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Ponto de Vista |
Descontrole das contas públicas, a falta de uma agenda consistente de ajustes e um ambiente político adverso para aprovação de reformas prejudicam o Brasil. O apuro fiscal assume protagonismo na crise.
Em fevereiro, a agência de classificação de riscos Standard & Poor´s (S&P) rebaixou mais uma vez o rating do Brasil de “BB+” para “BB”, com perspectiva negativa. O anúncio foi apenas cinco meses após ter retirado o grau de investimento do país. Segundo a S&P, o perfil de crédito do Brasil se debilitou nesse curto espaço de tempo. “Os desafios econômicos e políticos que o Brasil enfrenta permanecem consideráveis. Esperamos um processo de ajuste mais prolongado, com correção mais lenta na política fiscal”, disse a agência em nota.
Diante dessa notícia e da reação negativa do mercado, o governo federal antecipou o anúncio de um contingenciamento de R$ 23,4 bilhões do orçamento de 2016. Esse foi o menor corte desde 2010 e, ainda assim, o governo pedirá autorização ao Congresso para fechar este ano com um gasto superior à arrecadação. Ou seja, a meta de superávit primário - economia para pagamento dos juros da dívida, prevista para todo o setor público, incluindo Estados e Municípios, de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ou R$ 30,5 bilhões, não será cumprida. Pelo contrário, a presidente Dilma Rousseff solicitará uma flexibilização da meta ou permissão para rombo de até 1% do PIB (R$ 60,2 bilhões).
Alguns dias depois desse recado do governo, outra a agência de classificação de riscos, a Moody´s retirou o grau de investimento do Brasil. Ela rebaixou o país para “Ba2”, a segunda nota de grau especulativo. Entre as três maiores agências de rating do mundo, a Moody’s era a única que ainda não havia retirado o selo de bom pagador do país. A S&P e a Fitch fizeram isso mais cedo. A Moody´s enfatizou que “a desafiadora dinâmica política continua dificultando os esforços de consolidação fiscal das autoridades e adiando reformas estruturais”.
De fato, o cenário político é cada vez mais complicado, sobretudo, com os desdobramentos da Operação Lava Jato. Ainda em fevereiro, foi deflagrada a 23ª. fase dessa investigação da Polícia Federal, chamada “Acarajé”, que tem como alvo o marqueteiro do PT, João Santana e a mulher dele, Monica Moura. O casal teve prisão temporária decretada pela Justiça para apuração sobre a origem de US$ 7,5 milhões que mantinham em conta secreta no exterior. A Polícia Federal suspeita que seriam pagamentos realizados pela Odebrecht para quitar compromissos de campanha. João Santana foi o responsável pelas campanhas presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, e de Dilma Rousseff, tanto em 2010 quanto em 2014. A prisão do marqueteiro é um sério agravante porque tende a emperrar ainda mais a agenda econômica no Congresso, segundo especialistas.
A situação fiscal do Brasil poderá se tornar gravíssima, caso não ocorram ajustes contundentes e os gastos públicos continuem crescendo em período de recessão econômica. Diversos analistas, economistas e a própria Moody´s são categóricos ao afirmarem que, seguindo o atual ritmo, a expectativa é que a dívida bruta dos governos, hoje equivalente a 67% do PIB passe para 80% do PIB em três anos.
De acordo com Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, as agências de classificação de risco estão acompanhando de forma criteriosa o país. Por exemplo, a S&P observou que as operações compromissadas do Banco Central têm se acumulado e citou ainda os passivos contingentes, possíveis despesas que o governo poderá ter que honrar lá na frente como, por exemplo, socorrer a Petrobras ou algum banco público. As agências questionam a convicção da presidente Dilma Rousseff em relação à agenda fiscal. “Não basta apenas buscar alternativas pontuais para tentar fechar as contas no curto prazo, não é questão de aprovar a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira). O governo deve sinalizar que tem uma agenda consistente de médio e longo prazos”, diz. Ela avalia que ao buscar compensações via aumento de carga tributária, o governo não age no cerne da questão. “Isso traz mais letargia ao corte de despesas”, comenta a economista.
Segundo Zeina, a política fiscal está entrando em colapso, passando a ser um elemento desestabilizador que compromete a política monetária e o crescimento econômico. “A mãe de todas as crises é a fiscal. Se houvesse a Operação Lava Jato em um contexto de contas públicas arrumadas, o país estaria crescendo, não no mesmo ritmo da década passada porque o mundo não é o mesmo, porém, avançando como nossos pares da costa do Pacífico”, ressalta.
Conforme Fabio Klein, analista de Finanças Públicas da Tendências Consultoria, as mudanças necessárias são difíceis no curto prazo, por esse motivo, o governo defende o retorno da CPMF, que funcionaria como um alívio temporário. Pela Constituição, cerca de 90% das despesas públicas são vinculadas. A margem de manobra é pequena. “Isso somente poderia ser alterado por lei, passando por aprovação no Congresso”, explica. Dentro de uma visão de planejamento de longo prazo, Klein defende que o governo deveria promover uma profunda revisão na composição das despesas e nos mecanismos que forçam o seu avanço constante. Um olhar mais minucioso sobre o orçamento é fundamental. Principalmente a reforma da previdência precisa sair porque o modelo atual é insustentável diante do envelhecimento da população brasileira, destaca o analista. Os benefícios previdenciários representam 40% do total dos gastos públicos, sendo que 70% deles são corrigidos pelas regras de reajuste do salário mínimo e os demais 30%, pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Assim, quanto maior a inflação, maior o gasto.
O impasse que o Brasil vive hoje é “desastroso”, avalia Bolívar Lamounier, cientista político e sócio-diretor da Augurium Consultoria. Dadas as desavenças políticas, ele acredita que as saídas mais prováveis nesse momento serão por meio do aumento dos impostos, no entanto, as empresas e os cidadãos não têm mais condições de absorvê-los. A carga tributária avançou de 25% para 35% do PIB do início dos anos 90 para cá. “A sociedade exige corte de gastos. Há espaço para enxugar a máquina. Muitas reduções de despesas administrativas dependem somente do governo”, comenta Lamounier. Ele menciona, por exemplo, a possibilidade de diminuição do quadro de 23 mil cargos em comissão no Poder Executivo federal.
Recessão histórica e déficit
O mercado já está trabalhando com um cenário de retração da economia brasileira de 4% em 2016, como as previsões da consultoria Tendências e do banco BNP Paribas.
Segundo Marcelo Carvalho, economista-chefe do BNP Paribas, o Brasil vive uma crise sem precedentes. “Chama atenção a profundidade da recessão e também a duração”, destaca. Os anos de 2015 e 2016 terão queda na ordem de 8% no PIB provocada pela desaceleração da economia mundial e preços deprimidos das commodities; erros acumulados na condução da política econômica do país e à Operação Lava Jato. Até então, a pior recessão havia sido registrada em 1930 e 1931 - quando o PIB brasileiro recuou 5%, isso durante a Grande Depressão, depois da quebra da bolsa de Nova York em 1929.
“O grande desafio hoje é o fiscal”, enfatiza Carvalho. O problema fiscal atrapalha a inflação por canais indiretos. Como a percepção de risco país piora, o dólar se valoriza e aumenta os preços os insumos e produtos importados. Dados do Tesouro Nacional indicam que a dívida pública cresceu 153% de 2004 a 2015. Recentemente, o ritmo foi intensificado, de quase 22%, somente entre 2014 e 2015.
O economista-chefe do BNP Paribas ressalta que o Brasil registrou superávit primário médio de 3% a 4% do PIB na última década. Porém, em 2015, houve uma guinada negativa, um buraco de 2% do PIB. “Os números fiscais continuam ruins e prevemos déficit primário e também nominal este ano”, afirmou Carvalho. Além das turbulências políticas atrapalharem as discussões sobre ajustes, ele avalia que devido às eleições municipais a janela para o governo tentar aprovar medidas no Congresso será menor em 2016.
Em janeiro, segundo dados do Banco Central, as contas do setor público consolidado apresentaram superávit primário, ou seja, o ano começou no azul. Mas esse resultado é duvidoso porque há rolagem de compromissos, segundo alguns analistas. “Esse resultado tem que ser observado com cautela porque pelo que vemos nos bastidores, o governo está protelando o pagamento de muitas contas para criar esse cenário mais otimista”, afirma Otto Nogami, professor de Economia do MBA Executivo do Insper. Para 2016, diante da fraca atividade econômica, queda na arrecadação e dificuldades de cortar despesas, a meta de superávit primário de 0,5% do PIB não será atingida, na visão do professor.
Segundo Nogami, o governo tenta interferir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), modificando justamente a meta, o que arranha mais a sua credibilidade. “Essa tentativa de criar uma meta flexível contraria a Lei de Responsabilidade Fiscal. Aliás, meta flexível é algo que não existe”, diz. O governo não está conseguindo nem amortizar os juros da dívida.
Calote?
Os especialistas lamentam que o medo de uma trajetória insustentável da dívida e o tema calote tenham voltado à pauta da economia brasileira. Porém, eles avaliam que medidas atenuantes podem ser adotadas nos próximos anos, fazendo com que o calote seja a saída menos provável. “A solução de questões estruturais pode levar mais tempo, mas o Brasil tem como se reorganizar apesar das dores e prejuízos no médio prazo. O calote é um cenário tenebroso e o risco é baixo”, pondera Fabio Klein da Tendências.
Para a economista da XP, Zeina Latif, o agravamento da crise fiscal forçará mudanças. “Tradicionalmente, o Brasil faz reformas na crise. É difícil saber quanto a economia terá que piorar para a política se mover. Há desconforto em relação à dívida, mas no curto prazo, não há como isso se traduzir em calote, que seria uma decisão política, uma situação extrema”, afirma.
O professor Otto Nogami afirma que há risco de calote se a inércia do governo persistir. “Mas acredito que haverá um ponto de ruptura”, completa.
Mercado financeiro
A bolsa tem operado na faixa dos 43 mil pontos. Seus movimentos sinalizam, obviamente, o que acontece no setor real da economia e a maioria das empresas tem apresentado lucros menores ou enfrentado dificuldades financeiras. Alguns setores são mais sensíveis aos problemas políticos. “Há oportunidades em relação às companhias sólidas com pricing power, que têm capacidade de repassar a elevação dos custos aos preços de seus produtos ou serviços”, comenta Nogami.
Diante do péssimo pano de fundo da economia brasileira e do rebaixamento das notas de crédito do Brasil, fica muito difícil enxergar um grande espaço grande para a bolsa subir, destaca Zeina Latif. Aos investidores, o desafio para analisar os movimentos. Por exemplo, mesmo com a notícia ainda fresca do rebaixamento do Brasil pela S&P, assim que foi iniciada a fase Acarajé da Operação Lava Jato, o dólar recuou e a bolsa fechou em alta. “Prevemos um ano mais volátil, mais delicado por causa das influências do cenário externo e do quadro político doméstico”, afirma a economista.
Segundo analistas, a economia mundial irá desacelerar em 2016. Pela projeção do BNP Paribas, o PIB global crescerá 3%. Nos Estados Unidos, o PIB terá uma evolução de 1,8% este ano, abaixo dos 2,4% registrados em 2015. Em 2017, a economia americana deverá apresentar crescimento de somente 1,5%. Para a economia europeia, a previsão é de uma expansão de apenas 1,3% este ano e de 1,4%, no próximo. E na China, a queda de ritmo prosseguirá. Em 2016, a economia chinesa crescerá 6,4% e , no ano que vem, 6,1%, indica o banco.