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SINTONIA FINA NO REPORTE ESG DO NOVO FORMULÁRIO DE REFERÊNCIA

A Abrasca encaminhou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) as considerações de suas associadas no âmbito da audiência pública propondo reformulação na Instrução 480 para aperfeiçoar o FRE – Formulário de Referência. A iniciativa da autarquia veio em linha com pleito da Associação consubstanciado por um extenso trabalho que continha sugestões para redução no custo de observância regulatória das companhias abertas. Ou seja, grande parte dessas recomendações foi contemplada na minuta de instrução, que entrou em audiência no início de dezembro do ano passado.

O trabalho da Abrasca começou em 2017 com a aplicação de mais de 50 entrevistas presenciais a companhias associadas cujo resultado foi a proposta de reduzir o número de informações no FRE. Além disso, foi celebrado convênio com o Núcleo de Estudos Contábeis da FGV para fazer uma profunda análise conjunta de todos os requerimentos de informações que a CVM determina às companhias abertas prestar.

Na época, a própria CVM incentivou a Abrasca a ampliar as sugestões, o que deu origem ao projeto “ABERTAS+SIMPLES”, reunido sugestões de alterações em quatro grandes grupos: Fiscalização e Controle, Ofertas Públicas, Representação Acionária (Boletim de Voto a Distância) e Prestação Obrigatória de Informações.

Cabe, portanto, reconhecer e parabenizar a iniciativa da autarquia por atender às preocupações das companhias abertas e se dispor a revisar as normas da Instrução 480. A reforma da ICVM 480, porém, contemplou, além da simplificação do FRE, propostas de aperfeiçoamentos nos conteúdos referentes à apresentação de informações ambientais, sociais e de governança corporativa (ESG, na sigla em inglês), que foram objeto de sugestões da Abrasca.

Comentários e sugestões
Por meio de suas comissões técnicas, a Associação realizou várias discussões para analisar as propostas feitas pelas CVM e enviou comentários sobre diversos itens, entre eles: riscos ESG; resumo de decisões e processo judiciais; informações sobre ilícitos e fraudes e medidas sobre prevenção; informação sobre política de ESG; contribuição a candidato a cargos políticos; obrigação de o emissor informar a composição, em termos raciais e de gênero, dos órgãos da administração e do conselho fiscal; obrigação de informar condenações criminais ou em processos administrativos; diversidade dos funcionários e terceirizados; transações com partes relacionadas.

Entretanto, há um ponto que deve ser ressaltado em função da sua relevância e atualidade: os detalhamentos de informações sobre ESG no Formulário de Referência. Atualmente o emissor deve informar no FRE riscos que podem influenciar uma decisão de investimento e que estejam relacionados a “fatores socioambientais”. Na atual proposta da CVM esses riscos foram desmembrados em três alíneas: sociais, ambientais e climáticas. De acordo com o edital, esse desmembramento teria por objetivo tornar clara a obrigatoriedade de que todos esses fatores devam ser tratados.

Na verdade, neste formato, as questões “socioambientais” acabam muitas vezes sendo diluídas em outros itens do campo 4, com potencial sobreposição com outros riscos, como os relacionados ao emissor e fornecedores. Nesse sentido, o entendimento que prevaleceu nos debates é que as empresas devem concentrar o reporte de questões ambientais, sociais ou climáticas exclusivamente nesses itens específicos, evitando referência a outros fatores de risco, excluindo assim a possibilidade de sobreposição.

Com relação à criação de uma categoria de informações isoladas para o reporte de riscos climáticos, a entidade considera recomendável agregá-la à categoria de riscos ambientais, que assim passaria a se chamar “riscos ambientais e climáticos”. O seu desmembramento implicará em aumento de custos de observância.

Com relação à necessidade de disposição das informações em ordem decrescente, a Abrasca considera que a classificação é uma exigência desafiadora, pois os temas são transversais e mutuamente impactantes, com sobreposição entre eles. Dessa forma, qualquer tentativa de criar ordens hierárquicas de prioridade se mostrará difícil ou até mesmo inviável, em certos casos, dentro da realidade da gestão da companhia.

Transação com parte relacionada
Este também é um item polêmico, principalmente pela proposta da CVM de reduzir o prazo para comunicar ao mercado transações com partes relacionadas. Cabe destacar que atualmente as companhias já são obrigadas a informar a realização de operações envolvendo essas partes em até sete dias úteis contados da realização da operação, conforme artigo 30, XXIII, da ICVM 480.

Esse prazo, nos termos do edital, estaria supostamente defasado com a prática internacional, especialmente tendo em vista que alguns países estrangeiros passaram a exigir a divulgação imediata de transações, conforme informado no relatório Doing Business de 2020 do Banco Mundial. A proposta da CVM é reduzir o prazo para três dias.

Na verdade, o documento informa apenas dois países que teriam passado a adotar o disclosure imediato de transações com partes relacionadas, a Armênia e a Sérvia; ambos sem qualquer expressão em termos de mercado de capitais. O próprio relatório reconhece a existência de um trade-off entre facilitar a observância de normas regulatórias pelos emissores e o risco de aumento na assimetria de informações ao mercado.

A razão pela qual a divulgação imediata de transações entre partes relacionadas é considerada positiva, em termos de facilitar a realização de negócios em um país, é por, supostamente, diminuir o desequilíbrio de informação entre controladores e minoritários. Ou seja, uma forma de proteger o pequeno investidor.

O ponto é que a jurisdição brasileira já atende à divulgação imediata na medida em que, pelo artigo 3º da ICVM 358, qualquer fato ou ato que possa afetar, de forma ponderável, a decisão de investidores deve ser divulgada como fato relevante ao mercado de forma imediata. Ou seja, não só as transações entre partes relacionadas, mas qualquer ato ou fato relevante que possa afetar a decisão de investimento.

Entende-se que essa justificativa para a divulgação imediata – redução da assimetria de informação – não é atingida, pois o prazo proposto – três dias úteis – para efeitos de corrigir desconformidade de informação ainda é considerável. Nesse sentido, observa-se que o Doing Business cita apenas alterações normativas que resultem na divulgação imediata dessas transações, mas não reduções de prazo em geral para a sua apresentação.

A Abrasca sugeriu, portanto, manter o prazo de atualização do FRE relativamente a transações com partes relacionadas em sete dias úteis, lembrando que elas já devem ser divulgadas imediatamente por força da ICVM 358 quando relevantes.

A princípio, as propostas da CVM significam um grande avanço, com simplificações relevantes nos documentos exigidos das companhias abertas. Contudo, há ainda diversos pontos de atenção que necessitam ajustes importantes para que a reforma traga, de fato, toda a melhoria desejada pelas companhias ao processo de reporte obrigatório de informações ao mercado determinado pela autarquia.

Eduardo Lucano da Ponte
é presidente Executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca)
abrasca@abrasca.org.br


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