Em Pauta

UNICÓRNIOS: MAIS APORTES EM STARTUPS & NOVOS IPOs

plataformas tecnológicas e disruptivas ganham destaque
O ecossistema empreendedor brasileiro, que amadureceu nos últimos anos, é beneficiado pelo fluxo de capital. Por sua vez, a pandemia está acelerando o processo de digitalização e a busca por eficiência dos negócios. Qual é o cenário e os desafios?

Unicórnio é o nome de uma startup que possui valor de mercado acima de US$ 1 bilhão. O termo foi utilizado pela primeira vez em 2013 por Aileen Lee, fundadora da Cowboy Ventures, com sede em Palo Alto, na Califórnia (EUA), em um artigo que ela escreveu falando sobre um pequeno grupo de empresas desenvolvedoras de soluções inovadoras e disruptivas, que cresceram de forma acelerada conquistando inúmeros clientes e fatias relevantes de mercado e, por isso, altamente avaliadas. Na época, ela comentou que o unicórnio, um ser místico e raro, era uma boa analogia para essas startups.

Entretanto, os unicórnios vem se tornando menos raros no cenário global. Existem 518 unicórnios no mundo, apesar da alta concentração nos Estados Unidos com 48% do total e na China, com 23,5%.

Aqui no Brasil, a quantidade ainda pode ser considerada pequena em relação ao potencial do nosso mercado, mas nem tanto pelo complexo ambiente de negócios. De todo modo, é um fenômeno recente por aqui. No início de 2018 surgiu o primeiro - a “99” - mas do ano passado para cá, o número de unicórnios saltou de oito para 12.

Em 2020, alcançaram esse estágio de valuation a Loft, a VTEX e a Creditas e, em janeiro deste ano, foi a vez de startup MadeiraMadeira. Desse modo, elas se somaram a 99, Nubank, iFood, Gympass, Loggi, QuintoAndar, Ebanx e Wildlife Studios.

Já ao considerar também as startups que fizeram IPO e que possuem valor acima de US$ 1 bilhão, que são a PagSeguro, a Arco e a Stone, o número total passa a 15.

O Distrito, hub de inovação para startups, fez um estudo com apoio da KPMG - “Corrida dos unicórnios 2021”, mapeando a atuação dessas empresas no país, das que são aspirantes, com alto potencial de atingir esse estágio, assim como dos IPOgrifos, como define as startups super valiosas de capital aberto.

“O que os unicórnios têm em comum é que todos possuem negócios em formato de plataforma digital; são asset light, ou seja, leves em ativos e baseados em softwares e focados no lifetime value, na melhor experiência dos clientes”, diz Gustavo Araujo, CEO e co-fundador do Distrito.

Segundo ele, nos últimos 10 anos, houve um amadurecimento do ecossistema de empreendedorismo e inovação. Toda a cadeia veio se fortalecendo, incluindo universidades, associações, aceleradoras, investidores-anjos e fundos de venture capital, entre diversos agentes. Além disso, a taxa de juros em patamar mais baixo, não só no Brasil, mas em diversas outras economias, causou a migração do capital para alternativas diferenciadas.

De acordo com dados do Distrito mais um novo grande aporte na Loft que foi realizado após a divulgação do estudo, os unicórnios brasileiros levantaram um volume total de US$ 5,2 bilhões em investimentos. O Nubank foi o mais investido (em torno de 27% desse total). “No começo deste ano, o Nubank, que é uma empresa customer centric, recebeu um grande aporte e passou a valer mais que o Banco do Brasil”, comenta Araujo.

E depois dessa nova rodada de investimentos, analistas passaram a comentar em relatórios e na imprensa que a empresa de serviços financeiros estaria se preparando para um IPO. O Nubank, que possui mais de 34 milhões de clientes, vem gradativamente aumentando o leque de produtos e serviços, ao mesmo tempo que adota novas estratégias de monetização.

Entre os unicórnios brasileiros, o estudo do Distrito aponta que a maior rodada foi a de US$ 500 milhões do iFood em 2018, feita pela Movile e pelos fundos Naspers e Innova Capital.

Outro aspecto interessante do levantamento é que o tempo médio para atingirem o valor de mercado de US$ 1 bi foi de oito anos. A Loft, plataforma que usa a tecnologia para simplificar vendas, compras e reformas de apartamentos, foi a empresa mais rápida que conseguiu se tornar unicórnio: apenas dois anos. Em março, ela recebeu um investimento de US$ 425 milhões, liderado pelo fundo D1 Capital, que puxa uma longa lista da qual fazem parte Advent International, Altimeter Capital, CPP Investments, GIC, Tiger Global, Andreessen Horowitz, Silver Lake, Soros, Monashees e outros.

Conforme o Distrito, há 17 empresas de setores diversificados com potencial de alcançar esse patamar entre este e os próximos anos - Conta Azul, Dr. Consulta, Neon, Minuto Seguros, Petlove, Cargo X, Contabilizei, Pipefy, Olist, Solinftec, Superlógica, Tembici, Fazenda Futuro, Zenvia, Buser, Take Blip e Cortex. “Chegamos a esses potenciais unicórnios depois de avaliarmos suas estratégias de crescimento. Vimos também que algumas dessas startups poderão alcançar esse status devido aos perfis das próximas rodadas de investimentos”, comenta o CEO do Distrito. Os principais critérios usados foram estimativa de valuation orientada por dados, número de rodadas e valor dos aportes já recebidos, modelo de expansão por meio de aquisições, número de colaboradores e vagas abertas, além da experiência dos fundadores. Até o momento, essas startups promissoras captaram US$ 1,5 bilhão.

UNICÓRNIOS


99
App de mobilidade urbana que permite agendar corridas, conectando passageiros e motoristas/taxistas. A empresa também conta com serviço de delivery 99Food e carteira digital 99Pay.
Fundação: 2012
Quando virou unicórnio: Janeiro/2018
Nubank Líder em tecnologia financeira da América Latina. Seu primeiro produto foi um cartão de crédito sem taxas controlado por um App. Hoje, oferece um leque maior de serviços como o Nubank Rewards e conta digital Nubank. No ano passado, adquiriu a corretora Easynvest.
Fundação: 2013
Quando virou unicórnio: Março/2018
iFood Plataforma online de encomenda e entrega de alimentos. Ela permite que os usuários encontrem restaurantes próximos às suas localidades, chequem os menus e façam os pedidos, avaliando depois a qualidade de atendimento.
Fundação: 2011
Quando virou unicórnio: Novembro/2018
Gympass Marketplace online que oferece passes para utilização de academias. Com uma única conta, o usuário pode acessar milhares de academias registradas na plataforma.
Fundação: 2012
Quando virou unicórnio: Janeiro/2019
Loggi Plataforma de serviços de delivery. Atende tanto indivíduos quanto negócios - restaurantes, escritórios etc., oferecendo estrutura de acompanhamento das entregas.
Fundação: 2013
Quando virou unicórnio: Junho/2019
Quinto Andar Imobiliária digital livre de burocracia. Atua com aluguéis, compra e venda de imóveis. Oferece seguro fiança de aluguel, uma garantia para os proprietários dos imóveis.
Fundação: 2013
Quando virou unicórnio: Setembro/2019
EBANX Fintech que oferece uma solução de processamento de pagamentos crossborder a partir da América Latina, possibilitando que negócios globais aceitem pagamentos nas moedas locais da Região.
Fundação: 2012
Quando virou unicórnio: Outubro/2019
Wildlife Studios Plataforma desenvolvedora e publisher de jogos para dispositivos móveis. Se destaca entre as principais do mundo. Dentre os jogos mais populares estão o “Tennis Clash” e o “Zooba”.
Fundação: 2011
Quando virou unicórnio: Dezembro/2019
Loft Plataforma que usa a tecnologia para simplificar as vendas, compras e reformas de apartamentos. 
Fundação: 2018
Quando virou unicórnio: Janeiro/2020
VTEX Fornece soluções de e-commerce no modelo Software as a Service (SaaS) para empresas de diversos portes.
Fundação: 1999
Quando virou unicórnio: Setembro/2020
Creditas Fintech de empréstimo online com veículos ou imóveis em garantia, o que reduz os juros e as parcelas. Passou a oferecer também crédito consignado e outros serviços.
Fundação: 2012
Quando virou unicórnio: Dezembro/2020
MadeiraMadeira Plataforma digital especializada em vendas de produtos para casa – acabamento, iluminação, móveis e artigos de decoração.
Fundação: 2009
Quando virou unicórnio: Janeiro/2021

Fonte: Distrito – “Corrida dos Unicórnios 2021”

IPOgrifos


PagSeguro  

Plataforma de soluções de pagamentos para negócios físicos e e-commerce. A empresa também possui a sua conta digital PagBank. Fez IPO na Bolsa de Nova York em 2018.
Fundação: 2006
Quando virou IPOgrifo: Janeiro/2018

ARCO

Plataforma de educação modelo SaaS. As soluções da Arco Educação são no modelo turn key, ou seja, prontas para uso por outras instituições. Em 2018, lançou suas ações na Nasdaq.
Fundação: 2006
Quando virou IPOgrifo: Janeiro/2018

Stone

Stone surgiu de uma brecha no mercado, ocasionada pelo fim do monopólio das adquirentes. Oferece plataforma de gestão de pagamentos, acesso a empréstimos, conta para pessoa jurídica e planos para a fidelização dos clientes. Realizou IPO na Nasdaq.
Fundação: 2012
Quando virou IPOgrifo: Dezembro/2018

Fonte: Distrito - “Corrida dos Unicórnios 2021”

Aspirantes a Unicórnios


Conta Azul
Plataforma para gestão financeira na nuvem focada em Pequenas e Médias Empresas (PMEs).
Fundação: 2012
Dr. Consulta Rede de clínicas populares e que oferece agendamento online de consultas, exames laboratoriais e procedimentos simples.
Fundação: 2011
Neon Fintech que oferece contas sem tarifas, cartões de crédito e investimentos. Entre as suas aquisições, está a da corretora Magliano no ano passado.
Fundação: 2014
Minuto Seguros Plataforma de venda de seguros pela internet, que fornece a contratação 100% online, e que ainda dispõe de uma rede de atendimento humano altamente qualificada para demandas e dúvidas dos clientes quando ocorrem os sinistros.
Fundação: 2011
Petlove Plataforma de e-commerce de produtos para animais de estimação. A primeira do segmento a lançar um App.
Fundação: 1999
CargoX Marketplace de frete do Brasil. A plataforma faz o match entre as empresas e caminhoneiros. É conhecida como “Uber dos caminhões”.
Fundação: 2013
Contabilizei Surgiu como plataforma online de contabilidade e passou a oferecer contas correntes digitais para PJs.
Fundação: 2013
Pipefy Plataforma de gerenciamento de processos em nuvem para áreas de marketing, vendas e financeira.
Fundação: 2014
Olist Conhecida como o marketplace de marketplaces. A startup ajuda pequenos lojistas a se conectarem aos maiores marketplaces como Magazine Luiza e B2W.
Fundação: 2015
Solinftec Agtech que desenvolve soluções de monitoramento e automação de lavouras.
Fundação: 2007
Superlógica A fintech começou oferecendo um software de gestão para imobiliárias e depois expandiu sua atuação para abarcar a gestão de condomínios, escolas e outros negócios.
Fundação: 2001
Tembici Startup de mobilidade mais conhecida pelas bicicletas laranjas para uso compartilhado, projeto este que é patrocinado pelo banco Itaú.
Fundação: 2009
Fazenda Futuro Foodtech que produz alimentos feitos à base de plantas que simulam o gosto e a textura de carne vermelha, frango, entre outros, visando a substituição da proteína animal.
Fundação: 2019
Zenvia Plataforma de engajamento que permite que empresas se conectem e se comuniquem com seus clientes via SMS, WhatsApp, Facebook Messenger, voz, chatbots e soluções de IA.
Fundação: 2003
Buser App para compras de passagens de ônibus para viagens intermunicipais, permitindo economia aos usuários por atuar com um sistema de fretamento colaborativo.
Fundação: 2017
Take Blip Startup focada em mensageria e soluções online de atendimento a clientes com uso de dados e inteligência artificial.
Fundação: 1999
Cortex Startup especializada em Growth Intelligence – soluções para marketing e vendas de empresas de diferentes portes.
Fundação: 2003

Fonte: Distrito - “Corrida dos Unicórnios 2021”

A Cargo X, logtech que conecta transportadoras e motoristas de caminhão de forma 100% online, eliminando a ineficiência de caminhões rodando vazios ou abaixo da sua capacidade, teve US$ 195 milhões de investimentos desde o seu início em 2013. “No começo, o mercado não era tão evoluído e havia baixíssima oferta de recursos, diferente do que ocorre hoje. Vale eu ressaltar ainda que, inicialmente, é sempre muito desafiador demonstrar o projeto e conquistar a confiança dos investidores. A captação do primeiro US$ 1 milhão foi muito mais difícil do que os US$ 80 milhões mais recentes”, diz Federico Vega, fundador e CEO da Cargo X. Essa rodada mais atual foi em abril do ano passado, liderada pela LTG Lightstone, controlada pelo banco LGT da Liechtenstein Royal Family, incluindo as participações de Goldman Sachs Growth Equity, Valor Capital e Farallon Capital, que já tinham feito outros aportes na empresa.

A Cargo X atende 400 mil caminhoneiros, 20 mil transportadoras e mil embarcadores e Federico Vega considera a entrada de novos sócios para acelerar o crescimento. “Estamos investindo em vendas, marketing e tecnologia, inclusive temos vagas em aberto nessas áreas. Com novas captações, poderemos internacionalizar a operação antes do previsto”, afirma. Na empresa, o CEO é quem faz o papel de RI. “O CFO e os analistas me ajudam a montar os materiais, mas eu costumo tocar as apresentações”, comenta Federico Vega.

Outra aspirante a unicórnio, a Minuto Seguros é maior corretora de seguros online do país e tem como principais diferenciais a quantidade de seguradoras e produtos oferecidos e o suporte aos clientes. A plataforma já captou US$ 47 milhões, sendo que o maior volume foi da Redpoint eventures e da Intact Ventures, que é da seguradora canadense Intact. “O que os investidores mais olham é a capacidade de execução do fundador e dos gestores, assim como o addressable market, a demanda a ser explorada, os potenciais clientes”, explica Marcelo Blay, CEO da Minuto Seguros. Ele comenta que é sempre proativo na interlocução com os investidores que já fizeram aportes e com os potenciais. “Para captar as rodadas, desde o princípio, contei com apoio de assessores financeiros, pois são processos complexos”, destaca Blay.

Segundo ele, realizar IPO sempre esteve no radar da empresa, que recentemente tem conversado com bancos de investimentos. “Temos o interesse em abrir capital, porém isso depende de fatores externos”, diz Blay. O CEO da Minuto Seguros diz que aguarda uma janela mais favorável, com redução das incertezas políticas e econômicas. No entanto, ele ressalta que há alguns anos o mercado era impermeável a esse tipo de empresa, o que vem se alterando. “Antes, a gente não conseguiria sensibilizar os investidores na Bolsa, mas hoje há um interesse maior por empresas da nova economia, não somente nas tradicionais e consolidadas como bancos, siderúrgicas e petrolíferas”, avalia.

Fluxo de investimentos para startups
Gestoras de fundos de private equity e venture capital investiram R$ 23,6 bilhões em empresas brasileiras em 2020, apenas 7% menos do que em 2019 em um contexto complexo. É o que revela uma pesquisa da ABVCAP (Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital).

Pela primeira vez na história, os investimentos em venture capital superaram os de private equity. O segmento de VC somou R$ 14,6 bilhões em 200 empresas investidas.

De forma geral, os fundos de venture capital tem papel mais operacional, dão suporte para as empresas que validaram produtos e serviços e estão indo para a etapa de impulsionar as vendas e ganhar escala, diferentemente dos de private equity que são focados em aperfeiçoar os negócios que já estão em estágio mais maduro. “O cenário da pandemia acelerou tendências e alguns segmentos foram privilegiados, em especial os relacionados à digitalização como fintechs, aplicativos de entregas de comida e compras de supermercado, plataformas de e-commerce e marketplaces. Houve o descolamento muito forte do desempenho dessas empresas inovadoras em relação à média da economia, pelo alto grau de tecnologia que elas possuem e ambiente de baixa concorrência”, explica Humberto Matsuda, coordenador do comitê de Venture Capital da ABVCAP. Conforme ele, o motor de crescimento de VC foi menos ligado ao surgimento de novas empresas e mais pela performance positiva que várias startups vem apresentando, reunindo condições de absorver maiores volumes de dinheiro.

Na avaliação de Rodrigo Baer, sócio da Redpoint eventures, o que está acontecendo no setor de startups é a maturação da safra de 2011 e 2012, a primeira financiada por empresas de venture capital no Brasil em escala. Ele destaca que a taxa de juros em patamar mais baixo consiste em um fator positivo, porém, os cases de sucesso são grandes responsáveis por impulsionar o setor como um todo. “Na hora que essas empresas crescem e começam a tocar a população de forma mais ampla como o Nubank, cresce o interesse por essa classe de ativos”, diz. Somado a isso, o ecossistema mais maduro e todo o aprendizado adquirido nos últimos anos farão com que novas empresas se desenvolvam mais rápido.

Para Baer, há uma forte propensão para o avanço das techs. “No Brasil, como é difícil saírem investimentos de longo prazo em infraestrutura, muitos gargalos de ineficiência terão que ser resolvidos com tecnologia”, afirma.

A dinâmica da Redpoint eventures é investir em seis a sete empresas novas a cada ano. Hoje, são 48 startups no portfólio com cerca de US$ 300 milhões investidos. Nesse grupo, estão as aspirantes a unicórnios Minuto Seguros, Pipefy, Tembici, Olist e Cortex, segundo o Distrito. E os unicórnios Creditas, Gympass e Nubank.

A Kaszek Ventures possui 70 empresas no portfólio na América Latina, totalizando US$ 1 bilhão sob gestão, Historicamente, o Brasil corresponde a 70%. “Estamos em conversas para fazer grandes investimentos em companhias no Brasil. Olhamos empresas com equipes incríveis que tenham o sonho de oferecer produtos inovadores para grandes mercados até então mal atendidos”, afirma Santiago Fossatti, responsável pelo escritório da Kaszek no país.

Entre as investidas da Kaszek, estão os unicórnios Nubank, Creditas, MadeiraMadeira, Loggi e QuintoAndar e as aspirantes Dr. Consulta, Petlove e Contabilizei. A gestora também fez aporte na GetNinjas, plataforma para contratação de serviços locais como reformas, limpeza e aulas particulares, que protocolou recentemente pedido de IPO na Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

Outro case é a Alice, que se autodefine como uma gestora de saúde individual, oferecendo um plano de saúde que mescla atendimento presencial e telemedicina, com transparência e ajuda na parte preventiva. A healthtech levantou este ano uma série B de US$ 33,3 milhões, rodada que teve participação da Kaszek, Canary e Maya Capital, que já eram investidores, mais o Endeavor Catalyst. Com isso, a Alice, fundada em 2020, já recebeu US$ 47,8 milhões.

Conforme Fossatti, as fusões e aquisições (M&A) estão aquecidas. Por exemplo, no fim do ano passado, dois negócios foram fechados. O Grupo Zap, do qual era acionista minoritário, foi comprado pela OLX por R$ 2,9 bilhões. E outra empresa investida, a Zup, especializada em serviços de tecnologia e projetos open source , foi adquirida pelo Itaú Unibanco por R$ 575 milhões.

Renato Ramalho, CEO da KPTL, gestora de VC resultante da fusão entre a A5 Partners e a Inseed Investimentos, tem hoje 60 empresas em portfólio, que receberam em torno de R$ 1 bilhão em investimentos.

A KPTL tem pioneirismo e liderança em agritechs, mas também apoia empreendedores de healthtechs, govtechs e empresas especializadas em Internet das Coisas (IoT), entre outras. “Nos colocamos em fronteiras da tecnologia, porém, do que é novo de forma ampliada”, afirma Renato Ramalho, da KPTL. Conforme ele, no país são mais raras as inovações profundas, o que mais existe está ligado à digitalização de processos. “Por isso, olhamos para tudo o que é inovação e conhecimento profundo em cima de propriedade intelectual e biotecnologia. Por exemplo, tiramos do papel a maior fábrica de ventiladores pulmonares a Magnamed, que inclusive cresceu muito na pandemia”, comenta.

Cada vez mais há novos players para apoiar os negócios. A Fuse Capital, gestora de venture capital, abriu a captação do seu primeiro fundo no ano passado com foco em startups promissoras sediadas no Rio de Janeiro. Já levantou 50% da sua meta inicial de US$ 25 milhões. “Nosso fundo atua de forma diferente, não somente em equity, mas também com crédito para startups”, diz João Zecchin, cofundador e sócio da Fuse. Hoje, são seis empresas no portfólio, sendo que duas são de Inteligência Artificial – a AIO, que oferece soluções para a área de educação, e a Fligoo, que têm aplicações para grandes clientes corporativos.

O outro sócio da Fuse Capital, Dan Yamamura, diz que o horizonte é promissor. “No Brasil, tirar um projeto do papel e botar para rodar exige muita criatividade, pois são muitos os desafios a serem superados. Nos Estados Unidos, é mais fácil executar uma ideia, mas depois a concorrência é muito maior. Já aqui, quem consegue executar, se vê sozinho por um tempo, conquista grande fatia de mercado e fica assim por mais tempo”, afirma. Para ele, o segmento de fundos ilíquidos prosseguirá em evolução no país e o ciclo de alta da Selic não deverá ter impacto significativo. “Hoje, os investidores têm mais apetite ao risco. Mesmo com a taxa de juros da economia mais elevada pela frente, o mercado é mais resiliente e educado”, comenta Yamamura.

A Kinea, gestora do Grupo Itaú Unibanco, lançou no ano passado o fundo Kinea Ventures, que é um corporate venture. O foco são investimentos - a partir de R$ 10 milhões, por meio de participações minoritárias em rodadas a partir da série A. “Olhamos para fintechs e outros tipos de empresas como edtechs, healthtechs e legaltechs que possam colaborar com a produtividade e eficiência”, afirmou Philippe Schlumpf, head do Kinea Ventures, um evento online da Apimec no mês passado com o tema “Quanto vale uma startup?”. Segundo ele, as empresas precisam estar na etapa de product market fit. “Isso significa que o produto já foi testado e começa a ter tração. Então, os próximos passos são definir a máquina comercial e as estratégias para ganhar escala”, explicou.A primeira investida foi uma fintech, a Monkey Exchange, marketplace de recebíveis, que conecta pequenas empresas com instituições financeiras. Na rodada, o Kinea Ventures, junto com a gestora americana Quona aportaram US$ 6 milhões.

“A inovação aberta se faz relevante. As grandes corporações entraram no jogo, estão criando veículos de investimentos e adquirindo startups”, disse Pedro Prates, superintendente do Itaú Unibanco e co-head do Cubo, maior hub de empreendedorismo tecnológico da América Latina, criado em 2015 pelo banco e a Redpoint eventures. Ele, que também participou da videoconferência da Apimec, comentou que a maioria dos gestores C-Level no país estão preocupados com a transformação digital e ganho de eficiência, mesmo nas companhias mais tradicionais. Hoje, fazem parte do Cubo 470 startups e 25 corporações.

Democratização e influencers
Criada em 2016 a partir da união dos portfólios dos investidores-anjos João Kepler e Pierre Shurmann, a Bossanova Investimentos é uma micro venture capital que investe em startups em estágio pré-seed. O foco é em empresas B2B e B2C com modelos digitais, que já estejam operando e faturando.

Em seu portfólio constam mais de 500 startups como a RankMyApp, uma solução corporativa em inteligência de marketing e aquisição para mobile Apps, e a SmartHint, que tem um sistema de buscas e recomendações inteligentes para melhorar a experiência de compras de lojas virtuais. Ao todo, já realizou 733 investimentos.

A Bossanova ampliou recentemente o quadro de acionistas com as entradas do Grupo BMG em 2017, do empresário Thiago Oliveira em 2019 e do Grupo Primo, comandado pelo Thiago Nigro, investidor e influencer, no mês passado. “Para continuar crescendo e ter liderança no mercado, resolvemos ampliar o nosso conselho, board e estrutura. Com a entrada do Thiago Nigro, o Primo Rico, no quadro de acionistas, queremos democratizar o acesso ao capital por meio de investimentos em série no estágio inicial”, afirma João Kepler, CEO da Bossanova. Com o networking, know-how e popularidade do Thiago Nigro e dos demais membros do grupo, o objetivo da gestora é atingir um público que ainda não conhece nem aplica a mentalidade de equity. Outros influenciadores do Grupo Primo também já estão atuando como Joel Jota, Bruno Perini e Breno Perrucho. “Vamos aproveitar a experiência do Grupo Primo para criar um braço de educação na Bossanova e ensinar os empreendedores a investirem corretamente”, acrescenta Kepler.

Startups: novos IPOs
Chamam a atenção os IPOs de startups. Segundo especialistas e agentes de mercado, além das saídas por M&A que são as mais representativas historicamente, os fundos estão contando cada vez mais com a alternativa das aberturas de capital.

Há novos tipos empresas entrando na Bolsa, entre elas a Méliuz, plataforma especializada em cupons de descontos e cashback, que levantou R$ 661,7 milhões e a Enjoei, plataforma revenda de roupas e artigos usados - um brechó online, que obteve R$ 1,13 bilhão – sendo que ambas as aberturas de capital foram feitas em novembro de 2020.

Em fevereiro deste ano, foi a vez da Mosaico, dona dos sites de busca e comparação de preços Buscapé, Bondfaro e Zoom, que movimentou R$ 1,2 bilhão; da Bemobi, empresa de serviço de assinatura de Apps e jogos, que levantou R$ 1,26 bilhão, e da Westwing, loja virtual de artigos de decoração, que totalizou R$ 1,16 bilhão.

Na lista de pedidos de IPO protocolados na CVM estão a GetNinjas, plataforma de contratação de serviços locais; a Bionexo, de softwares de gestão na área da saúde; a Infracommerce, plataforma de soluções de comércio eletrônico, e a Dotz, de programa de fidelidade, entre outras.

Está abrindo o leque na B3. “A Bolsa trabalhava muito com grandes empresas, mas agora há a entrada de micro caps, small caps e mid caps de base tecnológica. E, para buscar alfa, os investidores estão dispostos a correr mais riscos”, completa Humberto Matsuda, da ABVCAP.

Para Rodrigo Baer, sócio da Redpoint eventures, apesar desse movimento ser positivo, é preciso cautela. ”Tenho receio que, em um mercado tão quente e pujante como está, algumas empresas tomem a decisão de fazerem IPOs antes de estarem prontas para isso, criando histórias ruins. Mas, por enquanto, as histórias são boas em grande parte”, diz.

De acordo com João Kepler, da Bossanova, o desejo de fazer IPO está na mente da maioria dos fundadores de startups, entretanto, existe uma escada para ser subida, degrau a degrau - estágio seed, séries A, E, C e assim por diante. “Nesse caminho até o IPO é importante pensar em gestão, governança e compliance. Muitos tem pressa para abrir capital, mas se não tiverem base, serão apenas apressados e não vão chegar lá. Auditar a empresa desde sempre já é um passo importante”, afirma.

Ainda segundo especialistas, diversas dessas novas empresas têm receitas, mas os resultados – os números da última linha, ainda são pequenos. “Alguns exemplos demonstram que os investidores estão dispostos a comprar teses de growth, avaliando que essas startups têm potencial para se desenvolverem e se tornarem mais rentáveis lá na frente”, avalia Dan Yamamura, sócio da Fuse Capital.

O economista e consultor financeiro, Ricardo Sirotsky, destacou no evento da Apimec “Quanto vale uma startup?” que o valuation deve considerar a inovação incremental, a propriedade intelectual, dimensionamento de TI, os atributos da marca, a capacidade de escalar, de se internacionalizar, os aspectos ESG e a rede de contatos.

No entanto, um grande gargalo está na qualidade da comunicação das empresas, segundo especialistas. Gustavo Araujo, CEO do Distrito, afirma que existem diversos casos de startups que possuem tecnologias avançadas, mas não conseguem comunicar ou demonstrar suas inovações com êxito e, assim, seus múltiplos acabam sendo prejudicados.

Nesse contexto, ele ressalta a importância dos profissionais de Relações com Investidores, mesmo em estágio anterior ao IPO. Quando as empresas ainda são pequenas, os próprios fundadores podem exercer esse papel, mas à medida que se estruturam para receber rodadas de fundos e aportes de investidores qualificados e profissionais, precisam do suporte. “Os RIs têm papel estratégico na construção da narrativa, baseada em dados, para que o mercado perceba o valor das startups, compreenda o que estão fazendo e onde pretendem chegar”, destaca Araujo.


Continua...