades mais básicas como o website de RI até a arte da capa do prospecto, os roteiros do vídeo do roadshow, e finalizando com a cobertura de mídia nos Estados Unidos e na América Latina no dia do lançamento das ações e demais celebrações. Vale destacar que o vídeo do roadshow, em um formato de documentário, assim como a capa do prospecto, são muito comuns em IPOs de empresas tech do Vale do Silício, mas ainda novidade para empresas latino-americanas, e possibilitou apresentar a força e os aspectos únicos do modelo de negócios de maneira mais criativa.
  • O management da companhia esteve aberto, durante todo a processo, a treinamentos e workshops voltados à temática de companhia aberta, desde princípios básicos e questões operacionais até o dry run de Q&A para o roadshow. Essa troca com os consultores foi extremamente rica para ambos os lados, e foi reconhecida pelo mercado.
  • Boa parte destes consultores continuaram (e continuarão) atuando com a companhia depois do IPO. Ou seja, eles têm também uma visão de longo prazo, de construção de relacionamentos duradouros, não transacionais. Seus interesses estão alinhados com os da companhia e com os dos investidores.

Ou seja, o exemplo de Despegar.com (e de outras empresas argentinas que estão em processo de preparação), aponta o caminho para as empresas latino-americanas que queiram ir além em seus processos de abertura de capital, pensando fora da caixa em um processo que ainda não passou pela onda de inovação que já invadiu o mercado de capitais global.

  • Pensar além do IPO, que é linha de partida, não linha de chegada.
  • Planejar o processo, sem queimar etapas e sem atropelar a execução
  • Inovar, em todos os materiais de comunicação
  • Buscar opiniões e visões dissonantes, que contrastem e desafiem a companhia e seus assessores. É melhor estar preparado, pois o mercado irá fazê-lo assim que começar o roadshow. E a melhor forma de estar bem preparado é treinar, treinar, treinar.

Não subestime o valor do tempo investido na sua preparação.

Fabiane Goldstein
é sócia-fundadora do InspIR Group, sucessora da MBS Value Partners. O InspIR Group atende clientes globais de alto crescimento, operando em ambientes dinâmicos e em múltiplas moedas. Estamos entre as consultorias estratégicas líderes em RI na América Latina, inclusive apoiando clientes da região no seu processo de preparação para IPO.
www.inspirgroup.com


Continua...