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A privatização vem sendo apontada como um caminho para amenizar os efeitos do ajuste fiscal sobre o crescimento econômico, medida considerada inevitável para que o país comece a sair da paralisia provocada pela extensa crise em que está mergulhado. De acordo com dados divulgados, cerca de 140 empresas federais poderiam ser privatizadas, o que beneficiaria também o mercado de capitais que, no atual governo sofreu expressiva contração como fonte de investimento, além de ter sido fortemente penalizado pela crise política que afastou os investidores.
Quando entrou em prática, a partir do governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso, a privatização alimentou o mercado de capitais como fonte de investimentos. A medida ampliou o número e a qualidade de empresas negociadas na bolsa de valores, o que contribuiu para colocar o mercado de capitais brasileiro na rota dos investidores estrangeiros e também para o ingresso de um número maior de investidores nacionais.
A privatização foi o caminho escolhido pelo governo FHC para reduzir gastos e liberar o estado para novos investimentos. A partir do início da década de 1990, ocorreu a venda do controle de mais de 100 empresas e concessionárias de serviços públicos. Além de diminuir a participação do estado, a prática permitiu a recuperação de empresas que caminhavam para a falência.
Foram vendidas empresas como Cia. Vale do Rio Doce, siderúrgicas como a Usiminas e a CSN e o sistema Telebrás, que era composto por 27 empresas de telefonia fixa e 26 de telefonia celular. Antes da privatização da telefonia, apenas 22 milhões de telefones estavam em operação no país. A instalação de uma linha demorava cinco anos e chegava a custar o equivalente hoje a R$ 8 mil.
Apesar da experiência anterior, a adoção de um programa de privatização pelo atual governo encontra resistências, desde ideológicas como a questão da importância da presença do estado para o desenvolvimento econômico, até de mercado, como qualidade dos ativos e demanda de investidores.
Dada a importância da privatização como mecanismo de revitalização do mercado de capitais e da economia, a Revista RI vai trazer reportagens e artigos sobre o assunto. Nesta edição, a revista ouviu o presidente do Instituto IBMEC e ex-presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) Thomás Tosta de Sá; o líder da área de gestão de ativos da Deloitte, Eduardo de Oliveira; o professor da FEA USP, Eduardo Luzio; e o ex-ministro João Paulo dos Reis Velloso.
Estado é o gastador
Na avaliação de Thomás Tosta de Sá, presidente do Instituto IBMEC, privatizar deveria ser prioridade para gerar recursos para o ajuste. “Não haverá nem mercado de capitais nem desenvolvimento sustentável se não houver privatização, inclusive da poupança sobretudo previdenciária que é a que viabiliza investimentos de longo prazo. Empresas são geradores de recursos e o Estado é o gastador de riqueza.”
Tosta de Sá defende um modelo de privatização que permita uma pulverização das ações das companhias no mercado de capitais. “Quanto mais pulverização melhor para os resultados das empresas, porque permite um melhor julgamento da natureza dos investimentos. O mercado de capitais é o melhor meio alocação de poupança com aumento da produtividade do capital financeiro, um dos pilares da produção (ao lado do capital humano e recursos naturais), além de melhor alocação desses recursos de forma sustentável.“
Na avaliação dele, todos os setores podem ser privatizados. Antigamente tinha-se uma visão de segurança nacional, que não faz sentido, observa. Defesa nacional não interfere nem com o petróleo, nem com outros setores.
No caso da Petrobras, o problema transcende muito a corrupção, acrescenta. “A má administração dos investimentos foi pior para a empresa que a corrupção. Mas talvez estejam relacionadas. Foi feita uma administração ruim para permitir a corrupção. Investimentos não subordinados ao julgamento do mercado não tem a mesma perspectiva de sucesso.”
Devido à corrupção que vem sendo revelada pela operação Lava-Jato, à crise política, desvalorização cambial, gestão ineficaz e ao alto nível de endividamento, e mais recentemente à queda livre dos preços do petróleo no mercado internacional, a Petrobras saiu da lista das 500 maiores do mundo e está vendo o preço de suas ações virarem pó.
Segundo Tosta de Sá, no contexto atual, não faz sentido nenhum buscar sócios para a Petrobras ou outras unidades, como a BR Distribuidora, por exemplo, se o estado permanecer no controle. “Afinal por que o Brasil precisa ter uma empresa estatal dona de postos de gasolina, quando o povo brasileiro precisa de postos de saúde?”, questiona.
A privatização defendida por Tosta de Sá vai além das empresas. Ele defende a privatização da poupança brasileira, que afirma estar estatizada seja através da arrecadação de impostos na qual o pobre paga mais que o rico, seja através do direcionamento da poupança para a formação do FGTS e do INSS que são poupanças privadas mal geridas pelo estado.
“Sou a favor do capitalismo para todos. Por isso também defendo a privatização da poupança brasileira que, como disse, está estatizada. A liberdade para formação de poupança é importante e o setor privado tem melhor capacitação de gestão de fundos de pensão e com isso de investimentos de longo prazo.”
Interferência gigantesca
Antes de falar da privatização, Eduardo de Oliveira, líder da área de gestão de ativos da Deloitte, uma das maiores consultorias internacionais, ressalta que o maior problema do Brasil é a gigantesca interferência do governo atual nas empresas, que atualmente atinge até o terceiro escalão e tem sido responsável por uma administração de péssima qualidade. “A questão que se coloca nem é empresas privadas versus estatais, mas sim empresas bem geridas versus empresas mal geridas, como é o caso das estatais.”
Sobre a privatização, Oliveira acredita que ela pode ajudar a aumentar receitas e reduzir a utilização de aumento de impostos para a realização do ajuste, mas não acredita que ela terá efeitos imediatos nem sobre a recessão, nem sobre o mercado de capitais.
Ele também não acredita na possibilidade de uma privatização nos moldes do que foi feito durante o governo Fernando Henrique Cardoso, com a realização da venda de empresas através de leilões na bolsa de valores. Os motivos apresentados por ele são: a qualidade dos ativos e a falta de comprador.
Dada a forte desvalorização cambial o Brasil ficou muito barato. Porém, segundo Oliveira, isso não é suficiente para atrair investidores, face a grande a incerteza política. O investidor novo vê apenas mudanças a todo o momento e prefere não se arriscar e esperar por um momento menos instável para vir para o Brasil, que ainda é considerado um grande potencial.
Na avaliação de Oliveira, o número de empresas em condições de ser privatizadas é muito menor que o apontado. “Algumas tem objeto social que são mesmo públicos. Outras foram criadas para fazer coisas que não tem mais razão para existir.” As que poderiam atrair compradores numa privatização são as chamadas joias da coroa que, no entanto, têm encontrado forte resistência para serem vendidas.
Entre elas, Oliveira cita a Petrobras, a Caixa Econômica Federal e empresas do setor elétrico. A Caixa já anunciou que vai vender a área de seguridade. No caso da Petrobrás poderiam ser vendidas partes como petroquímica e operação de postos, além da própria Petrobrás, observa. No setor elétrico existem ativos fáceis de serem vendidos porque não tem problemas mercadológicos.
No caso desses ativos, a venda poderia ajudar imediatamente na redução de custos facilitando o ajuste fiscal, afirma. Na opinião de Oliveira, devido as condições desfavoráveis do mercado neste momento, o mais eficiente seria usar a privatização na forma de PPPs (parcerias público privadas) para melhorar a gestão e reduzir prejuízos. Isso ajudaria a cortar custos, ao reduzir o déficit e desembolsos do governo para investimentos.
Com as PPPs, muitos setores, como educação e saúde seriam beneficiados. “Conseguiriam ter serviço público bem feito e o dinheiro seria aplicado com mais qualidade.” Oliveira conta que as PPPs aparecem com prioridade nas pautas de todos os governos estaduais. As concessões também podem ser uma forma de privatização sobretudo em setores como construção e manutenção de escolas e de transporte, como portos e aeroportos.
Máquina de interesses
Eduardo Luzio, professor da FEA USP, aponta três razões que o levam a ser a favor da privatização: “Não acredito no estado brasileiro como governança e eficiência; as estatais alimentam uma máquina de interesses muito mais particulares do que públicos; o estado não tem capacidade de investimento”.
Segundo Luzio, a privatização teria impacto significativo para o crescimento do mercado de capitais. Atualmente cerca de 28% do valor do principal índice de preço das ações da BM&FBovespa (Ibovespa) é composto por empresas que foram privatizadas, afirma. No entanto, devido a problemas de credibilidade do governo, o momento é muito desfavorável ao mercado de capitais, acrescenta.
O governo desestabilizou as agências reguladoras o que dificulta não só a atratividade para os investidores para a compra de empresas, como para contratos de PPPs. Qual será o marco regulatório para assinar um contrato? pergunta o professor. Prova disso foi o recente leilão de linhas de transmissão, que não foi bem sucedido, apesar de ser um ativo de risco relativamente baixo e de bom retorno.
Em relação ao ajuste, ele afirma que a privatização pode dar algum fôlego, mas não será solução mágica para reduzir despesas se o governo não cortar gastos. O governo tem mostrado muita dificuldade em cortar gastos e sem isso - mesmo com mais receitas - as despesas continuarão a crescer.” Na mão da iniciativa privada, as empresas podem entre outras coisas gerar mais tributos diretos e indiretos para o governo. Mas se receber as receitas e não cortar gastos não vai adiantar, observa.
Em relação aos setores, Luzio não vê restrição para a privatização. Para ele todos os setores poderiam ser privatizados, inclusive o de investimentos de longo prazo, porque o governo é ineficaz como gestor. “O BNDES tem monopólio do investimento de longo prazo porque recebe os recursos do FAT (Fundo de Assistência ao Trabalhador). Mas esse serviço poderia ser prestado por outros bancos.” Na avaliação dele, a intermediação do BNDES é malfeita e sujeita a pressões políticas.
Os setores de educação e saúde poderiam ser beneficiados com a saída ou redução da participação do estado, com a realização de contratos de concessões e/ou PPPs, deixando a gestão para o setor privado. Na Inglaterra, esses setores funcionam com PPPs.
Experiência exterior
No mercado internacional, o Reino Unido da então primeira ministra Margaret Thatcher foi uma das primeiras nações a adotar uma política de privatizações. Houve um grande sucesso na desestatização dos setores de gás, eletricidade e telecomunicações. No entanto, algumas de suas experiências resultaram em fracasso, como, na área da previdenciária. A privatização das ferrovias britânicas, realizada entre 1994 e 1997 por John Major, primeiro ministro que sucedeu Margaret Thatcher, também não foi bem sucedida.
A privatização de empresas já foi adotada em inúmeros países, inclusive na China. Para tentar superar a decadência de cidades, em 1997 o governo chinês autorizou a privatização de quaisquer cidades chinesas se a administração local assim o desejasse. Depois foram privatizadas empresas de crédito, transportes, energia e de meios de telecomunicação. .
Entre os anos de 1995 a 2001, o número de empresas pertencentes ou controladas pelo estado diminuiu de 1,2 milhões para 468 mil, e o número de empregos no setor estatal diminuiu de 36 milhões, de 59% para 32% do total de empregos urbanos.
Para o economista, e ex-ministro do Planejamento de 1969 a 1979, João Paulo dos Reis Velloso, superintendente geral do INAE (Instituto Nacional de Altos Estudos), certamente há muitas estatais que podem e devem ser privatizadas, gerando recursos para ajudar a sair da crise. “O Brasil tem 303 estatais, autarquias e entidades descentralizadas, que mostra o horror em que estamos, e por isso o país não tem recursos para investir”. Nos Estados Unidos - que é a economia mais importante do mundo - existem apenas 62 entidades descentralizadas, acrescenta.
Em relação aos setores que poderiam ser alvo de privatização, Reis Velloso afirma que deveriam ser examinados todos os setores. Em sua avaliação, não existem setores privilegiados que não possam ser privatizados. Mas observa que é difícil privatizar os Correios. E, em relação ao BNDES e a Caixa Econômica Federal acha que deveria haver um sistema de economia mista, como é o caso da Petrobras.
Segundo o ex-ministro, o Brasil está imerso numa burocracia infernal que dificulta a vida de todos. “O país tem agora 31 ministério, eram 39. No meu tempo eram 15 e eu já achava muito. Não acredito que exista nenhum país no mundo com 31 ministérios”. Para ele é preciso examinar essa situação e extinguir todos os ministérios que não façam mais sentido.