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As micro e pequenas empresas (ou empresas que podem teoricamente ser classificadas como tais) representam aproximadamente 27% de todo produto interno bruto brasileiro, 68% de todos os empregos gerados em território nacional e 90% de todas as empresas brasileiras. Isso quer dizer que tais empresas são extremamente importantes para a nossa economia, para a geração de emprego e redução da pobreza e da desigualdade social.
Infelizmente, no entanto, a taxa de mortalidade destas empresas é elevadíssima, principalmente pela falta de financiamento adequado. Uma taxa de mortalidade elevada nos levaria a imaginar que deveríamos ter um regime legal adequado para tentar salvar ou liquidar eficientemente as empresas em crise, notadamente as de menor porte.
Uma coisa que chama atenção é que, hoje, temos um regime legal de recuperação de empresas e falimentar que, mesmo com todas as falhas e problemas, pode, ao menos em tese, ajudar a salvar empresas em crise, ou, em caso de falência, permitir que sejam liquidadas com morosidade menor do que se observava no regime jurídico anterior, do Decreto-lei n° 7.661, de 21 de junho de 1945. Curiosamente, entretanto, está bastante claro que o regime que hoje vigora, da Lei n° 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 ("LREF"), é adequado para empresas de médio ou grande portes. Tal regime, notadamente o de recuperação judicial, é absolutamente inadequado para as empresas de menor porte.
O legislador, ao engendrar o atual regime recuperacional voltado para às micro e pequenas empresas, parece ter agido com boa intenção, mas o resultado claramente deixou muito a desejar. Para evitar a convocação de assembleia de credores (que normalmente está acompanhada de publicações caras e desnecessárias) para deliberar sobre o plano, criou um regime que é muito parecido com a antiga concordata. De acordo com tal regime, o devedor poderá apresentar um "plano especial" de recuperação, por meio do qual dar-se-á ao juízo o poder de conceder algo parecido com o "favor judicial" da antiga concordata, desde que obedecidos os requisitos formais e não forem apresentem objeções de credores titulares de mais da metade de qualquer uma das classes de créditos previstos no art. 83 da LREF. Note-se que o procedimento adotado pelo legislador, parecido com o da antiga concordata, não deveria ter sido, por motivos óbvios, o caminho eleito. Se não funcionava bem antes, não funcionará bem agora.
O primeiro problema com tal procedimento é a regra que impõe ao devedor a obrigação de reajustar a dívida com juros calculados com base na taxa do SELIC. Se o devedor já está com sérios problemas financeiros ao ponto de ter de tentar o caminho da recuperação judicial, não parece muito adequada uma regra inflexível e obrigatória que preveja a remuneração do credor com base na taxa do SELIC, que não representa somente juros ou correção monetária, mas uma composição de ambos. O legislador deveria ter deixado ao próprio devedor propor algo que caiba no seu bolso, já que o que se busca é a efetiva recuperação da empresa.
O segundo problema é que o plano especial de recuperação não permitirá parcelamento com prazo maior do que 36 meses (o que torna tal regime parecido com o da antiga concordata). O que acontecerá se o devedor necessitar de prazo maior para se recuperar? Culminará por ter sua falência decretada simplesmente pela inflexibilidade da lei. Logo, o prazo, inflexível e não muito longo, trará muitas dificuldades à empresa de menor porte que se encontre em dificuldades financeiras.
O terceiro problema está relacionado ao segundo: se prazo para pagamento é exíguo, eventual carência para início do adimplemento também o será. Com efeito, a LREF prevê que o pagamento das dívidas deverá ser iniciado em até 180 dias contatos da distribuição do pedido de recuperação judicial. Um prazo tão curto para uma empresa que está em dificuldades financeiras e que busque a proteção da recuperação judicial não será muito útil para ajudar a salvá-la.
Uma reforma legislativa adequada pode resolver tais problemas com certa facilidade. Já que a inspiração do legislador foi tentar escapar da necessidade de se aprovar o plano especial de recuperação em assembleia de credores – o que é uma excelente ideia, por sinal – poder-se-á flexibilizar as regras que hoje estão em vigor. Mas como fazer isso?
Inicialmente, pode-se criar um modelo de plano especial de recuperação como um default, a ser automaticamente adotado pelos devedores interessados. Assim, a formulação e a implementação do plano especial seriam razoavelmente fáceis e baratas. Mas tal plano especial default não pode ser obrigatório, dando-se aos interessados a oportunidade de não o adotar (fazer o opt-out). Assim, abre-se espaço para que o devedor faça o opt-in e adote plano diferente do default, por meio de regras que sejam autorizadoras (enabling). Desta maneira, o devedor estaria legalmente autorizado para, por exemplo, a adotar prazo maior de carência ou para pagamento da totalidade do passivo novado por meio do plano especial de recuperação.
Tais medidas legislativas, que são simples e de fácil implementação, poderiam ajudar muito as micro e pequenas empresas em crise, de maneira a salvá-las ao se depararem com dificuldades financeiras.
Marcelo Godke
é especialista em Direito Empresarial e Contratos. Mestre em Direito pela Universiteit Leiden (Holanda) e pela Columbia University (EUA). Sócio do escritório Godke Advogados.
marcelo@godke.law