Ponto de Vista

TEMAS ESG ENTRAM DE FORMA ESTRUTURADA EM CONSELHOS E COMITÊS

A governança da sustentabilidade é o eixo central para o compromisso genuíno e a efetiva implementação das ações socioambientais. Essa relevância, já reconhecida por investidores responsáveis, vem ganhando espaço e viabilizando transformações reais em organizações que antes reduziam a pauta de sustentabilidade a agenda de uma equipe específica. A temática ESG tem se tornado recorrente nas pautas das reuniões dos conselhos de administração (CA), e tem ganhado destaque com a criação de comitês específicos para endereçá-la.

Nota-se um avanço no envolvimento direto do conselho com a temática socioambiental, como a divulgação e frequência da discussão das pautas, divulgação de habilidades e a promoção de espaços de formação para os conselheiros.  Esse processo surge principalmente como resposta a dois fatores: stakeholders mais mobilizados e investidores mais exigentes.

As redes sociais amplificaram a voz da sociedade civil organizada, clientes e comunidade do entorno, oferecendo maior força para questionamentos de externalidades e impactos negativos ocasionados pelas empresas. A pressão gerada por esse engajamento, antes restrita a campanhas de algumas ONGs, agora surge de forma difusa e em escala. Ao mesmo tempo, investidores reconhecem cada vez mais a gestão de temas socioambientais como uma importante estratégia de gestão de riscos, e elevam as exigências relacionadas, induzindo maior transparência e responsividade por parte das empresas.

A integração de aspectos socioambientais na gestão de riscos vem ocorrendo inicialmente de forma voluntária, na medida em que os benefícios econômicos de curto e médio prazo são notados pela alta liderança. Entretanto, em grande parte dos casos, a abordagem de temas socioambientais pelo conselho ainda ocorre de forma reativa, respondendo principalmente a demandas de conformidade legal. Embora alguns aspectos regulatórios já caminhem nesse sentido (como por exemplo a Resolução 4.557 da CMN em 2017, e a obrigatoriedade de reporte de riscos climáticos a partir de 2022, prevista pela nova agenda do Banco Central), o Brasil vem enfrentando um afrouxamento em seu arcabouço legislativo relacionado a questões socioambientais, e empresas que se limitarem a ele tendem a ficar obsoletas.

Os comitês de sustentabilidade vêm se destacando como instâncias relevantes na qualificação das discussões socioambientais. Embora os comitês de assessoramento sejam instâncias já conhecidas pelas empresas, principalmente para endereçar pautas de auditoria e riscos, comitês específicos para a agenda de sustentabilidade surgem do amadurecimento da governança, tanto como resposta às demandas crescentes de investidores quanto como forma de posicionamento competitivo.

Essa instância pode favorecer o aprofundamento técnico e dar subsídios qualificados para a tomada de decisão, como reconhecido por conselheiros de empresas brasileiras. Nesse sentido, os comitês de sustentabilidade fortalecem a capacidade de gestão ESG da alta liderança, antecipando tendências, provocando discussões, facilitando o fluxo de comunicação e atuando como guardião da agenda na organização. No Reino Unido, por exemplo, a existência de comitês de sustentabilidade aumentou diretamente a efetividade de estratégias de responsabilidade corporativa e a performance socioambiental de empresas listadas entre 2009 e 2016. Entretanto, para que o potencial do comitê de sustentabilidade seja maximizado, é preciso garantir a institucionalidade e perenidade de sua existência, formalizando seu escopo preferencialmente em estatuto, e prever a articulação com outros comitês de assessoramento. Esses fatores são ressaltados por conselheiros membros de comitês de sustentabilidade, juntamente com e existência de regimento interno, agenda estruturada de reuniões, conexão com especialistas técnicos e estratégicos externos e composição diversa.

A pauta da diversidade da alta liderança também ganhará espaço cada vez maior nas análises dos investidores. O Goldman Sachs, por exemplo, estabeleceu em 2020 que a presença de ao menos uma pessoa de grupo minoritário (com foco em mulheres e negros) no conselho será requisito para apoio a ofertas iniciais de ações (IPO) para empresas europeias e americanas. A BlackRock, que em 2020 protagonizou o chamado dos investidores pela descarbonização, indicou que deve impulsionar a agenda da diversidade racial e de gênero nos próximos anos, assim como a Nasdaq e a State Street Global Advisors. Há uma correlação clara entre empresas diversas e os níveis de colaboração, inovação, qualidade do ambiente de trabalho e performance financeira, atuando como um fator determinante para o amadurecimento na agenda de sustentabilidade organizacional.

Em termos de diversidade de gênero, os conselhos das empresas brasileiras de capital aberto vêm apresentando avanços. Um levantamento indicou que, em 2020, 77,3% das grandes empresas brasileiras de capital aberto possuíam ao menos uma mulher no conselho - um avanço em relação há quatro anos, quando apenas 50% das empresas analisadas se enquadravam nessa condição (Gráfico 1).

Gráfico 1
Composição dos conselhos das principais empresas brasileiras de capital aberto

Gráfico 1 
Composição dos conselhos das principais 
empresas brasileiras de capital aberto. 
Fonte: Adaptado de Egon Zehnder, 2020.

Embora os dados apontem para avanços importantes, a participação relativa de mulheres ainda está longe de ser igualitária: em média, as mulheres representam apenas 15% da composição dos conselhos - ainda que isso represente avanço em relação a 2016, quando as mulheres representavam em média 6,8%. Nos comitês o padrão de sub-representatividade se repete, com mulheres ocupando 17,1% das posições em 2020. Entretanto, essa proporção aumentou significativamente desde 2016, quando somente 6,8% das posições eram ocupadas por mulheres (Gráfico 2). Em termos de diversidade racial, a sub-representatividade é ainda mais grave. Em 2016, pessoas negras representavam apenas 4,9% dos membros de conselhos de administração nas maiores empresas brasileiras.

Gráfico 2
Proporção média de mulheres em comitês e conselhos em 2016 e 2020 nas principais empresas brasileiras de capital aberto

Gráfico 2 
Proporção média de mulheres em comitês e conselhos em 2016 
e 2020 nas principais empresas brasileiras de capital aberto
Fonte: Adaptado de Egon Zehnder, 2020.

É importante que a pauta ESG se amplie nas discussões da alta liderança não só quantitativamente (aumentando a frequência com que o assunto é abordado em reuniões de conselho), mas também qualitativamente (incluindo instâncias como comitês com especialistas externos, diversificando a discussão e integrando a temática na gestão de riscos). Essa é uma agenda que implica em mudanças estruturais, que podem transformar o próprio modelo de negócio das organizações. As pautas discutidas pelo CA tendem a abranger nos próximos anos, além de mudança do clima e diversidade (que ganharam os holofotes no último ano), questões relacionadas a biodiversidade, uso de recursos e bem estar. Por isso, empresas que se preocuparem não somente com aspectos midiáticos e reputacionais, mas também com decisões efetivas em direção ao desenvolvimento sustentável, obterão melhores resultados.  

Marina Briant
é analista sênior de consultoria da SITAWI Finanças do Bem.
mbriant@sitawi.net

Felipe Nestrovsky
é gerente sênior de consultoria da SITAWI Finanças do Bem.
fnestrovsky@sitawi.net


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