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Orquestra Societária | Perfil | Ponto de Vista | Teoria & Prática |
Nesta edição, temos a satisfação de entrevistar um grande maestro, Fabio Mechetti, diretor artístico e regente titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais - ou melhor, a Nossa Orquestra – como é carinhosamente chamada por muitos mineiros.
Conforme veremos, a Orquestra Societária – a organização comprometida verdadeiramente, em sua essência, com a ética e as boas práticas de governança corporativa e de sustentabilidade, em completa harmonia com sua estratégia, instrumentalizada pelo Modelo de Gestão Sustentável, gerando a Sinfonia Corporativa – tem tudo a ver com as orquestras musicais, instrumentos de disseminação cultural que contribuem para tornar a Nação melhor e mais culta. Aliás, as orquestras têm, também, muito a ensinar aos dirigentes das organizações.
ENTREVISTA: Fabio Mechetti
Fabio Mechetti é natural de São Paulo e tem uma carreira artística vitoriosa. É mestre em Regência e Composição pela Juilliard School, de Nova York, tendo sido vencedor do importante Concurso Internacional de Regência Nicolai Malko, da Dinamarca. Reconhecido também como grande regente de óperas, ele estreou nos EUA dirigindo a Ópera de Washington.
Em seu repertório, destacam-se produções de Tosca, Turandot, Carmem, Don Giovanni, Così fan tutte, La Bohème, Madame Butterfly, O barbeiro de Sevilha, La Traviata e Otello. Nos EUA, o maestro esteve, durante quatorze anos, à frente da Orquestra Sinfônica de Jacksonville e, atualmente, é seu Diretor Musical Emérito. Foi também Regente Titular das Orquestras Sinfônicas de Syracuse e de Spokane, da qual hoje é Regente Emérito. Foi, ainda, regente associado de Mstislav Rostropovich, na Orquestra Sinfônica Nacional de Washington.
Fabio Mechetti já regeu no Kennedy Center, no Capitólio e no Carnegie Hall, em Nova York, e segue dirigindo várias orquestras norte-americanas, além de participar com frequência de festivais de verão naquele País, como Grant Park, em Chicago, e Chautauqua, em Nova York. Além de sua atuação nos EUA, Fabio Mechetti tem regido orquestras no Canadá, Costa Rica, Dinamarca, Escandinávia, Escócia, Espanha, Finlândia, Itália, Japão, México, Nova Zelândia, Suécia e Venezuela. Atuou ainda como Regente Principal da Orquestra Filarmônica da Malásia, sendo o primeiro regente brasileiro titular de uma orquestra asiática.
No Brasil, as principais orquestras brasileiras já foram regidas pelo maestro Fabio Mechetti. Como Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, desde sua criação (2008), projetou-a no cenário nacional e mundial de música erudita.
A Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, tratada por muitos mineiros como a Nossa Orquestra, foi criada pelo Governo do estado e é gerida pela sociedade civil, por meio do Instituto Cultural Filarmônica. Realizou o seu primeiro concerto em 2008, há 10 anos. Frente ao compromisso de ser uma orquestra de excelência, cujo planejamento envolve concertos de série, programas educacionais, além da circulação, produção e divulgação de conteúdos, a Nossa Orquestra chega a 2018 como um dos mais bem-sucedidos programas continuados no campo da música erudita do Brasil.
Reconhecida com prêmios culturais e de desenvolvimento econômico, seus dirigentes projetam uma nova década com programas valiosos para a sociedade e sua conexão com o mundo. Os números da Filarmônica de Minas Gerais, até 14 de abril de 2018, são impressionantes:
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O Instituto Cultural Filarmônica é uma associação civil sem fins lucrativos, cuja Missão é “viabilizar e administrar a programação artística da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, possibilitando, assim, a produção, o desenvolvimento e a difusão do repertório sinfônico brasileiro e universal”.
Acompanhe a entrevista exclusiva com o maestro Fabio Mechetti:
RI: Considerando a evolução bem sucedida da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, entendemos que existe um Modelo de Gestão Sustentável (MGS) que a mantém. Quais são suas principais características, em sua visão?
Fabio Mechetti: Esta é uma resposta que merece uma longa e necessária introdução. Para explicarmos o modelo de gestão da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, temos que entender, de forma mais ampla, quais são os principais modelos de financiamento das orquestras musicais ao redor do mundo, bem como as principais virtudes e defeitos desses modelos. Eles são, basicamente, três: financiamento estatal, privado e misto – ou híbrido –, sendo que as duas primeiras modalidades são antigas, centenárias, e a terceira, mais recente, tendo surgido há algumas décadas no mundo, em importantes orquestras europeias, como as Orquestras Filarmônicas de Berlim e Viena.
Com respeito ao financiamento estatal, este é típico da Europa e do Brasil. Como vantagem, identificamos a existência de políticas culturais dos estados nacionais em prol da cultura e da disseminação da música erudita. Essas políticas são fundamentais em países onde a democratização da música erudita e das artes, de maneira geral, depende de iniciativas estatais. De outro lado, destacamos a desvantagem da instabilidade associada à vontade política dos dirigentes dos estados nacionais. A vontade política pode variar, conforme o governo, estando muito sujeita às condições específicas do grupo político em alta e do momento que se considera. Um exemplo extremado desse, digamos, risco político, foi o da fusão das Alemanhas Ocidental e Oriental, ocorrida há alguns anos, que culminou, infelizmente, no encerramento ou fusão de várias orquestras de alta qualidade técnica. E podemos apresentar outros exemplos de eventos que podem ocorrer, de forma genérica: cortes orçamentários discricionários do estado, menor atenção às orquestras, maior burocratização de um trabalho que, ao invés de ser algo criativo e motivador, torna-se mero cumprimento de agendas; em casos mais críticos, negligência gerencial pura e simples. E assim por diante. Os riscos são significativos.
No que se refere ao modelo de financiamento privado, este é característico dos Estados Unidos, país no qual tenho atuado há mais de quarenta anos. Nesse modelo, empresas privadas, famílias e pessoas físicas interessadas em incentivar a cultura patrocinam as orquestras, que existem por uma efetiva demanda da sociedade, sem interveniência estatal. A sociedade quer que as orquestras existam, e assim, elas são criadas e patrocinadas. Tal modelo também tem vantagens e desvantagens. Destacamos, por um lado, que o sistema opera com base em meritocracia: tanto os regentes quanto os músicos disputam, em igualdade de condições, em suas respectivas searas, as oportunidades de trabalho. Por outro lado, por simples questão de sobrevivência financeira, existe a demanda por performances populares – apresentações ligadas ao cinema, à TV e a outros meios culturais ditos pop. Conforme a dosagem de performances de música erudita e popular, as orquestras podem se perder de si mesmas, da essência do trabalho de uma orquestra de alto nível: disseminar a música erudita de alta qualidade. Desmotivando, de quebra, regentes e músicos. Existem ainda as variações que podem ocorrer na oferta de financiamento privado, por vários motivos. Esses exemplos mostram que infelizmente, os riscos são, também, elevados.
Assim, podemos afirmar que os modelos de financiamento estatal e privado, embora ainda predominantes, têm fissuras e estão em cheque, no mundo e no Brasil. Em função dessas fissuras, emergiu o modelo misto ou híbrido, que é aquele que vigora, por exemplo, nas Orquestras de Berlim e Viena, centenárias e antes totalmente financiadas pelo estado. Esse modelo híbrido surgiu, portanto, na Europa, para tentar assegurar a sustentabilidade financeira de importantes orquestras, e é, a grosso modo, aquele adotado pela Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, criada em 2008 e gerida por uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), o Instituto Cultural Filarmônica, que opera – precisa operar! – com direção segura, governança forte e muito, muito planejamento e controle.
O modelo híbrido é perfeito? Não, ele também tem riscos que precisam ser considerados com seriedade e geridos diuturnamente. Estamos tratando aqui de riscos de governança e gestão que podem, se não forem bem tratados, inviabilizar o projeto de uma orquestra, por melhores que sejam as intenções dos envolvidos. Para reduzi-los, é preciso que existam alguns elementos críticos e destacamos três, sem esgotar o assunto. O primeiro é a definição da missão da organização responsável pela gestão da orquestra, de forma transparente, para que ela seja entendida por todos. O segundo elemento diz respeito à governança da parceria estado-empresas privadas: esses parceiros precisam estar conscientes de que os recursos que aportam às orquestras e demais formas de cultura não buscam produzir bens e serviços, no sentido tradicional atribuído a esses itens, mas contribuir para que se eleve o nível de civilização da sociedade. Quando disseminamos a música erudita, levando-a ao grande público, estamos dando uma contribuição civilizatória de valor inestimável à sociedade. O processo é paulatino, demanda tempo e amadurecimento dos envolvidos, patrocinadores, orquestra e público. Destacamos a importância do modelo de gestão que viabiliza a existência da orquestra, assegurando fidelidade à sua essência musical, qualidade e sustentação financeira. Por fim, dispor de vários modelos é muito melhor do que dispor de duas ou de apenas uma alternativa. Quanto mais modelos de financiamento disponíveis, melhor para viabilizar projetos, e cada contexto determinará o que melhor se aplica. Não devemos limitar opções; ao mesmo tempo, não podemos fechar os olhos aos riscos significativos que todo modelo tem, isso não seria prudente.
RI: Esta foi realmente uma pequena, mas elucidativa aula expositiva sobre modelos de financiamento de orquestras. Em sua opinião, como o estado, as empresas e a sociedade, de maneira geral, podem contribuir para maior democratização do acesso às boas orquestras e à música clássica?
Fabio Mechetti: Em nossa visão, o estado, independentemente do grupo político que esteja no poder, necessita internalizar seu papel de mantenedor responsável, por que entendemos que ele não deve patrocinar o que não tem qualidade, apenas por patrocinar. A nosso ver, isso não ajuda realmente um país e sua cultura. Nenhum governo deveria injetar recursos públicos preciosos no que não seja bem feito, simples assim. A qualidade, no caso da música, pode ser avaliada, independentemente do gênero que se considera. A música erudita, por exemplo, não é por definição algo de excelência, podendo, a depender das condições específicas de cada grupo de trabalho, ter maior ou menor nível de qualidade. Além disso, indagamos: criar uma lei para incentivar a cultura – estamos tratando aqui da Lei Rouanet – a qual patrocine, em maior medida, cultura de massa que já dispõe de meios para financiar projetos culturais, é, de fato, o caminho certo? Defendemos, de forma intransigente, a existência desse importante instrumento legal no contexto nacional, mas indagamos: a Lei Rouanet tem ajudado, de fato, quem precisa ser ajudado? Tem incentivado quem precisa ser incentivado? Qual tem sido a real eficácia da Lei Rouanet, quando se raciocina de maneira mais ampla e com foco nos interesses coletivos da sociedade brasileira? O que o leitor da Revista RI pensa a esse respeito?
Sobre as empresas, quando seus sócios e dirigentes entendem, de fato, e concordam que elas podem contribuir concretamente para elevar o nível civilizatório da sociedade, isso pode ser transformador. Apenas afirmar que o estado é sempre inconfiável e nunca cumprirá o seu papel, que a nossa produtividade é irremediavelmente baixa e que o povo carece de educação para apreciar produção cultural sofisticada não contribui para mudar o status quo, além de não ser verdade. As empresas podem ter outra visão e dar uma contribuição definitiva para a evolução civilizatória. De maneira geral, elas podem patrocinar cultura de forma consciente, isto é, entendendo que cultura não é sinônimo de meros produtos ou serviços, que cultura é um processo civilizatório. E no Brasil, especificamente, as empresas conscientes certamente atuarão de modo absolutamente transformador se usarem a Lei Rouanet para apoiar quem precisa e quem merece, tornando seu uso não elitista e não centralizado em quem não necessita dos recursos previstos nesse instrumento legal para concretizar projetos culturais. Sem demérito desses projetos, também importantes para o País, mas defendemos um melhor uso de recursos que, se não fossem direcionados para a cultura, seriam carreados para outras necessidades da população. Patrocinar cultura de forma consciente agrega um retorno social inquestionável. Tenho convicção, certeza: quando o povo tem oportunidades concretas, sim, ele abraça a música erudita, independentemente de status ou classe social. A música erudita é universal e sua qualidade intrínseca e grande força podem alcançar muitos seres humanos, não importa onde eles estejam. Isso acontece de forma inequívoca em nossas turnês pelo interior do estado de Minas Gerais, por exemplo.
Quanto à sociedade, nossa experiência de 10 anos à frente da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais ensina que o público está fazendo o seu papel com louvor. Podemos afirmar sem medo de errar: o nosso público comprou a Nossa Orquestra (esta é a forma como muitos mineiros se referem à Orquestra Filarmônica de Minas Gerais). Ele vem comparecendo aos eventos por nós programados, prestigiando nossa Instituição e fortalecendo-a constantemente, por meio de um número crescente de assinantes e de frequentadores eventuais. Temos a convicção de que essa forte afluência do público é percebida pelos nossos atentos patrocinadores, estado e empresas privadas, tornando mais robusta nossa governança e consolidando a confiança em nossa gestão. Isso requer um trabalho intenso e permanente vigilância.
Por fim, é importante reconhecer que, se em vários países a situação das orquestras piorou, no sentido de sua sustentação financeira e mesmo existência, no Brasil, até um certo ponto, o inverso se deu. Isso vem ocorrendo porque outro formato de financiamento – o modelo híbrido – abriu o leque de possibilidades. A Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) é um caso de sucesso que podemos citar nesse sentido, pois, em determinado momento de sua história, seus dirigentes passaram a trabalhar com tal modelo, que é, também, aquele da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Arriscamo-nos a dizer que a adoção desse modelo pela OSESP é um turning point, o qual demonstrou ao Brasil o que já se tinha testado na Europa: pode-se buscar outros players, além do estado, para dar sustentação aos bons projetos, que sejam desenvolvidos por meio de uma governança forte e de uma gestão robusta, independente e muito transparente para os patrocinadores.
RI: De fato, patrocínio consciente é muito importante, ou mesmo fundamental para a cultura. Em sua carreira vitoriosa, quais são os principais desafios que o senhor tem enfrentado? De que formas?
Fabio Mechetti: Destaco dois desafios principais em minha carreira, a qual visualizo como uma caminhada de muito estudo e trabalho em prol do sonho de viver para a produção da música erudita de qualidade. O primeiro desafio diz respeito a ter-me inserido, no início da caminhada, em um mercado de música clássica (estadunidense) baseado, preponderantemente, em meritocracia. Aliás, ao contrário do que se possa pensar, no campo da música erudita, os Estados Unidos são um espaço aberto ao talento, com regras válidas para todos os profissionais. O enfrentamento desse desafio se deu – e ainda se dá, onde quer que atuemos –, com muitos dias e noites de estudo e trabalho. Tenho a convicção de que a minha carreira foi conduzida sem fazer concessões que comprometessem a essência do trabalho de uma orquestra, que é disseminar a música erudita de alta qualidade. É disso que vivemos e é para isso que vivemos. E é assim que trabalhamos na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. A eventual preponderância da música pop em um universo que é, essencialmente, de natureza erudita, configuraria uma forte distorção e criaria perda de identidade. Vale também lembrar que o espaço cultural próprio da música pop já é gigantesco, enquanto que o da música dita erudita é, ainda, extremamente restrito.
RI: A regência de uma orquestra envolve múltiplos aspectos artísticos e gerenciais. Em sua visão, quais são os principais aspectos artísticos da regência de uma obra musical?
Fabio Mechetti: A pergunta cria a oportunidade de esclarecer que existe diferença entre ser diretor artístico e ser regente de uma orquestra. Na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, assumimos ambas as funções e, para que se possa entender essa opção, é preciso ter uma noção sobre as responsabilidades respectivas. O diretor artístico estabelece a filosofia artística, a linha de pensamento do trabalho a ser adotada e isso envolve decisões sobre nível de qualidade (exemplos: desenvolver uma orquestra de nível internacional, oferecer excelentes apresentações, buscar reconhecimento interna e externamente e assim por diante), critérios de seleção, contratação, gestão e retenção de profissionais (escolhas baseadas em meritocracia, a exemplo das blind auditions, regras de trabalho, avaliação de desempenho, formas de retenção de talentos e assim por diante) e outros desafios. Já o regente é o artista com a responsabilidade de unificar os esforços e a energia dos talentos, para que a orquestra se apresente como um time integrado, tecnicamente brilhante e satisfeito por ser parte de algo que encanta as pessoas. Assim, tanto o diretor artístico quanto o regente enfrentam desafios gerenciais e artísticos e é importante que ambos tenham formação musical e capacitação. A opção da Orquestra Filarmônica de Minas de concentrar as duas funções em um único profissional teve o objetivo de reduzir riscos de conflito em uma orquestra jovem (de 10 anos), já que eles existem até naquelas centenárias.
RI: Quais são os principais aspectos gerenciais da regência? Como eles se relacionam com os aspectos artísticos?
Fabio Mechetti: O regente de uma orquestra tem responsabilidades como assegurar fidelidade à partitura – a constituição da obra artística –, definir a estratégia de execução por meio de muito estudo, respeitada a partitura, conduzir os ensaios, fundamentais para a boa performance da orquestra, bem como as apresentações, prestar grande atenção aos artistas e profissionais envolvidos no trabalho (o que está, inclusive, relacionado com a estrutura física da orquestra, com a distribuição espacial dos músicos, conforme veremos adiante), além de acompanhar os profissionais e motivá-los, com comunicação intensa. Nas próximas respostas, explicaremos melhor esses aspectos, destacando que o que torna uma orquestra grande, artisticamente falando, são fatores como capacidade técnica, integração e polivalência, e tudo isso requer pensamento artístico e gerencial.
RI: A execução de uma obra musical pode ser feita de distintas formas e estratégias. Como se constrói uma estratégia para a execução de uma obra dessa natureza? Como regentes e músicos participam dessa construção?
Fabio Mechetti: Primeiramente, cabe ao maestro o estudo em profundidade da obra e de seu compositor, levando em consideração tanto a partitura – a constituição da obra – quanto os aspectos relacionados ao processo criativo do autor, tais como o que ele pretendeu expressar em seu trabalho, em que contexto desenvolveu sua criação e assim por diante. Temos que ter em mente que somos intérpretes e não criadores e, portanto, cabe a nós respeitar em profundidade o autor e sua criação. Dada essa premissa, o regente tem certo espaço para trabalhar, artística e tecnicamente, duas variáveis que alteram o que aqui chamaremos de colorido da obra: a dinâmica, isto é, a intensidade das notas, e a articulação, ou seja, sua duração. Esse colorido cria a diferença entre duas performances de uma mesma obra, regidas por maestros distintos. Ao mesmo tempo, existem aspectos que não são negociáveis: o ritmo e as notas musicais. Estes são definidos e não há espaço para discussão. A estratégia da execução da obra, em suma, abrange dois pilares: fidelidade à mesma e uma performance criativa, emocionante e tecnicamente impecável.
RI: Percebemos que as orquestras são organizadas, que há uma distribuição física estruturada de instrumentos e músicos. Essa estrutura é definida conforme a estratégia musical? Se positivo, de que formas?
Fabio Mechetti: A distribuição espacial dos músicos nas orquestras é tradicional e foi construída ao longo de séculos. Ela está profundamente relacionada com a obra a ser executada. Uma dada obra pode, por exemplo, exigir todos os grupos de instrumentos da orquestra e outra, parte desses grupos. Uma obra pode requerer instrumentos específicos, como uma harpa, e outra não. Além disso, existem consensos técnicos; por exemplo, quanto mais forte for o som do instrumento, mais distante ele fica do público. Outro exemplo: madeiras, como as flautas, que irradiam afinação para toda a orquestra, ficam no centro. O regente então não interfere na estrutura? Esta recebe especial atenção, já que temos que coordenar todos os grupos de instrumentos e a performance dos respectivos artistas. Se o trabalho de coordenação, intenso, não for bem feito, isso pode impactar a performance e o moral de parte da orquestra, aquela que se sentir negligenciada e perdendo a percepção de estar atuando em um time. Destacamos também que, se, hipoteticamente, a estrutura estiver incompleta, se faltarem instrumentos e músicos, a obra será desconfigurada e a estratégia, baseada em fidelidade ao trabalho do autor – um de seus dois pilares! –, comprometida. Seria impensável isso acontecer, mas enfatizamos esse ponto para que se compreenda que a estratégia e a estrutura estão quase que amalgamadas em uma orquestra.
RI: Considerando uma dada estratégia musical, bem como a estrutura anteriormente citada, quais são os principais processos de trabalho do regente e dos músicos? E como gerir esses processos para alcançar o sucesso da obra?
Fabio Mechetti: Sob o prisma do regente, músicos e demais profissionais envolvidos na preparação e execução de uma obra, destacamos aqui três processos: estudos, ensaios e execução da obra. E há um quarto processo que perpassa os anteriores: gestão de pessoas. Todos, regente e músicos, precisam estudar a obra a ser executada. O regente, em função do desenho da estratégia, conforme dito. Os músicos, por que devem chegar aos ensaios com a obra dominada quanto à sua participação específica. Não pode haver surpresas. Ensaios de orquestras dispõem de um período de tempo limitado, precioso e que precisa ser muito bem aproveitado, pois, além dos imprescindíveis estudos, há uma agenda de trabalho a cumprir. Durante os ensaios, a estratégia da obra será consolidada e a integração do time trabalhada. Por fim, a execução será o grande final. Podem ocorrer imprevistos na execução? Certamente, mas o risco será muito pequeno, conforme os talentos e o esforço precedente. Em suma, a equação do sucesso da obra corresponde à soma dos elementos talento, estudos e ensaios.
RI: Sobre os músicos – pessoas –, como um regente deve administrá-los, a fim de obter performances superiores? Como obter dos mesmos o melhor que eles têm a oferecer?
Fabio Mechetti: Tratarei, nesta resposta, de regentes e músicos, por que suas atuações estão entrelaçadas. Destaco aqui três fatores críticos para a gestão de pessoas em uma orquestra: liderança, trabalho em equipe e capacitação permanente. A liderança tem tudo a ver com respeito profissional. Um maestro que desenvolva a estratégia de uma obra de maneira profissional, que saiba como criar uma visão de execução da obra compartilhada, terá o respeito dos demais integrantes da orquestra, esta será a consequência natural. Uma orquestra de alto nível não opera baseada em autoritarismo, mas em autoridade baseada no respeito – esta é uma lógica de liderança fundamental em nosso ambiente. Comunicação é crucial nesse modelo de liderança e aproveitamos para comentar que boa parte – por vezes, a maior parte! – da comunicação do regente com os músicos se dá por meio das mãos, do gestual e da batuta, que unificam os esforços e a energia desses talentos, de maneira que o time execute a obra com brilho, emocionando o público. Sobre o trabalho em equipe, o coletivo, o time é a tônica do trabalho de uma orquestra e quem não entender esse axioma, nela não caberá. Quanto à capacitação, os profissionais de uma orquestra precisam estudar e se aprimorar permanentemente, jamais sobrecarregando o time por negligência. É o que esperamos dos nossos músicos.
RI: Em sua opinião, quais são as melhores formas de compensação de maestros e músicos, em aspectos tangíveis e intangíveis, por performances muito bem executadas ou mesmo magistrais?
Fabio Mechetti: Músicos de alto nível deveriam receber remunerações muito superiores àquelas que eles recebem, em nosso País e no resto do mundo, porque o seu trabalho requer uma vida de estudo e porque eles trabalham com alto nível de estresse. A margem de erro do músico de uma orquestra precisa ser próxima de zero, é preciso perseguir um apuro técnico que somente se consegue com muito estudo. O estresse é compreensível, já que a performance do músico é percebida pelo maestro, demais músicos e plateia, onde também existem ouvidos muito afiados. Pontualmente, a remuneração de músicos de uma orquestra – não no Brasil –, pode alcançar níveis comparáveis àquela de executivos de grandes empresas, mas a tônica ainda é uma remuneração aquém do merecido. A boa notícia é que a visão de que os músicos de uma orquestra de ponta precisam ser remunerados com justiça, de maneira profissional, vem crescendo, inclusive em nosso País. Na Orquestra Filarmônica de Minas Gerais, a remuneração considera nossa capacidade financeira, que depende, fundamentalmente, do governo e dos parceiros patrocinadores. Parte dos músicos têm alguma atividade profissional complementar, no campo da música, mas sem comprometer seus estudos e a busca permanente de apuro técnico, algo que não tem fim. Sobre aspectos intangíveis, mencionamos a importância do time se desenvolver em um ambiente profissional pautado pelo respeito. E não poderíamos deixar de dizer: sem as palmas e a ovação da plateia que inundam os nossos corações com muita alegria, não haveria um sentido final de reconhecimento.
RI: Após tantas informações tão importantes, qual seria a sua mensagem final aos leitores da Revista RI?
Fabio Mechetti: Acredito firmemente no poder transformador das artes e, especialmente, da música. É um grande privilégio poder ser músico e poder compartilhar com a sociedade essa oportunidade. Ao mesmo tempo, espero que haja, por parte do público e dos agentes que permitem que a atividade musical seja possível, uma sensibilidade cada vez maior sobre a relevância daquilo que fazemos e do quanto isso pode contribuir para a emancipação de toda a sociedade. Vivemos em tempos em que existe uma carência real de valores que nos enobreçam. Investir nesses valores reais que a cultura de verdade carrega por séculos e séculos é, não só necessário, mas também transformador. Se quisermos solucionar vários problemas de nossa sociedade (como educação, segurança, desigualdade), não é pela redução de recursos na cultura que isso será atingido. Muito pelo contrário. É no melhor que os brasileiros têm a dar à Nação que a Nação será melhor.
CIDA HESS
é economista e contadora, especialista em finanças e estratégia, mestre em contábeis pela PUC SP e tem atuado como executiva e consultora de organizações.
cidahessparanhos@gmail.com
Mônica BrandÃo
é engenheira, especialista em finanças e estratégia, mestre em administração pela PUC Minas e tem atuado como executiva e conselheira de organizações e como professora.
mbran2015@gmail.com