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O DIVIDENDO, A SUSTENTABILIDADE E A SOLVÊNCIA FISCAL

Quando um indivíduo, ou um grupo deles, resolve abrir uma empresa, fruto de uma ideia que pode ser inovadora ou revolucionária, e com isso gerar empregos e consequentemente arrecadação, estarão colocando recursos próprios que poderiam estar muito bem na Ciranda Financeira, que o Brasil sempre foi conivente e proporciona há muito tempo a maior taxa de juros do mundo. Mais do que isso, estarão assumindo riscos pelo Case de Investimento que poderá dar certo ou não, ou seja, perder tudo que investiram, ou que financiaram para investir.

Há casos que nem sempre são possíveis ou mesmo eficientes, se a condição for buscar recursos, ou mais recursos, através do sistema financeiro habitual, através de empréstimos ou financiamentos, sendo então mais racional buscar esses recursos no Mercado de Capitais, cuja função, entre outras, é justamente viabilizar projetos, inclusive de longo prazo, através da “Tomada de riscos”, ou melhor, dividir a “Ideia”, o “Case de Investimento”, com quem aceita correr o risco de dar certo ou não. Com isso, é possível ainda abrir o capital da Companhia a quem de interesse for, tornar-se uma companhia “Cotada em Bolsa de Valores”, profissionalizando-a, e sob as regras de mercado, com transparência e Governança Corporativa fazer a gestão do negócio.

A questão aqui é mostrar que essa gestão “Aberta” sob a ótica de todos, sofrerá todo e qualquer benefício ou malefício por conta também de gestões municipais, estaduais, federais, internacionais, questões geopolíticas, etc, etc, correndo o risco de verem seus resultados minguarem ou se transformarem em prejuízos e terem que fazer uso de outros veículos de financiamento, ou mesmo “quebrarem”, e com isso não recolher mais impostos, demitir-se em massa, e mais uma frustração por conta de interferências nem sempre corretas do ponto de vista político ou mesmo econômico.

Quando uma Companhia Aberta aufere lucro, este já passou por todas as esferas de tributação, em todas as alçadas de governo, e o que sobra do Lucro Líquido Ajustado, é caixa, é do acionista, que pode muito bem ser distribuído na forma de “Dividendos”, conforme a Lei 6.404/76, porque “Comprou uma ideia inovadora ou revolucionária”, assumiu todos os riscos por conta disso, e porque já foi tributado em 34% de Imposto de Renda. Contudo, ao invés de “Comprar essa Ideia”, poderia ter aplicado na “Poupança”, isenta de imposto de renda e com garantia do governo de até R$ 250 mil, Sem Gerar Nada, cujo acesso está disponível do “mais pobre ao mais rico”.

Pela Lei 6.404/76, artigo 202, inciso III, parágrafo 2º, o pagamento de Dividendos “não poderá ser inferior a 25% do Lucro Líquido Ajustado”, caso o Estatuto Social da Companhia for Omisso. Neste caso de omissão pode-se entender que os resultados, ou lucros, podem ser reinvestidos no “negócio da companhia”, pois pode ser de “capital intensivo” e seu reinvestimento seria a forma mais “barata” de dar continuidade na prosperidade do negócio. Como deveríamos entender essa posição ? Era direito do acionista, seja pessoa física ou jurídica, que foi reinvestido no negócio.

Chegamos então onde queríamos : “Bitributação ou Tributação de renda”. Bitributação pelos riscos assumidos ? Ou Tributação de renda, que em função dos riscos assumidos não houve renda ?

Há uma corrente no Brasil que é a favor da tributação dos dividendos pela tabela progressiva do IRPF, alegando injustiça perante os trabalhadores, que tem sua remuneração tributada, enquanto sócios de companhias, definidos como de classe média ou alta ou ricos não teriam. Trabalhadores são CLT. Empreendedores também ?

Pela Optimal Taxation Theory a tributação da pessoa jurídica (ou donos de companhia, ou sócios, ou acionistas) já é, indiretamente, uma tributação dos sócios. Contudo, países mais desenvolvidos vem procurando uma forma de evitar a bitributação, mas ao mesmo tempo evitar que o sócio seja “beneficiado”. (baseado em Artigo de Marcos de Aguiar Villas-Bôas, doutor em direito tributário PUC SP, mestre em Direito pela UFBA, pesquisador independente na Harvard University e no MIT - Massachusetts Institute of Technology).

De novo, mas que “benefício” ? A renda da pessoa física (trabalhador) é de risco ? pode ficar sem receber seu salário ?

O Brasil tem um modelo de não tributação de dividendos único no mundo, através da lei 9.249/1995, artigo 10. O empreendedor, ao lançar sua “Ideia” tem que ser beneficiado com o Dividendo, devendo ser remunerado ao assumir o risco do negócio, como uma espécie de “Prêmio de Risco Assumido”, sempre vistos nas modelagens de Valuation. Empreendedores, sócios de Companhias, não trabalham na condição de CLT, não tem salário todo mês, não tem 13º salário, não tem FGTS, não tem férias remuneradas, etc, etc.

Voltamos então a questão “Dos mais ricos e as oportunidades”. A Bovespa, de 2001 a 2007, realizou um trabalho fantástico denominado “A Bolsa vai até você”, cujo objetivo era justamente popularizar, democratizar o investimento em “Ações” e com isso dar a oportunidade a toda a sociedade de investir em “Cases de Sucesso” como as maiores companhias de capital aberto do Brasil, como por exemplo Bradesco, Itaú Unibanco, Grupo Gerdau, BRF, Alpargatas, Vale, Ambev, etc, etc, etc.

Nesse período, o Brasil, a China, os BRICS, os mercados emergentes, caminharam a passos largos para a prosperidade, e com seus fundamentos macroeconômicos se consolidando, era preciso investir mais para crescer, fato que as tradicionais fontes governamentais de financiamento já estavam esgotadas, sendo necessário então outra forma, via mercado de capitais, capital de risco, de longo prazo. Em conjunto com a extraordinária liquidez internacional, a retomada dos lançamentos de IPO’s - Initial Public Offering no mercado brasileiro de ações a partir de 2004, possibilitou em 2007 a abertura de capital de 64 companhias, que conjuntamente captaram em torno de R$ 55 bilhões, excepcional se comparado a de anos anteriores ou ao valor total de desembolsos do BNDES, como financiador de projetos de longo prazo, cujas algumas companhias foram “desinvestimentos” do próprio banco.

Entre 2004 e 2008, 109 empresas passaram a negociar suas ações na Bovespa, captando o equivalente a R$ 86,4 bilhões, uma arrecadação média por IPO de R$ 823 milhões. Ou seja, recursos para o “Risco”, para novas plantas fabris, infraestrutura, rodovias, portos, usinas hidrelétricas e eólicas, construtoras, incorporadoras, que viabilizaram novos empregos, maior produção industrial, maior arrecadação tributária. Hoje muitos investidores desses IPO’s, ou acionistas, ou donos de companhias, por motivos vários, não tiveram seus “Dividendos”, não tiveram seu capital remunerado, porque investiram em projetos, em “risco”.

Tanto o Projeto de Lei 7.274/2014, quanto o Projeto de Lei do Senado 588/2015, pretendem tirar do Brasil recursos de financiamentos de longo prazo ao proporem tributar a distribuição de “dividendos” ou acabar com a figura do “JCP - Juros sobre o capital próprio”. Há muito tempo que o Brasil, por vias próprias não viabiliza ou não tem como financiar o crescimento econômico tão alvejado, a não ser pelo mercado de capitais, assumindo risco país, risco projeto. Via Bolsa de Valores toda a sociedade, através de seus bancos, tem como acessar esse mercado, não sendo privilégio de ricos. Quando do lançamento de ações da Petrobras podendo fazer uso de recursos do FGTS, incentivado pelo governo, muitos trabalhadores ganharam muito dinheiro. Se perderam, foi por uma questão de educação financeira.

A citação de estudo do IPEA que, taxando em 15% os dividendos, renderiam ao governo R$ 43 bilhões ano, seria melhor então avaliar antes se houve benefícios de renúncias tributárias oferecidas, por exemplo, para a indústria automobilística e para o setor de aço. Podemos afirmar que não geraram benefícios de longo prazo para a sociedade brasileira, tamanho desemprego nesses setores.

Se queremos sustentabilidade tributária e solvência fiscal, o governo deve repensar os aproximados R$ 250 bilhões em renúncias tributárias exageradamente concedidas em anos anteriores.

Nota: O artigo reflete as opiniões pessoais do autor e não necessariamente aquelas das entidades as quais representa.


Ricardo Tadeu Martins
é Economista, Analista de Valores Mobiliários da Planner CTVM, Presidente da Apimec SP - Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais, Vice Presidente Técnico da OEB - Ordem dos Economistas do Brasil e Conselheiro do Corecon SP - Conselho Regional de Economia.
ricardo.tadeu@apimecsp.com.br


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