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Diante da atual pandemia da Covid-19 e à luz das orientações proferidas pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e por autoridades governamentais no sentido de restrição à circulação e à aglomeração de pessoas, é necessário que as companhias busquem alternativa confiável para a realização de suas assembleias gerais. A adoção de assembleias digitais mostra-se adequada a esse momento de extrema gravidade, pois permite a preservação da integridade física dos acionistas e de todos que participem das assembleias e, ao mesmo tempo, assegura o exercício de seus direitos e o cumprimento dos deveres legais das companhias e de seus administradores.
A Lei nº 6.404/76 (LSA), nos artigos 132 e seguintes, estabelece que, nos quatro meses subsequentes ao término do exercício social, os acionistas, reunidos em assembleia geral ordinária (AGO), devem deliberar acerca das contas da administração, das demonstrações financeiras e da proposta de destinação do resultado do exercício relativamente ao exercício encerrado.
A Medida Provisória nº 931, de 30.03.2020 (MP 931), dentre outros temas, estabeleceu que:
excepcionalmente, para o exercício social que se encerra entre 31.12.2019 e 31.03.2020, a AGO poderá ser realizada em até sete meses da data de encerramento do seu exercício social;
para as companhias abertas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) poderá flexibilizar a regra do local de realização da assembleia, autorizando, inclusive, a “assembleia digital”; e
para as companhias fechadas, os acionistas poderão participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos do disposto na regulamentação do Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia (DREI).
As assembleias gerais, segundo a regra geral, devem ser realizadas presencialmente na sede da companhia. A LSA (artigo 121, § 1º.) já dispunha que nas companhias abertas os acionistas poderiam participar e votar a distância em assembleia geral, nos termos do disposto na regulamentação da CVM. A maior flexibilidade trazida pela MP 931 está, portanto, principalmente, na possibilidade de se realizar a assembleia por meio digital, desde que autorizada pela CVM (art. 124, §2º-A), o que restou disciplinado pela Instrução CVM nº 622, de 17.04.2020, que implementou alterações na Instrução CVM nº 481, de 17.12.2009 (ICVM 481). Embora a LSA não disponha expressamente sobre assembleia digital para as companhias fechadas, o DREI emitiu a Instrução Normativa nº 79, de 14.04.2020 (IN DREI 79), dispondo sobre a participação e votação em reuniões e assembleias de sociedades anônimas fechadas, limitadas e cooperativas.
Assim, qualquer sociedade anônima (e também sociedades de responsabilidade limitada e cooperativas) pode realizar assembleias gerais de acionistas*: (i) presencial (ii) parcial (semipresencial) ou (iii) exclusivamente de modo digital.
(*) A CVM ainda não se manifestou com relação a permissibilidade da realização de assembleia de debenturista pelo modo digital. Já com relação a fundos de investimento de imobiliário, a área técnica da CVM havia disponibilizado o Ofício-Circular n° 5/2020/CVM/SIN, de 09.03.2020, dispondo sobre nova plataforma eletrônica (da Central de Inteligência Corporativa da B3) a ser utilizado será utilizado por administradores de fundos e agentes de custódia para viabilizar o exercício do direito de voto a distância. Posteriormente, editou a Deliberação CVM n° 849, de 31.03.2020, permitindo que os fundos de investimento regulamentados pela CVM realizem assembleias gerais, ordinárias ou extraordinárias, de forma virtual.
Pelo modo digital, a participação à distância dar-se-ia mediante a utilização de plataforma digital (sistema eletrônico) contratada pela companhia, por meio da qual os acionistas, previamente identificados, teriam acesso ao ambiente virtual do conclave, participando dos debates e manifestando seu voto. No âmbito desse espaço virtual, os administradores da companhia verificariam a quantidade de acionistas presentes, realizando os competentes registros (art. 21-V, §2°, ICVM 481), promovendo a formação da mesa assemblear à luz das regras estatutárias e, constatada a presença do quórum mínimo legal para a instalação da assembleia, seriam iniciados os trabalhos para a apreciação das matérias pautadas. Com a utilização do sistema eletrônico, permite-se que, além dos acionistas, os administradores, conselheiros fiscais e representantes do auditor independente participem dos debates e deliberações, independentemente de suas localizações geográficas. Na assembleia exclusivamente digital, os trabalhos assembleares dar-se-iam à distância.
A realização das assembleias por meio digital pode representar uma forma mais fácil e eficaz de cumprimento das obrigações sociais, bem como aproximar maior número de acionistas das atividades da companhia. Pode ser uma solução de melhor qualidade que o instrumento do voto à distância, que afasta os acionistas dos debates, exigindo uma prévia definição de voto, nem sempre desejável diante do dinamismo das discussões que surgem durante o conclave, que propiciam decisões mais bem refletidas.
Os meios tecnológicos empregados nas assembleias digitais devem atender à realidade de cada companhia, considerando o número de seus acionistas, permitindo uma participação de forma efetiva e segura, para viabilizar discussões e debates inerentes ao processo de decisão colegiada, incluindo, no caso das companhias abertas, a possibilidade de comunicação entre acionistas. A utilização do meio digital para realização de assembleia vem ao encontro dos interesses dos acionistas em geral, especialmente dos minoritários, permitindo que, com menor custo, participem efetivamente dos debates e exerçam, na assembleia, seu direito irrenunciável de fiscalizar os atos de gestão.
São considerados presentes na assembleia o acionista cujo boletim de voto à distância tenha sido considerado válido pela companhia e aquele que tenha registrado sua presença no sistema eletrônico de participação à distância, os quais, “além de presentes, devem ser considerados assinantes da ata da assembleia geral” (art. 21-V, ICVM 481).
Necessário, portanto, que o sistema eletrônico para participação em assembleia assegure, no mínimo, o registro de presença dos acionistas e o registro dos respectivos votos (art. 21-C, ICVM 481). Para esse fim, a companhia, em procedimentos prévios à assembleia, forneceria uma senha eletrônica para ingresso no ambiente virtual, como medida de segurança adicional às ferramentas tecnológicas disponíveis, podendo servir para comprovar a participação do acionista e apresentação de seu voto. A companhia deve gravar, para seu uso, a assembleia, com o cuidado de preservar a confidencialidade do conclave, que é aberto unicamente aos acionistas e demais participantes elencados na LSA.
Tanto na IN DREI 79 (art. 6°, VII) como na ICVM 481 (art. 21-C, §1°, II), existe regra expressa exigindo a gravação da assembleia digital. Por analogia, dever-se-ia aplicar a regra do art. 100, §1°, LSA, para efeito de se dar acesso à gravação aos acionistas.
O anúncio de convocação deve prever expressamente que assembleia será digital ou semipresencial (mista), bem como informar como os acionistas podem participar e votar a distância, sendo que tais informações podem ser divulgadas de forma resumida, desde que haja a indicação de endereço eletrônico na internet onde as informações completas estejam disponíveis. A companhia pode estabelecer o prazo de antecedência para que o acionista que pretenda participar por meio do sistema eletrônico tenha que apresentar previamente os documentos comprobatórios da sua titularidade de ações.
Para companhia aberta, o prazo mínimo pode ser de até dois dias antes da data de realização da Assembleia, enquanto para companhia fechada, até trinta minutos antes do horário estipulado para a abertura dos trabalhos.
O desafio será a real disponibilidade, a custos razoáveis, de plataformas eletrônicas que proporcionem a segurança necessária à realização das assembleias digitais. Criada a demanda, aguarda-se que as soluções tecnológicas e a praxe comercial mostrem-se efetivamente viáveis para a implantação dessa salutar alternativa, que também poderia, futuramente, tornar-se cada vez mais corriqueira e se aplicar a outros conclaves, como os de debenturistas ou outros credores da companhia.
Recentemente, IRB Brasil Resseguros S.A. e CCR S.A. permitiram a participação de acionistas a distância, em assembleias realizadas em 27.03 e 09.04, tendo a CCR recebido manifestações escritas de voto de acionistas.
O item único da ordem do dia da AGE do IRB Brasil Resseguros S.A. foi deliberado mediante o voto exclusivo da União Federal, na qualidade de titular da ação preferencial de classe especial (Golden Share) de emissão da companhia, no exercício do direito que lhe é conferido pelo art. 8°, §2º, I, do seu Estatuto Social.
Embora o anúncio de convocação não tenha incluído informações detalhando as regras e os procedimentos sobre como os acionistas poderiam participar e votar a distância na assembleia, IRB e CCR publicaram posteriormente comunicado ao mercado e aviso aos acionistas, respectivamente, dispondo sobre a participação a distância. Ainda que o anúncio de convocação não tenha incluído as informações exigidas pelo regulamento da CVM, há norma transitória (art. 2° da ICVM 622), permitindo à companhia aberta, cuja assembleia tenha sido convocada antes da edição do referido ato normativo (17.04.2020), realizar o conclave de modo parcial ou exclusivamente digital, desde que, por meio de comunicado de fato relevante, tais informações sejam fornecidas aos acionistas.
Em caráter excepcional e mediante apresentação prévia de justificativa, no caso das assembleias parcialmente digitais, a companhia aberta poderá realizar a assembleia fora da sede e até mesmo do município de localidade da sede da companhia.
Assim, no contexto atual, as assembleias digitais ganham inegável força e maior difusão, o que contribui para que, no futuro, sejam utilizadas em maior escala.
Finalmente, registre-se que, se não comparecer no horário marcado, o acionista estará impedido de participar da assembleia: “O acionista que comparece presencialmente pode participar da assembleia desde que apresente os documentos até o horário estipulado para a abertura dos trabalhos, ainda que tenha deixado de depositá-los previamente”.
João Laudo de Camargo
é sócio sênior do Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.
jcamargo@bocater.com.br
Maurício Gobbi dos Santos
é associado do Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados.
msantos@bocater.com.br