Após meses flertando com a bolsa de Hong Kong, a companhia chinesa Alibaba, uma gigante na área de comércio eletrônico (e-commerce), decidiu realizar seu IPO na bolsa de Nova Iorque. A companhia, seguindo o exemplo da Google, queria emitir ações com um “super-direito” de voto para seu fundador e outros altos executivos, facilitando assim o controle da companhia por esse grupo de sócios. Mas como a bolsa de Hong Kong proíbe a emissão de diferentes classes de ações, a Alibaba sugeriu uma estrutura de governança na qual um grupo de 28 executivos teria o direito de eleger a maioria do conselho de administração, mesmo tendo esse grupo uma participação minoritária na companhia. Porém, essa proposta também não foi considerada compatível com o princípio da proporcionalidade entre o controle e o interesse econômico, adotado em Hong Kong, e as negociações encalharam.
O IPO da Alibaba seria o maior de uma companhia chinesa da história. Muitos, incluindo até mesmo a própria Bolsa, questionaram se não valeria a pena revisar o regulamento vigente há quase 40 anos que proíbe a emissão de mais de uma classe de ação. A Bolsa iniciou um processo de consulta pública para revisar seu regulamento, mas o regulador do mercado opôs-se a qualquer mudança.
Hong Kong já havia sido preterida por várias empresas de alta tecnologia chinesas porque essas, seguindo o exemplo do Vale do Silício, optaram por emitir ações com um poder de voto diferenciado para o grupo controlador. Segundo as companhias, essa estrutura de controle acionário ajuda a preservar seu espírito empreendedor ao protegê-las da miopia de investidores focados em resultados trimestrais.
Esse argumento não convence muitos investidores que criticam duramente a nova tendência de abrir o capital utilizando ações com “super-direito” de voto. O fundo de pensão americano CALPERS, por exemplo, ameaçou em 2012 boicotar IPOs de empresas que não respeitassem a proporcionalidade entre o controle e o interesse econômico, que no léxico da governança corporativa é conhecido pela expressão em inglês “one share, one vote”, ou “uma ação, um voto”. Vale frisar que, apesar de serem uma pequena minoria, existem centenas de companhias nos EUA com mais de uma classe de ação. Mas o fato de isso se tornar o padrão para as novas companhias vindo ao mercado é novidade. Investidores como a CALPERS argumentam que ações com um super-direito de voto facilitam a emergência de um grupo que pode se manter no controle independentemente de sua capacidade de gestão ou do desempenho financeiro da companhia. A questão, porém, é complexa.
No Brasil não existem ações com um “super-direito” de voto porque o voto plural é proibido. Em seu lugar, as companhias abertas podem emitir ações preferenciais sem direito de voto. Essas ações também existem nos Estados Unidos, com a diferença de que lá elas são um instrumento de renda fixa. Ou seja, garantem um dividendo previamente especificado e assim não oferecem à companhia a flexibilidade na distribuição dos lucros que ela normalmente visa ao emitir ações. Portanto, o normal para companhias controladas nos Estados Unidos é emitir duas classes de ações ordinárias, uma com o poder de voto superior à outra. Mas apesar de não haver ações com um “super-direito” de voto no Brasil, o argumento contra e a favor do uso delas é análogo ao debate mais geral sobre os méritos de companhias controladas.
OS PRÓS E CONTRAS DE COMPANHIAS CONTROLADAS
O uso de ações com um “super-direito” de voto, e consequentemente, a presença de um acionista controlador, é normalmente visto como uma má prática de governança corporativa. O Novo Mercado, o segmento de listagem da BM&FBovespa com os mais altos requerimentos de governança, por exemplo, proíbe a emissão de ações preferenciais, assim instituindo como regra o princípio do “one share, one vote”.
Vários estudos acadêmicos já demonstraram que empresas controladas têm resultados operacionais e um desempenho na bolsa inferiores à empresas com capital difuso. Isso se deve a vários motivos. É possível, por exemplo, que o controlador tome decisões que o favoreçam às custas dos demais acionistas. A companhia controlada também não está sujeita à disciplina naturalmente imposta pela possibilidade de ser alvo de uma aquisição hostil ou de uma reviravolta na administração liderada por acionistas.
Além disso, o cálculo de risco do controlador é distorcido pelo fato de que ele não está proporcionalmente tão investido na companhia quanto os demais acionistas. Se esse controlador tivesse que ser o dono de mais da metade do patrimônio da empresa ele teria mais em jogo e seria, portanto, mais avesso ao risco. Consequentemente, uma companhia que não respeita o princípio do “one share, one vote” pode optar por assumir mais riscos do que o ideal.