Fórum Abrasca

LISTA DE ACIONISTAS

Direitos e deveres para acessar a Lista de Acionistas de uma companhia aberta

Acesso a lista de acionistas é um tema recorrente desde a década de 90 do século passado. As companhias começaram a receber inúmeros pedidos de listas de seus acionistas, que eram utilizadas inclusive para fraudes. Ocorreram casos de investidores serem contatados supostamente em nome das emissoras e de assinarem procurações para venda de suas ações, sem saberem exatamente o que estavam fazendo, tendo tido elevados prejuízos.

Assim, na alteração, em 1997, da Lei das S.A., foi dada uma nova redação ao parágrafo 1º do artigo 100 da Lei 6.404, por pleito da Abrasca, com a seguinte forma: “A qualquer pessoa, desde que se destinem a defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal ou dos acionistas ou do mercado de valores mobiliários, serão dadas certidões dos assentamentos constantes dos livros mencionados nos incisos I a III, e por elas a companhia poderá cobrar o custo do serviço, cabendo, do indeferimento do pedido por parte da companhia, recurso à Comissão de Valores Mobiliários”.

Ainda assim, há 21 anos, se questiona a forma de acesso a essa informação, na maioria dos casos alegando-se violação ao princípio de transparência, que rege as companhias abertas. Recentemente (fevereiro deste ano), a CVM voltou a fazer uma interpretação clara e precisa dos requisitos para ter acesso a listas de acionistas. O Colegiado, seguindo o voto do relator, Marcelo Barbosa, presidente da autarquia, negou pedido da Associação dos Investidores Minoritários (Aidmin), que queria ter acesso à lista de acionistas da JBS.

O pedido já tinha sido negado em novembro de 2017, decisão sobre a qual levou a Associação entrar com uma solicitação de reconsideração. Ao julgar novamente o caso, o Presidente Relator, Marcelo Barbosa, concluiu que a Aidmin não teria atendido às condições previstas no art. 100, § 1º da Lei 6.404.

No voto, o relator ponderou que a Associação não demonstrou (mesmo após questionamento específico da CVM) se seria acionista da JBS ou se teria, dentre seus associados, acionistas da companhia, em nome dos quais estaria atuando por conta e ordem.

Além disso, Marcelo Barbosa entendeu que a outra finalidade do pedido – a defesa do mercado de valores mobiliários – “teria fundamentação demasiadamente genérica, a qual, conforme pacífico entendimento do Colegiado seria insuficiente para justificar solicitações com base no dispositivo”.

O relator concluiu seu voto observando que “na ocorrência de novo pedido à companhia com fulcro no art. 100, §1º da Lei 6.404/76, desde que este venha acompanhado de documentação comprobatória de que (i) há entre os associados da Aidmin, na data do novo requerimento, acionistas da JBS; e (ii) a Aidmin tem poderes para representar tais associados acionistas no objetivo que constar do eventual novo pleito – seja através de ata de deliberação, nos termos do estatuto social da Aidmin, seja através de outro meio juridicamente válido – estarão presentes os requisitos legais suficientes para que a Companhia atenda à solicitação feita pela Requerente”.

Pedido de Parecer de Orientação
Em dezembro de 2009 o a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (AMEC) solicitou manifestação da CVM, por meio de Parecer de Orientação, sobre a "inequívoca legitimidade dos pedidos de lista de acionistas, conforme facultado pelo art. 100, § 1º, da Lei 6.404/1976”. O Colegiado decidiu não publicar um Parecer de Orientação, mas fez as seguintes considerações sobre o tema:

1. O disposto no art. 100, § 1º, não obriga a companhia aberta a fornecer certidão dos assentamentos dos livros sociais quando o pedido tem por justificativa facilitar a mobilização dos acionistas com vistas a discutir temas ligados à companhia e a participar de assembleias gerais;

2. O pedido formulado com base nesse dispositivo deve apresentar fundamentação específica, ainda que sucinta, para legitimar o seu deferimento, devendo tal justificativa identificar (i) o direito a ser defendido ou a situação de interesse pessoal a ser esclarecida, e (ii) em que medida a divulgação dos assentamentos dos livros sociais é necessária para o esclarecimento da situação de interesse pessoal ou defesa do direito em questão;

3. A companhia está obrigada a fornecer certidão dos assentamentos que forem necessários e suficientes para o esclarecimento da situação de interesse pessoal ou a defesa do direito identificado no pedido;

4. O fornecimento da lista integral dos acionistas, com base no disposto no § 1º do art. 100 da LSA, só se impõe nos casos em que estiver devidamente justificado que o direito violado ou em vias de ser violado é inerente à qualidade de acionista, sendo a sua defesa de interesse de todos os acionistas;

5. Dessa forma, impõe-se o fornecimento da lista integral de acionistas, com base nesse dispositivo, nas hipóteses em que os acionistas devem atuar conjuntamente para defender algum direito, em razão de a lei ou o estatuto estabelecer quórum mínimo para a postulação diante do Judiciário, da Administração Pública ou dos órgãos da companhia. Seriam exemplos disso a ação de responsabilidade a ser proposta por acionistas (art. 159,§ 4º, da LSA), a ação de exibição integral dos livros da companhia (art. 105,§ 4º, da LSA) e, ainda, o pedido de lista voltado a facilitar a formação do quórum necessário para a convocação da assembleia geral, desde que, neste último exemplo, fique demonstrado que a deliberação sobre alguma matéria a ser incluída na ordem do dia tenha o nítido caráter de defesa de direitos.

6. Pela mesma razão, também se justifica, à luz do disposto no art. 100, § 1º, a concessão da lista integral nos casos em que o acionista tem legitimidade para agir individualmente para defender um direito, que pertence, todavia, a todo e qualquer acionista.

7. Fora das hipóteses de defesa de um direito coletivo ou individual homogêneo, o pedido de fornecimento de certidão dos assentamentos dos livros sociais formulado com o propósito de facilitar a mobilização de acionistas para defesa de seus interesses não atende aos requisitos estabelecidos no art. 100, § 1º, da LSA.

Cabe destacar que a Abrasca participou ativamente na formulação da Lei da S.A (6.404/76) e de seu aperfeiçoamento em 1997 (Lei 9.457), que alterou alguns dispositivos, entre eles o ajuste no primeiro parágrafo do artigo 100.

Antes da reforma promovida pela Lei nº 9.457/97, o Parágrafo 1º possuía redação genérica, que permitia o acesso aos “Livros Sociais de Registro e Transferência” para qualquer pessoa que manifestasse interesse, independente de apresentação de justificativa.

Como esse direito foi muitas vezes exercido de forma abusiva, a norma foi alterada e se passou a exigir que o interessado explicasse os motivos pelos quais desejaria ter acesso a essas informações, indicando qual direito que pretenderia defender ou qual interesse pessoal que justificaria o acesso à informação. Essa alteração legislativa, contudo, não alterou o caráter público desses livros sociais, mas apenas criou regra de justificação que visa a evitar abusos.

Entendemos, portanto, que ao negar o pedido, a CVM respeitou o princípio de transparência como também manteve o espírito original do dispositivo criado pelos autores da lei 6.404, os juristas Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira. Vale ressaltar que o trabalho que vem sendo desenvolvido pelo atual colegiado da CVM, conforme inclusive constava em seus discursos de posse, tem sido pautado em interpretar fielmente a Lei Societária.

Alfried Plöger
é presidente do Conselho Diretor da Associação Brasileira das Companhias Abertas (ABRASCA)
abrasca@abrasca.org.br


Continua...