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Com a taxa de juros em 5,5% ao ano e ganhos reais ínfimos em renda fixa, os investidores buscam novas formas para obter rendimento. Neste momento, em que muitos fundos de renda fixa têm demonstrado ganhos abaixo da poupança, vale tudo para fazer o dinheiro multiplicar e os chamados “investimentos alternativos” têm ganhado espaço. Neste sentido, está valendo: de precatórios à vinhos antigos, passando por criptomoedas à obras de arte até chegar às clássicas “pirâmides”. E a tecnologia que possibilita a criação de aplicativos e a multiplicação da informação amplia o movimento.
O apetite dos investidores lembra o início dos anos 70, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ainda nem existia. Naquela época, o foco era o mercado acionário. O lançamento de novas ações levava a ganhos extraordinários semana após semana e, é deste contexto, que vem a lenda real da “Merposa”, sigla de Merda em Pó S/A, uma brincadeira que serviu para ridicularizar a o movimento. Agora, milhares de promessas vazias de rentabilidade muito acima do que é crível faz com que investidores acabem acreditando em Papai Noel e as decepções são inúmeras.
É preciso separar o joio do trigo e, neste caso, o bom senso do investidor é o mais importante, pois nem todos os chamados investimentos alternativos estão sob a alçada da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), ou melhor, quase todos não estão. Tais investimentos fogem das classificações comuns, como ações e renda fixa tradicionais. São ativos que têm particularidades próprias, são de difícil originação e, por isso, em geral, sempre foram alvo de tesourarias de bancos, family offices ou gestores de grandes fortunas. “Quando a gente fala de investimentos alternativos, o primeiro risco é ofender algumas pessoas. Quem vai ganhar dinheiro com fundos de vinho ou obra de arte são aquelas pessoas que conhecem tal mercado”, destaca o doutor em Finanças Comportamentais, Jurandir Sell Macedo.
Há uma certa indignação com os baixos níveis de rentabilidade sem risco, o que torna o mercado mais propício a golpes, manipulação de preços ou promessas improváveis. “Qualquer investimento que prometa dar muito dinheiro com risco baixo, é mentira. As pessoas precisam entender que a taxa de juros caiu. O valor do dinheiro no mundo caiu. E aí é preciso olhar com cuidado para onde investir”, diz Macedo.
Segundo dados da segunda edição da pesquisa da Anbima: “Raio X do Investidor Brasileiro”, feita junto ao Instituto Datafolha, com dados de 2018 coletados por meio de entrevistas com 3,4 mil pessoas de norte a sul do país, a poupança continua sendo o produto preferido entre os investidores: 88% dos brasileiros guardam dinheiro na caderneta. “Acabou a história de comprar títulos públicos que entregavam 12% ou 14% ao ano que era uma maravilha. A perspectiva é de nova baixa dos atuais 5,5%, ou seja, o conforto e a segurança do investidor vão resultar em uma rentabilidade baixa. Estamos nos aproximando de estados civilizados, o que dificulta a vida dos investidores que acabam buscando novas modalidades de investimento. A poupança hoje em dia virou um verdadeiro palavrão, assim como os títulos que rendem, no máximo 100% do CDI. Não faz mais sentido”, diz Alexandre Costa Rangel, da Costa Rangel Advogados.
O palavrão reflete a mudança da realidade, pois a queda de juros atual talvez seja a primeira que ocorre de fato e parece que veio para ficar. “Se formos olhar o passado, veremos momentos em que a taxa de juros caiu de um patamar muito elevado para menores níveis. Lembro que a caderneta de poupança passou a render menos de 1% ao mês e as pessoas passaram a ficar indignadas”, observa Jurandir Macedo. O problema é que, sempre nesses momentos, as pessoas buscam ganhos a qualquer preço. “Na mesma lagoa que um cavalo mata a sede o outro morre afogado. Mas, não é porque a lagoa está ali que ela vai só matar a sede ou o fazer o cavalo ser afogar”.
O menor patamar histórico dos juros no Brasil, já dura um ano e meio. “Juros zero ou negativos já são uma realidade na Europa e na Ásia, mas este cenário é absolutamente novo para o brasileiro. Assim, como não há formação financeira e com os juros baixos, o brasileiro acaba sendo seduzido por uma criptomoeda, um aplicativo de pirâmide e se tornar mais um otário, como falamos na linguagem do risco”, diz o diretor da Sabe Investimentos, Luiz Guilherme Dias.
Com a mudança, após muito tempo focados na renda fixa devido ao histórico de altas taxas de juros praticadas no país, os brasileiros começam a entender a necessidade de buscar novas alternativas para alocarem seus recursos. O mercado acionário foi o primeiro alvo, tanto que a B3 já bateu o número de 1,3 milhão de CPFs cadastrados, um recorde. “De 2017 para cá, o número de investidores mais que dobrou, porém ainda é um traço diante do tamanho da população brasileira. Há um potencial grande de crescimento, que depende de educação e informação de qualidade”, complementa Dias.
Nos últimos meses, a volatilidade das ações assustou e fez com que outras opções ganhassem espaço. Com um público carente de diversificação, o movimento do mercado financeiro brasileiro atual tem duas frentes: aumento dos chamados influenciadores digitais que apresentam melhores oportunidades de ganhos com seus “conselhos”, mesmo sem certificação para isso e de lançamentos de novos ativos, cujas promessas são de melhores rentabilidades ainda.
O cenário de juros tão baixos que ninguém tinha vivenciado até então, está deixando o investidor com uma sensação de vulnerabilidade. “Não há formação financeira para lidar com o momento atual, o que deixa as pessoas muito mais frágeis para uma abordagem pouco ortodoxa, digamos assim. Isso abre muito espaço para fraudes”, alerta Aquiles Mosca, presidente do Grupo Consultivo de Educação da Anbima.
Tokenização
Diante das novas tecnologias que provocam também a disrupção no mercado financeiro, entram no universo dos alternativos, os security tokens (sigla em inglês STO) ou tokens de segurança. Estes últimos consistem em uma categoria de criptoativos em tecnologia de blockchain que estão atrelados ao desempenho dos mais diversos ativos, de energia elétrica à fundos de investimentos em startups ou empreendimentos imobiliários.
Os tokens representam uma fração pequena do total do ativo, o que os torna acessíveis a pequenos investidores e podem gerar liquidez ao ativo de referência. O problema é que há muitas ofertas que não são transparentes naquilo que oferecem ou o investidor nem se preocupa em saber. “O investidor está desesperado por rentabilidade e, na pressa de não perder grandes oportunidades, não toma cuidado em analisar no que ele está alocando o seu dinheiro efetivamente”, afirma o CEO da Hurst Capital, Arthur Farache.
Ele lembra que, com relação aos tokens, a tecnologia é segura, mas não necessariamente a parte do token se comunicando com a economia real proporciona a mesma segurança. “O investidor precisa ler com muita calma todas as cláusulas do token para saber se ali a disposição dos direitos é suficiente para garantir segurança”, alerta Farache. Para isso, é preciso observar o blockchain no qual foi criado o token. Existem ferramentas online em que a pessoa digita o nome do token e consegue puxar o seu registro. Assim, é possível ler as cláusulas do contrato.
“Na ansiedade de obter o investimento, as pessoas não fazem isso, o que é o mínimo. Como você vai comprar um negócio sem ver o que está comprando? É preciso ler o contrato de investimento. Senão você está só acreditando no que pessoa que lhe vendeu o token está falando. E não é por aí. Você precisa saber quais são os seus direitos e quais são as condições”, observa.
Para Farache, a tokenização vai ser tão revolucionária para o mercado de capitais quanto foi a securitização, que ocorreu no início dos anos 2000. Inclusive, alguns episódios já demonstram isso. Recentemente, a SEC, equivalente à CVM nos Estados Unidos, autorizou a tokenização de duas empresas voltadas para o mercado imobiliário. Bancos brasileiros já emitiram CDBs via tokens. Mas, ainda sem muito entendimento da grande população, o oceano azul fica à mercê também de manipulações.
Mercado marginal
As novas ofertas que vem surgindo fora do tradicional, abrangem o que a CVM tem chamado de mercado marginal. “Novos tipos de manipulação de preço surgiram como consequência do avanço da tecnologia. O crescimento do mercado marginal (ofertas irregulares) em função da manutenção de taxa de juros básica da economia em patamar mais baixo é outra mudança de cenário a ser considerada e que demanda atenção e ação por parte da CVM”, diz o planejamento estratégico da autarquia.
As ofertas irregulares alcançam um número cada vez maior de cidadãos graças à veículos de divulgação fácil pela Internet e a uma vontade genuína da população de poupar e investir. O regulador do mercado de capitais projeta para este ano 300 denúncias contra não-participantes do mercado. Até 31 de julho, já foram abertos 152 processos, enquanto em todo o ano passado, o número somou 124 processos. A maior parte das ocorrências está relacionada ao uso de mensagem publicitária que promete ganhos elevados com baixos riscos.
“A disrupção caminha muito mais rápido do que as intervenções regulatórias conseguem. Para que os reguladores não sejam um entrave ou custos associados, a dinâmica atual está adequada. Não se pode engessar muito o mercado’, destaca Rangel.
Nos últimos meses, diversas alternativas de investimento têm sido alvo de investigação pela CVM e as denúncias na autarquia, que tem como objetivo regular a oferta e negociação de valores mobiliários, são crescentes. Dentre os tópicos destacados na revisão do planejamento da CVM está o papel da tecnologia, que tem sido cada vez mais importante no mercado de capitais. “O crescimento de produtos como os Initial Coin Offerings (ICOs), uso do Blockchain, entre outros, impõe aos reguladores um desafio constante de atualização”, afirma o documento.
Ao final de agosto deste ano, a CVM lançou a “Ponte de Inovação”, um canal para receber e debater sobre inovações financeiras que trouxeram à tona temas como criptoativos, sandbox, blockchain, robô advisor e inteligência artificial os quais têm recebido cada vez mais atenção da autarquia. “Esperamos que, com a criação desses canais institucionais de diálogo com interessados em inovação no âmbito do mercado de capitais, surjam discussões relevantes que resultem em ganhos para o mercado, que pode se tornar mais eficiente e competitivo com o adequado emprego de novas tecnologias”, destacou Marcelo Barbosa, presidente da CVM, na ocasião do lançamento. A iniciativa vem do Núcleo de Inovação em Tecnologias Financeiras da entidade, criado em 2016.
Alerta ao cidadão!
Recentemente, a CVM também renovou sua página “Alertas ao Cidadão” que tem por objetivo orientar os investidores sobre ofertas/atuações irregulares no mercado, sem autorização da autarquia, ou sobre companhias que estejam suspensas, inadimplentes ou com registro cancelado. A página contém as deliberações emitidas por áreas técnicas e aprovadas pelo colegiado que alertam sobre atuação ou realização de ofertas sem autorização da autarquia e determinam imediata suspensão da irregularidade, sob pena de multa diária.
Somente este ano, foram 11 emissões de stop order (suspensão) pela CVM. A última foi da Trader Group Administração de Ativos Virtuais EIRELI, em 11 de setembro. A página www.tradergroup.com.br foi removida do ar por ordem judicial. A empresa, que atuava no mercado desde 2017, é acusada de pirâmide financeira. O esquema chegava a prometer ganhos de até 30% mensais. Estimativas dão conta que a Trader Group tenha lesado mais de 5 mil pessoas, provocando perdas de cerca de R$ 20 milhões.
O LexTokens, da Alexandria Holding, também está na lista de stop orders da CVM. A deliberação destaca a colocação irregular de contratos de investimento coletivo no mercado de valores mobiliários pelo site https://lextokens.com. Ainda no ar, a página se limita a definir o LexTokens como um Security Token Offering (STO) lastreado em projetos de usinas de energia renovável em todo o mundo. “Quanto mais usinas são construídas, mais seus Tokens valorizam. Já são mais de 20 MW em usinas ativas e em construção. Nos próximos anos, a projeção é que esse número seja multiplicado por cinco”, diz o site. Para obter mais informações, o investidor precisa se cadastrar.
Matéria publicada na coluna do Broadcast do Estadão, em dezembro do ano passado, afirma que a Lex Tokens é regulada pela Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos (SEC) e pode ser acessada por investidores de qualquer parte do mundo. Os criptoativos têm lastro em usinas de energia construídas que, na época da publicação, somavam R$ 20 milhões em valor patrimonial. “Nos próximos dois anos, a expectativa é que esse valor suba para R$ 700 milhões, considerando as mensalidades de usinas de energias renováveis já construídas pelo grupo e cartas de intenção”, afirma a coluna.
As criptos e tokens de tudo são os que mais chamam a atenção no universo do mercado marginal. Também em setembro deste ano, as atividades BlueBenx, que oferece alavancagem baseada em Bitcoin e criptomoedas, junto com a A2 Trader e NYC Technology, passaram a ser alvo da CVM, que abriu processo administrativo para investigação. E não é à toa a desconfiança. Não importa em que aplicam, mas sim que oferecem rentabilidades inexplicáveis perante a realidade atual.
“Uma questão que preocupa a CVM e os órgãos reguladores com relação a ativos como as criptomoedas é como executar, caso haja algum problema. Porque não há uma garantia, um custodiante, como no caso da ação. É preciso acreditar, inclusive, nas carteiras digitais, onde ficam suas criptomoedas sabe-se lá por qual valor e por quanto tempo. Então se torna praticamente um jogo, onde se pode ganhar muito dinheiro, mas o risco é muito elevado e o investidor precisa se resguardar quase que por ele próprio”, diz Edison Carlos Fernandes, sócio-diretor do escritório Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados - FF Advogados.
Na página da BlueBenx, por exemplo, cita-se o ganho de 170% no ano de 2018, com a chamada: “Quer começar a mudar o seu futuro hoje?” Segundo o site, se o investidor tivesse aplicado R$ 5 mil em janeiro do ano passado, teria R$ 13.450,00 ao final de 2018. “O primeiro ponto que o investidor deve estar atento é ter mais cuidado com os investimentos que fujam do mercado formal auditado e regulado”, alerta Mosca.
Já a A2 Trader vai mais além e promete ganhos financeiros de até 4% a cada dia. Fundada pelo empresário Kleyton Alves em janeiro de 2019, a plataforma garante uma rentabilidade de 160% em apenas 40 dias e diz que seus lucros são fixos e garantidos. Segundo uma estudante que foi convidada, a proposta feita consistia em um investimento de R$ 500,00, o que corresponderia a 10 ações. Seu ganho total, segundo o vendedor seria de R$ 300 em pouco tempo. Após o ingresso na plataforma, ela poderia usufruir também o ganho pelo bônus de indicação: 10% no nível primeiro; 3% nível no segundo e 2% no terceiro. Além disso, o “investidor” pode fazer seu plano de carreira, ganhando prêmios em sua rede de indicados até o décimo nível. “É o esquema de pirâmide claro, mas agora mascarado pela tecnologia”, explica um especialista de mercado.
Marketing é o canal
A grande maioria das ofertas ganha o público dos desesperados por rentabilidade através de propaganda enganosa. Tanto que as promessas falsas de ganhos elevados começaram a chamar a atenção e o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) começou a agir neste sentido.
A Investimento Bitcoin, investigada pela CVM por suspeita de pirâmide financeira recebeu a recomendação do Conar para retirar suas propagandas do ar. Apesar de não ter força de lei, o posicionamento do Conselho demonstra que algo estranho está no ar. A declaração do relator da decisão do Conar é um claro indicativo disso: “A Investimento Bitcoin fere não somente nosso código, (como também) abusa da confiança, da boa-fé, da inteligência e, no meu caso, da paciência”.
Os influenciadores digitais que recomendam ações ou outros investimentos mesmo sem certificação e preparo para isso também são alvo de preocupação por parte das entidades de mercado. “Temos visto aparecer muitos profetas de investimentos. Hoje é quase impossível ouvir uma música ou assistir um vídeo no Youtube sem que apareça alguém que sabe fazer você ganhar muito dinheiro em pouco tempo sem correr muito risco, com dicas únicas”, ressalta Mosca.
Tais pessoas que fazem esse tipo de oferta de conteúdo, em geral, também estão fora do mercado regulado, auditado e não apresentam performance comprovada. “São empresas que se escondem atrás de uma figura jurídica de uma editora ou publicadora que exatamente por ser deste segmento, pode falar o que quiser sem ter um controle dos reguladores como CVM ou Banco Central”, afirma Mosca.
O caso mais emblemático de propaganda “exagerada” é o da empresa Empiricus Research, cujos vários vídeos viralizaram na Internet, como o da Bettina. Na peça publicitária, a funcionária Bettina Rudolph, de 22 anos, afirma ter acumulado um patrimônio acima de R$ 1 milhão, após ter começado a investir com R$ 1.520 em apenas três anos.
Segundo Mosca, existem algumas características que, quando aparecem em conjunto, permitem identificar os falsos profetas. São três principais. A primeira delas é o que se chama em finanças comportamentais de efeito Halo, termo cunhado pelo psicólogo americano Edward Thorndike, o qual defende que cérebro humano julga, analisa e chega a conclusões sobre uma pessoa a partir de uma única característica e formula um estereótipo global do indivíduo. Em geral, os influenciadores do mercado financeiro falam bem, com segurança e são atraentes.
Mas esta faceta por si só não responde à questão. A segunda característica é chamada de “Es”, primeiras letras da palavra especialização. A pessoa se apresenta como um expert sem comprovação nenhuma de formação ou experiência. Ela se mostra como alguém que tem conhecimento único, que sabe o caminho das pedras. Em terceiro lugar, cria-se a percepção para o investidor de escassez. “É uma escassez artificial. Fala-se coisas do tipo, olha é só esta semana, preencha os dados, clique no botão abaixo. Agora você terá acesso a oportunidades únicas... Se cria esta percepção de escassez e o ser humano tende a acreditar que algo que é escasso é valioso”, alerta Mosca.
A união de todas estas características agindo em conjunto para seduzir as pessoas faz com que muitas caiam em momentos de insegurança na tomada de decisão. “Você nunca viu um grande investidor de sucesso recorrer a este tipo de artifício e nem verá. Quem precisa é aquele que é mais vulnerável. É necessário estar atento aos falsos profetas, vistos por muitos como uma forma alternativa de buscar um caminho, um guia na sua vida financeira, sem que nada comprove que isso gera resultados”, resume o especialista da Anbima.
A entidade está buscando se aproximar dos influenciadores digitais que têm uma forma mais acessível de comunicação, não dominam o tema e precisam também de ajuda. Recentemente, a Anbima realizou um evento voltado para pessoas que trabalham com educação financeira e desenvolveu uma série de vídeos e apresentações que podem ser usados pelos influenciadores. “Queremos posicionar a Anbima como uma fonte de referência”, observa Mosca.
Desacostumados
Olhar para ganhos de 4% ao dia faz brilhar os olhos dos brasileiros, que, em contrapartida, observam a renda fixa, cujos ganhos nominais encontram-se em cerca de 5,5% ao ano. “Se pegarmos as curvas longas de juros, os ganhos reais estão exatamente em 3,5% ao ano. Um nível extremamente baixo. Pode até cair mais, porém muito pouco”, ressalta o estrategista chefe da Levante, Rafael Bevilacqua.
Levantamento recente demonstra que, entre os meses de janeiro à agosto de 2019, cerca de 20% dos fundos de renda fixa tiveram rendimento abaixo do da poupança, tradicional opção de investimento conhecida por seus rendimentos pouco atrativos. Neste período, enquanto a poupança rendeu 4,0%, os fundos de renda fixa renderam 4,32% em sua maioria. “A renda fixa é uma boa forma de preservar o valor do dinheiro investido, ainda que tradicionalmente tenha de se abrir mão de ganhos maiores, como os oferecidos pelos produtos de renda variável, de maior risco. Existem, no entanto, algumas opções em que se abre mão da liquidez para obter um maior retorno”, diz Francis Suenaga, CEO do Aplicativo Renda Fixa, que permite pesquisar e comparar vários tipos de investimentos.
Como alternativas, citadas por ele, não há nenhum milagre: CCB, Letra de Câmbio, Fundos Imobiliários e precatórios. “Trabalhar com ações judiciais, como os precatórios, por exemplo, funciona de forma muito parecida com um empréstimo. A garantia pode ser outro ativo. Este mercado é mais estável e bem diferente do das criptomoedas”, explica Fernandes.
Tais ativos rendem mais que o CDI, porém ainda são conservadores perto do que as promessas de ganho fácil no mercado destacam, o que demonstra que há algo errado nas propagandas. “A primeira pergunta é: eu quero ficar rico ou eu não quero ficar pobre? É incrível a quantidade de pessoas que deveriam pensar em proteger o seu dinheiro e que acabam correndo muitos riscos. É preciso pensar o motivo de investir. Não existe milagre em nenhum negócio. Quando se toma mais risco. Um dia, ele cobra seu preço”, complementa Jurandir Macedo.
Ele lembra que é preciso sempre questionar. “Se alguém tem uma boa ideia, por que ofereceu para mim e não para um grande banco? Não é porque uma pessoa ganhou dinheiro com determinado ativo que todo mundo vai conseguir...”, alerta.
Para Rangel, é preciso que os investidores tenham acesso a informações claras, objetivas e transparentes de quais são as vantagens e desvantagens daquele investimento que está sendo oferecido para ele. “Senão quer risco, deixe seu investimento rendendo 5,5% ao ano. Buscar uma maior rentabilidade, requer mais riscos. Mas o que vemos é que o discurso, muitas vezes, privilegia mais o aspecto comercial, estimulando as vantagens daquele investimento, ao invés dos riscos de perda que viram nota de rodapé. O investidor brasileiro precisa se informar melhor sobre tudo o que está batendo na porta dele. Estamos sim preparados para esta diversificação”, acredita.
Desta vez é diferente?
O investidor costuma sempre achar que a próxima oportunidade sempre vai dar resultados diferentes. É só olhar para a história. Na bolha de 1929, pensava-se que, devido às novas tecnologias e ao fim das distâncias - o trem andava a 80 km por hora, e tinha o Telex - a bolsa nunca mais ia cair. Mas, com o estouro da bolha, em três anos, quem tinha US$ 100 passou a ter US$ 8,00. Em 71, aqui no Brasil, do mesmo modo, a visão era de que tudo seria diferente. Houve um crescimento expressivo sucedido de uma crise longa de 13 anos. Nos anos 2000, veio a bolha da Internet e as pessoas acreditaram também que tudo ia mudar.
“Agora com a grande disrupção de vários mercados, inteligência artificial, blockchain e outras tecnologias, não podemos pensar que isso é o que vai dar muito dinheiro. Sempre que a gente vê esses movimentos de inovação, onde tudo o que valia antes não vale mais, as pessoas crêem nestas narrativas. Sempre atrás de alguma bolha, há uma excelente narrativa. É preciso ter em mente que os seres humanos foram feitos para acreditar. É preciso ser crítico e cético com isso”, ressalta Macedo.
Mas é fácil enganar as pessoas, tendo em vista o desconhecimento do brasileiro quando o assunto é finanças. “O brasileiro é mal-educado financeiramente falando. Então ele compra um título de capitalização porque alguém falou para ele que é um bom investimento. E aí a gente já sabe o que acontece. Fica o sonho de ganhar o sorteio e quando ele vai regatar já não tem o todo. É preciso saber o que está fazendo”, observa Dias.
Segundo a pesquisa da Anbima do ano passado, a maioria da população brasileira (54%) não conhece nenhum produto de investimento. Esse percentual não mudou quase nada de 2017 para 2018 e abrange, principalmente, as mulheres (51%), as pessoas com renda de até dois salários mínimos (27%), e os moradores das regiões Sudeste (45%) e Sul (24%). O grande destaque é a menção da caderneta de poupança, apontada por 31% dos entrevistados. Os títulos públicos e privados tiveram alta de um ano para o outro no conhecimento popular. A boa notícia não vale para os fundos de investimento. Em 2017, ano de queda da Selic, maior busca por rentabilidade e, consequentemente, o boom de captação do produto, os fundos foram citados por 9% dos entrevistados, enquanto em 2018 caíram para 7%.
A pesquisa também aplicou perguntas aos entrevistados com opções de alternativas, chamadas de perguntas estimuladas. Nesse caso, o conhecimento dos produtos de investimento aumentou significativamente em relação às respostas espontâneas. Em média, foram selecionados sete produtos por pessoa. A poupança, por exemplo, passou de 31% para 90%; seguida da compra e venda de imóveis, com 83%, que subiu cinco posições. A previdência privada também mudou de patamar, chegando a 67% de conhecimento, principalmente entre pessoas com idade entre 45 e 59 anos, maior escolaridade e poder aquisitivo.
A parcela da população que não conhece nenhum investimento caiu consideravelmente, de 54% para 2%. “Apesar das pessoas citarem, em média, sete produtos de investimento que conhecem, há ainda uma diferença grande entre os que conhecem e investem (considerando os 42% da população que têm investimentos). Por exemplo: ações foram mencionadas por 73%, enquanto apenas 1% da população aplica nesses papéis. A poupança é conhecida por 90% e utilizada efetivamente por 37% dos brasileiros. Essa discrepância não é exclusiva desses dois produtos e acontece, em menor escala, com todos”, explica o documento divulgado pela Anbima.