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O desenvolvimento sustentável é um dos maiores desafios deste século. A sociedade deve agir agora, buscar o equilíbrio entre o homem, a natureza e a economia. Embora seja um movimento incipiente no mundo, os investidores institucionais têm assumido, gradativamente, papel de indutores dessa mudança. Logicamente, existe um longo caminho para se trilhar, porém, diversos estudos e indicadores de organizações não governamentais e de bolsas de valores demonstram que têm aumentado a importância que os fundos de pensão e gestores de recursos dão às informações sobre os riscos e oportunidades ambientais e sociais, assim como, às práticas de governança corporativa na definição do valor das companhias. São os chamados indicadores ASG – Ambientais, Sociais e de Governança.
Uma pesquisa realizada globalmente pela consultoria Ernst & Young (EY), a “Tomorrow’s Investment Rules 2.0”, com participação de 200 profissionais da Ásia-Pacífico (28,9%), Europa continental (28,8%), Austrália (10,9%), Estados Unidos e Canadá (10,9%), Reino Unido (10,5%) e América Latina (10%), indicou o crescimento bastante significativo da preocupação com os riscos ASG em relação a empresas de todos os setores da economia. Do total dos entrevistados este ano, 61,5% consideram as informações ASG importantes para as decisões de investimentos.
Na edição do levantamento em 2014, apenas 33,7% julgavam esses temas relevantes. “Há maior percepção de riscos. Os gestores de investimentos têm mais acesso a mais informações. As companhias intensificaram as divulgações e a mídia está mais voltada aos temas de aquecimento global e socioambientais”, comenta Leonardo Dutra, diretor de consultoria em Sustentabilidade da EY.
A maioria dos investidores (62,4%) está preocupada com os riscos ligados a ativos que perdem valor de forma prematura ou inesperada em função de problemas ambientais ou sociais, os stranded assets. Mais de um terço dos respondentes (36%) afirmaram ter diminuído os investimentos em empresas no último ano em decorrência de riscos ASG. Na América Latina, 57,1% dos investidores reduziram posições em companhias por riscos de stranded assets. Na sequência, alteraram mais as alocações os profissionais da Austrália (40,9%). Na Europa, a fatia foi de 37,3%, seguida pela Ásia (29,5%) e Estados Unidos e Canadá (21,7%).
Para mitigar problemas, 37% dos investidores disseram que usam métodos estruturados para analisar dados ASG das companhias. No entanto, 64% dos respondentes destacaram que as empresas não divulgam adequadamente seus riscos. Contudo, a maioria dos investidores institucionais avalia que os relatos integrados, que seguem os padrões do Integrated Reporting Council (IIRC)são benéficos, auxiliam nas tomadas de decisões. Por esse novo modelo de prestação de contas, são apresentadas de maneira intrínseca a gestão financeira e os dados socioambientais das empresas. Na Europa, essa foi a constatação de um universo de quase 70% dos respondentes e nos Estados Unidos de 65%. Na América Latina, 57% ressaltaram que o relato integrado é vantajoso. Segundo o levantamento, 72% dos investidores ressaltam a necessidade da implementação de métricas, bases comparativas de avaliação de impactos socioambientais na produção. “Os investidores exigem informações mais estruturadas das companhias. Eles têm sido vetores de mudança ao questionarem as companhias sobre os riscos”, ressalta Dutra.
Para o consultor da EY, os profissionais de Relações com Investidores (RI) precisam se qualificar em sustentabilidade. No Brasil, inclusive, a instrução 552/14 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que entrou em vigor em janeiro, trouxe alterações ao Formulário de Referência, incluindo riscos ambientais. “O profissional de RI deverá ficar atento para responder aos investidores sobre esses aspectos”, acrescenta Leonardo Dutra.
Para Glaucia Terreo, representante da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, houve avanços significativos na qualidade das divulgações das companhias, mas ela considera coerentes as reclamações dos investidores sobre a falta de dados adequados sobre os riscos ASG. “Notamos avanços, porém, infelizmente ainda existem empresas que tratam o Relatório de Sustentabilidade ou o Integrado como um documento de ‘poesia’, reforçando auto-congratulações”, afirma. Por exemplo, pelo padrão GRI, as empresas devem detalhar as multas e provisões, assim como o que está sendo feito para mitigar riscos ou reduzir impactos negativos aos negócios, no entanto, a maioria não coloca tais explicações a contento nos documentos. “Dentro das companhias há profissionais da área de sustentabilidade que sabem quais informações devem entrar no relatório, mas quando o documento vai para o processo de aprovação, antes de ser divulgado, muita coisa acaba cortada pela liderança”, enfatiza.
Diversos episódios acenderam o sinal vermelho aos investidores nos últimos tempos. Em outubro do ano passado, os Estados Unidos anunciaram um acordo de mais de US$ 20,8 bilhões em indenizações a serem pagas pela BP, petroleira britânica em função do derramamento de petróleo no Golfo do México em 2010. Foi o maior valor contra uma única companhia na história americana, destacou a procuradora-geral dos EUA, Loretta Lynch. A explosão da plataforma da BP, o pior desastre de petróleo em mar da história dos EUA, matou 11 trabalhadores e derramou milhões de barris de petróleo por quase três meses. Na época, o jornal The New York Times trouxe uma matéria mencionando documentos internos da companhia que mostravam que a BP estava preocupada com a segurança plataforma muito antes do incidente. Conforme o jornal americano, em junho de 2009, os engenheiros da petroleira haviam relatado que o revestimento de metal que a BP queria usar no poço teria risco de ruptura sob altas pressões.
Aqui no Brasil, em meados de janeiro último, a Polícia Federal informou que indiciou a Samarco, a Vale, a empresa VogBR e mais sete executivos e técnicos por crimes ambientais em decorrência do rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, em novembro de 2015. Entre os indiciados Ricardo Vescovi, diretor-presidente da Samarco. A tragédia deixou 17 mortos e dois desaparecidos. A lama percorreu o Rio Doce e chegou ao mar de Espírito Santo. “Os prejuízos são enormes, difícil monetizar todos os estragos”, destaca Glaucia Terreo. O risco de rompimento das barragens do Fundão e Santarém da Samarco foi alertado em 2013 pelo Instituto Prístino, instituição que realizou um estudo técnico na região a pedido do Ministério Público Estadual. A Vale deixou o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da bolsa, em novembro do ano passado, quando foi anunciada a nova carteira.
A Petrobras é outro case negativo por causa das denúncias de corrupção, com longas investigações no âmbito da Operação Lava Jato da Polícia Federal. A companhia deixou de integrar o Índice Dow Jones de Sustentabilidade em março de 2015, do qual fazia parte desde 2006. Houve falhas na estrutura de governança e no gerenciamento de riscos. Além disso, atualmente, a acentuada baixa do preço do petróleo no mercado internacional tem afetado negativamente a companhia. No dia 18 de janeiro, a ação da Petrobras na bolsa de valores atingiu seu menor valor desde 2003 e terminou o a R$ 4,80. A situação é complicada uma vez que não há perspectivas de recuperação do preço do petróleo tão cedo e a companhia tem reduzido os investimentos.
A crise hídrica no país e a alta no preço de energia são outros pontos de atenção ao mercado. Os investidores estão vigilantes.
Mudanças climáticas e forças do mercado
As mudanças climáticas têm desafiado a abordagem tradicional da gestão de riscos, que sempre foi muito baseada em séries históricas. Por outro lado, abre as portas para inovações. O CDP (Carbon Disclosure Project) é uma organização internacional sem fins lucrativos com sede em Londres, na Inglaterra. A entidade trabalha com as forças do mercado. Desta forma, são os investidores que fazem convites às empresas para que respondam questionários sobre mudanças climáticas, água e florestas. A base é o iBrX10 da BM&FBovespa. Cada um dos questionários é dividido em cinco módulos: governança e estratégia, gestão dos riscos, metas e ações, como se dá a comunicação ao mercado e oportunidades detectadas. “Há um movimento recente dos investidores institucionais tomando uma postura mais ativa para promover a transparência”, ressalta Juliana Lopes, diretora do CDP na América Latina. Entre 2010 e 2015, houve uma evolução significativa do engajamento. Em cinco anos, o CDP registrou aumento do número de investidores signatários: 54% no programa de mudanças climáticas; de 350% no de água e de 832% no de florestas. O número de empresas respondentes avançou nesse período: 35% no programa de mudanças climáticas; de 200% no de água e de 50% no de florestas.
Desde fevereiro do ano passado, o CDP tem oferecido aos investidores análises setoriais, vinculando métricas de mudanças climáticas. O relatório mais recente é sobre o setor de mineração. Também foram lançados levantamentos sobre os setores automotivo, elétrico e químico.
Segundo Juliana Lopes, as discussões da COP (Conferência dasNações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) e o acordo assinado sobre metas de redução das emissões de gases de efeito estufa impõem mudanças nos negócios.
Sinal dos tempos. Ela destaca a iniciativa global de grandes investidores institucionais, a Portfolio Descarbonization Coalition (PDC), que em 2014 havia anunciado a intenção de desinvestir US$ 100 bilhões em atividades emissoras de gases de efeito estufa e direcionar esses recursos a iniciativas menos intensivas. A surpresa veio em novembro do ano passado, na COP-21. A meta de descarbonização dos investimentos superou US$ 600 bilhões, com 500 grandes atores envolvidos. Mat Andersen, CEO do AP4, fundo de pensão da Noruega, que faz parte do PDC alegou que, motivados pelo dever fiduciário, maximização de lucro e minimização de risco, os investidores institucionais analisam, buscam compreender e reduzem exposição aos riscos climáticos.
Outra iniciativa que atua no envolvimento dos investidores com a sustentabilidade é Princípios para o Investimento Responsável (PRI - Principles for Responsible Investment), originada há dez anos na Organização das Nações Unidas (ONU), hoje, independente. O objetivo é promover a integração dos dados ASG na análise e no monitoramento dos investimentos. Na América do Sul, o Brasil possui mais signatários. São 57 fundos de pensão, gestoras de investimentos, corretoras e a própria bolsa, enfatiza Tatiana Assali, head of South America do PRI. O Brasil conta com uma representação PRI, ou seja, atuação local, desde 2006. Mundialmente, são 1500 investidores e provedores de serviços na base de signatários. A adesão é voluntária. De acordo com Tatiana, os investidores devem se envolver mais na gestão, participando das assembleias e buscando empresas com práticas consistentes. “A transparência é um desafio eterno. Contudo, há empresas trabalhando juntamente com investidores de forma mais aberta, discutindo planejamento de perenidade e dados ASG”, diz Tatiana Assali.
Para Sonia Favaretto, diretora de Sustentabilidade da BM&FBovespa, tem aumentado o ativismo dos investidores. “Na bolsa, há maior demanda para saber o que as empresas estão fazendo, mais interesse pelas empresas que abrem as respostas do questionário do ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial”, destaca Sonia. As empresas participantes da carteira podem autorizar a divulgação de respostas do questionário de adesão ao índice. Em 2014, 85% autorizaram. Já em 2015, foram 94%.
Como indutora de transparência, em 2011, bolsa lançou a ação “Relate ou Explique” para relatório de Sustentabilidade. Em 2014, a iniciativa alinhou-se ao movimento internacional do Relato Integrado, demonstrando seu apoio ao IIRC (International Integrated Reporting Council). As empresas informam se publicam relatório de sustentabilidade ou integrado. Em caso positivo, devem indicar o website em que pode ser acessado. Em caso negativo, explicar porque não o fazem. No início, 45,3% das companhias aderiram. No ano passado, a participação subiu para 71,6%.
Dever fiduciário
Na avaliação de Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da Associação de Investidores de Mercado de Capitais (Amec), a preocupação dos investidores quem questões ASG tem avançado, porém, a uma velocidade muito inferior do que deveria acontecer. No Brasil são mais de 500 fundos de pensão e assets, sendo 62 registrados na Amec. Segundo ele, a pesquisa da EY teve como amostra 200 investidores institucionais no mundo, os maiores e mais expressivos. “No Brasil, os nossos associados não têm atração tão grande a esses temas como gostaríamos”, diz.
Na agenda, há ainda outros problemas prementes. Dado o fraquíssimo desempenho da economia brasileira e a bolsa operando a 38 mil pontos, o presidente da Amec vê uma situação complicada. Apenas grandes investidores institucionais conseguem manter profissionais especializados e contar com bons instrumentos de avaliação. “A realidade do mercado de capitais é tão ruim que não permite que as entidades aloquem os recursos que seriam necessários minimamente para abordar esses tópicos (ASG). Há equipes sendo reduzidas”, acrescenta Mauro Rodrigues Cunha.
Contudo, ele acredita que o incidente da queda da barragem da Samarco em Mariana, as investigações de denúncias de corrupção na Petrobras são matéria-prima para mostrar que o assunto é relevante.
A Amec segue proativa. A entidade está trabalhando para lançar no dia 26 de outubro, quando completa 10 anos de atividades, o Stewardship Code, um código de governança para os investidores, isto é, como eles devem abordar o seu próprio dever fiduciário e seu papel dentro da estrutura de controles do mercado de capitais. “O objetivo é fazer o investidor institucional pensar como dono da companhia, não como intermediário, desta forma, dará mais atenção à questão da sustentabilidade”, enfatiza. A experiência inglesa, com mais de 300 signatários do Stewardship Code, representa um case de sucesso. É um tema em evolução no mundo.
Gustavo Pimentel, diretor da SITAWI, organização de assessora investidores institucionais com consultoria e pesquisa ASG, a instituição de um Stewardship Code é fundamental. “Isso trará uma clareza maior aos investidores de que podem e devem incorporar análises ASG. Considero que eles estão mais atentos, mas poucos desenvolveram capacidades, processos e ferramentas adequadas para avaliar esses riscos”, afirma. De acordo com ele, o Brasil conta com resolução 3792 que solicita as práticas de investimentos dos fundos de pensão, que devem descrever se adotam ASG ou não. Mas apenas isso é insuficiente para um envolvimento mais forte. Em 2014, a SITAWI fez uma pesquisa com 50 fundos de pensão e um dos resultados foi que 67% faziam referência ao investimento responsável. Novo estudo será realizado este ano. Esse foi um bom sinal, mas a organização não conseguiu medir o quanto usaram os elementos ASG para ancorar suas decisões.
Nos Estados Unidos, segundo Pimentel, o Employee Retirement Income Security Act (Erisa), que regulamenta os fundos de pensão foi atualizado em 2015, deixando explícito que a integração ASG é compatível com dever fiduciário, algo que era controverso. “Nos Estados Unidos havia teses jurídicas contraditórias. O tema foi pacificado”, conclui.