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O ano de 2022 representou um marco para a evolução do ESG no Brasil: a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) lançou a Prática Recomendada (PR 2030) - Ambiental, Social e Governança (ESG) – conceitos, diretrizes e modelo de avaliação e direcionamento para organizações. Trata-se de um documento normativo que tende a crescer por democratizar o ESG para todas as organizações, independentemente de porte, setor ou constituição.
Esse lançamento está provocando vários movimentos de mercado, inicialmente, para entender a proposta e para colocá-la em execução. A necessidade de materializar a sustentabilidade para as empresas é urgente. No ano passado eu e o CEO da Board Academy, Farias Souza, desenhávamos a Comissão ESG, que já está em funcionamento, focada em estudar esse novo referencial, para fortalecer a formação de conselheiros de administração.
ESG não é um termo novo e os leitores da Revista RI estão acostumados a vê-lo nas headlines. Seus critérios têm sido discutidos por respeitáveis profissionais do mercado. Mesmo antes do marco inicial da sigla, originada no documento Who Cares Wins, havia um anseio para a construção de um capitalismo que, além do lucro, gerasse valor para as partes interessadas. Então estamos vivendo essa era do Capitalismo de Stakeholder, fruto da construção de muitos pensadores do século passado.
A criação do Pacto Global, o advento dos Princípios de Investimento Responsável, a Agenda 2030, os marcos regulatórios sobre mudança do clima, os movimentos estaduais como a criação de planos como o PAC 2050 de São Paulo, as resoluções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e o Indice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3 são alguns dos referenciais que apoiam a agenda ESG e vem deflagrando um movimento que não tem volta: o mundo precisa ser sustentável.
Sobre sustentabilidade e ESG, inclusive, é bem pertinente fazermos uma breve diferenciação. Enquanto sustentabilidade se refere ao conceito onde as necessidades do presente são atendidas sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades, ESG é definido na PR 2030 como um conjunto de critérios ambientais, sociais e de governança a serem considerados na avaliação de riscos, oportunidades e respectivos impactos, com o objetivo de nortear atividades, negócios e investimentos sustentáveis. Aliás, o conceito ESG unicamente diz muito para todo o universo de empresas e faz um convite para que estas possam pensar a estratégia. Diante desse conceito, será que não é o momento de pensar o futuro?
A Jornada ESG deve compor uma série de ações partidas da liderança da empresa, inicialmente voltada para entender o que a empresa já possui de práticas. Muitas empresas já promovem trabalho decente, agem em favor do meio ambiente ou possuem práticas de governança que favorecem a operação, mas estas mesmas empresas ainda não se apossaram da Jornada ESG para ampliar a magnitude da sua reputação e mesmo capitalizar em torno das práticas. Por outro lado, uma Jornada ESG bem estruturada deve envolver a criação de um planejamento estratégico, um Comitê de Sustentabilidade e outras ações para garantir a solidez da proposta e se afastar do conceito de greenwashing, já discutido na Edição 267 de dezembro de 2022 pelo Prof. Dr. Marcus Nakagawa. A ABNT PR 2030 surge para facilitar essa Jornada!
O documento possui muitos méritos, mas um dos principais é apontar um conjunto de temas e critérios para as empresas organizarem a Jornada ESG. Isso porque muitos se faziam (e ainda se fazem) a pergunta: por onde começar a jornada ESG?
O que mais me deixou empolgado na ABNT PR 2030 foi a linguagem simples com a qual o documento foi construído. Isso permite que até uma microempresa ou uma startup possa integrar ESG em sua estratégia. Além disso, o documento reconhece os ODS, o Sistema B e metodologias provenientes de frameworks internacionais de um jeito bem brasileiro.
Os quadros em destaque nessa matéria mostram os eixos, temas e critérios que receberam recomendação para serem considerados pelas empresas para a jornada ESG:
Governança Corporativa | |
Governança corporativa | Estrutura e composição da governança |
Propósito e estratégia sustentável | |
Conduta empresarial | Compliance, programa de integridade e práticas anticorrupção |
Práticas de combate à concorrência desleal (antitruste) | |
Engajamento das partes interessadas | |
Práticas de controle e gestão | Gestão de riscos do negócio |
Controles internos | |
Auditorias interna e externa | |
Ambiente legal e regulatório | |
Gestão da segurança da informação | |
Privacidade e dados pessoais | |
Transparência na gestão | Relatórios ESG, de sustentabilidade e/ou relato integrado |
Responsabilização (prestação de contas) |
Fonte: ABNT PR 2030:ESG, 2022
Meio ambiente | |
Temas | Critérios |
Mudanças Climáticas | Mitigação de emissões de gases de efeito estufa |
Adaptação às mudanças climáticas | |
Eficiência energética | |
Recursos hídricos | Uso da água |
Gestão de efluentes | |
Biodiversidade e serviços ecossistêmicos | Conservação e uso sustentável da biodiversidade |
Uso sustentável do solo | |
Economia circular e gestão de resíduos | Gestão de resíduos |
Economia circular | |
Gestão ambiental e prevenção da população | Gestão ambiental |
Prevenção da poluição sonora | |
Qualidade do ar | |
Gerenciamento de áreas contaminadas | |
Produtos perigosos |
Fonte: ABNT PR 2030:ESG, 2022
Social | |
Diálogo social e desenvolvimento territorial |
Investimento social privado |
Diálogo e engajamento |
|
Impacto social |
|
Direitos humanos |
Respeito aos direitos humanos |
Combate ao trabalho forçado ou compulsório |
|
Combate ao trabalho infantil |
|
Diversidade, equidade e inclusão |
Políticas e práticas de diversidade e equidade |
Cultura e promoção de inclusão |
|
Relações e práticas de trabalhos |
Desenvolvimento profissional |
Saúde e segurança ocupacional |
|
Qualidade de vida |
|
Liberdade de associação |
|
Política de remuneração e benefícios |
|
Promoção de responsabilidade e social na cadeia de valor |
Relação com consumidores e clientes |
Relacionamento com fornecedores |
Fonte: ABNT PR 2030:ESG, 2022
Começar uma empresa com a lógica ESG integrada faz toda a diferença. O empresário pode se perguntar: preciso implementar esses 42 critérios? Claro que não! A proposta é que a liderança da empresa possa dinamizar a prática daquilo que faz mais sentido para a empresa. Quando menciono o termo dinamizar, refiro-me à própria proposta de construir uma jornada voltada para a perpetuidade e progressão do negócio.
São várias as motivações para fazer adesão à Jornada. Acredito que a mais importante delas esteja na relação que deve ser construída com nas dimensões B2C e B2B. Para os primeiros, temos um contingente geracional cada vez mais crítico aos produtos e serviços e não é apenas a geração Z; desde os Baby boomers, cada vez mais cresce o contingente de consumidores que desejam se relacionar com empresas que possuem uma proposta de valor para o social e para o meio ambiente. Para a segunda relação, imagine que esse documento de práticas agora pode ser usado pela pequena empresa da cadeia de valor de uma empresa de capital aberto, que cada vez mais está sendo cobrada aqui no Brasil e no exterior. Está terminando o tempo de se cuidar apenas do escopo 1 e 2; é preciso cuidar do escopo 3. Mais uma vez: é hora de olhar para o futuro! Em terras brasileiras já há empresas cuidando dessa variável, promovendo treinamentos para capacitar as pequenas empresas para adotarem práticas sustentáveis e darem mais consistência para a cadeia de parceiros.
ESG também assume um papel de valor para as empresas na medida que representa uma oportunidade para repensar o negócio. E pensar é um ativo muito valioso nesses dias velozes que vivemos. Claramente os empreendedores precisam de ajuda. Aqui destaco o papel dos consultores e sempre que possível da implantação de Conselhos Consultivos que, entre outros assuntos precisam discutir como ESG pode ser utilizado como estratégia para alavancar reputação e valor. Assuntos como gestão de risco, conformidade regulatória, vantagem competitiva, refinamento de propósito e criação de valor para as partes interessadas são alguns dos temas que os conselhos devem se ocupar.
E qual o custo de não adotar práticas ESG? Essa é uma pergunta que precisa ser respondida dentro de cada segmento. Para uns o prejuízo pode ser enorme nos dias de hoje; para outros, vai demorar o impacto, mas, no final das contas, um dia o prejuízo chegará. De qualquer forma, para quem já leu a PR 2030 está claro que ali há um convite para que o dono ou os sócios possam olhar a empresa com mais carinho e prepará-la para novos tempos. Entendamos que não dá mais para adotar todas as práticas do século passado para conduzir negócios no século XXI.
Vamos combinar que, em muitas situações, as mudanças estão sendo profundas em um tempo de incertezas onde só há uma coisa certa: a mudança!
Alberto Malta Junior
é fundador da Empresa Office K-InTech, consultoria voltada para ESG e treinamentos. Farmacêutico, mestre em Gestão de Tecnologia e Inovação pelo Hospital Sírio Libanês, especialista em Processos Educacionais, especialista em ESG, escritor, professor universitário, Conselheiro em Administração pela FGV e coordenador da Comissão ESG da Board Academy.
amjrmalta@gmail.com