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As universidades brasileiras ainda são o lócus de uma parcela significativa do pensamento de esquerda, porém, é preciso entender o real significado de uma universidade: ela é em sua origem a casa da pluralidade, da multidisciplinaridade.
Há 38 anos vivo dentro da Universidade Federal de Santa Catarina, lá entrei como aluno de Engenharia de Produção e posteriormente me tornei professor do departamento de Economia, fui para o departamento de Contabilidade e finalmente para o departamento de Engenharia do Conhecimento, que é um departamento multidisciplinar. Deste privilegiado posto de observação noto que, se hoje ainda a esquerda é mais barulhenta, as ideias liberais cada dia são mais presentes.
Em 2003 implantei a primeira disciplina de Finanças Pessoais em uma universidade brasileira. Felizmente hoje tenho quatro turmas lotadas e sempre com longas filas de espera de alunos procurando vaga. Na segunda parte da disciplina ensino os alunos a investirem no tesouro direto, em ações e formas para construir um pecúlio para a aposentadoria.
Acho fascinante ver o impacto na forma de pensar de um jovem quando ele compra sua primeira ação ou seu primeiro título público. De uma hora para outra o jovem entende que uma empresa precisa ter lucro e que a dívida pública precisa ser paga.
Neste semestre um aluno perguntou: “professor esta proposta de auditoria da dívida pública é para não pagar a dívida pública?”. Eu respondi que a dívida pública tem uma administração transparente e que o real objetivo da proposta é não pagar a dívida pública. Então ele espantado diz: “mas então quem tem título público não vai receber? Sim, se a dívida não for paga os investidores do Tesouro Direto não recebem o que investiram, os planos de previdência não poderiam pagar as aposentadorias, as empresas e pessoas físicas não receberiam os valores aplicados em fundos de investimentos e a economia do país sofreria uma colossal recessão.
Um debate se iniciou e um outro aluno questionou se não eram os bancos que emprestavam para o governo. Abri o relatório da dívida onde pudemos ver que 27,35% da dívida pertence aos fundos de investimentos, 24,43% as entidades de previdência e, somente em terceiro lugar, as instituições financeiras com 21,96% seguidos pelos não residentes 12,39%; Governo 4,40%, Seguradoras 3,88% e outros 5,59%.
A importância do Tesouro Direto vai muito além da possibilidade de pequenos investidores acessarem o mercado de títulos públicos. Considero que o principal benefício é o amadurecimento que ele propicia para uma questão tão sensível como a administração da dívida pública.
Vamos imaginar que um candidato a um cargo público qualquer viesse em sua campanha defender o não pagamento da caderneta de poupança, o que aconteceria com este candidato? No entanto, provavelmente veremos candidatos bradando em suas campanhas o não pagamento da dívida ou então defendendo a estranha proposta da auditoria cidadã da dívida pública (www.auditoriacidada.org.br).
Nem tudo são flores
O tesouro direto vinha se popularizando rapidamente, em março de 2018 atingiu a cifra de dois milhões e cinquenta mil contas cadastradas e quase de 600 mil contas ativas, contudo, agora vai passar a enfrentar uma dura prova. Com a queda da taxa de juros e com os elevados custos de custódia corremos o risco de ver a rentabilidade da caderneta de poupança suplantar a de muitos títulos públicos.
Quando a SELIC estava na casa dos dois dígitos a taxa de custódia de 0,3% cobrada pela BMF&Bovespa (CBLC) e as taxas de até 0,5% cobradas por alguns bancos eram aceitáveis, porém, agora com a taxa chegando próxima de 6% ao ano é inaceitável que a taxa da Bovespa chegue a 5% da rentabilidade bruta e supere com folga os 10% de rentabilidade líquida.
Mesmo nos títulos vinculados à inflação o impacto das taxas ainda é brutal. Vejamos como exemplo Tesouro IPCA+ 2024, que no dia que escrevi este artigo pagava juros anuais de 4,58%. Poderíamos pensar que os 0,3% da custódia Bovespa represente 6,5% do rendimento do título. Só que, na realidade, o valor é significativamente maior, pois sobre o rendimento recai imposto de renda. E, mesmo sobre a parcela de inflação é cobrado imposto de renda.
Se o investidor pagar 0,5% de custódia para um banco, 0,3% de custódia para BMF&Bovespa, imposto de renda sobre os rendimentos e também sobre a falsa renda da correção pelo IPCA, vai lhe sobrar muito pouco de rendimento real.
Felizmente a concorrência no setor financeiro fez com que um número expressivo de corretoras deixassem de cobrar taxas de custódia, porém, a BMF&Bovespa através da antiga CBLC tem o monopólio da custódia de títulos públicos comprados no tesouro direto, portanto, assim como o imposto de renda, não tem como fugir da taxa da bolsa.
É urgente que a bolsa de forma voluntária reduza significativamente a taxa cobrada sob pena de corroer a atratividade do tesouro direto. Caso ela não faça isto de forma voluntária é fundamental que as autoridades tomem providências, visto que, sendo monopolista não pode simplesmente fixar o preço como em um mercado livre.
Mais de 75% dos investidores do Tesouro Direto tem menos que três mil reais aplicados. O tesouro não divulga qual o percentual que os pequenos investidores representam do estoque total de R$47,6 bilhões. Pensando apenas com uma lógica empresarial é possível dizer que estas contas de pequeno valor dão muito trabalho para administrar e que por este motivo é concedido isenção da taxa para quem tem mais que 1,5 milhões aplicados, porém, se pensarmos em termos de formação do mercado de títulos públicos os elevados custos são um verdadeiro desastre para o futuro. É difícil de acreditar que os custos da BMF&Bovespa superem os R$143 milhões anuais que as taxas de custódia do Tesouro Direto geram anualmente.
Incentivar jovens e adultos a ingressarem no mercado de capitais, comprando títulos públicos e ações é uma forma de fortalecer o pensamento liberal no Brasil. O ex-presidente da Bovespa, Raimundo Magliano Filho entendia profundamente o papel que a popularização do mercado de capitais tem no futuro do mercado. Infelizmente a Bolsa S/A, esqueceu este papel. Se nada for feito, se o mercado não trabalhar pelo seu futuro, não vai adiantar reclamar do avanço de ideias atrasadas na cabeça dos jovens.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br