Orquestra Societária

ORQUESTRA SOCIETÁRIA & O BOLERO DE RAVEL: A EVOLUÇÃO

Este é o primeiro artigo do ano de 2016 da coluna Orquestra Societária e, assim sendo, torna-se pertinente contribuir com os nossos leitores por meio da tentativa de síntese de um amplo conjunto de reflexões apresentadas desde que a coluna foi criada, há 19 edições (181 a 199, respectivamente de mar/2014 a dez/2015). Nesta 20ª coluna, nas páginas seguintes, apresentamos a referida síntese, enfatizando aos interessados que a riqueza do desenvolvimento de ideias pode ser resgatada nos artigos anteriores, com pequenas melhorias perfunctórias e pontuais de redação.

A Orquestra Societária vem sendo desenvolvida e enriquecida com o passar do tempo por meio da contribuição de amigos e leitores e as reflexões até aqui desenvolvidas resultam, em boa medida, dessa interação produtiva. Conforme se constatam, nas próximas páginas, a organização empresarial orquestrada: 1) é observada por um conjunto cada vez mais exigente de públicos relevantes ou stakeholders, e não apenas pelos sócios; 2) envolve a coordenação complexa de variáveis como ética, governança corporativa, sustentabilidade, modelo de gestão e arquitetura organizacional (estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas); 3) requer um modelo de gestão com liderança, planejamento e controle.

Nessa perspectiva, como viabilizar a Orquestra Societária? Será essa apenas uma construção idealizada e de difícil realização? É factível de ser performada a sinfonia corporativa, que abrange alinhamento, mitigação de riscos e resultados, indo muito além da expectativa por resultados?

Nestas considerações iniciais, a resposta às perguntas anteriores é que a criação de uma boa Orquestra Societária e de uma também boa sinfonia corporativa deve ter em mente três pontos: 1) uma má performance desapontará em grande medida a audiência da Orquestra, ou seja, os stakeholders; 2) as raízes dos problemas de má performance estarão plantadas nas visões dos sócios e/ou dos administradores, que podem estar desalinhadas; 3) nenhuma realização organizacional realmente relevante será alcançada sem planejamento, execução e gestão ao longo do tempo, visando a evolução. Assim sendo, a Orquestra Societária e a sinfonia corporativa são necessidades práticas, as quais carecem de muito trabalho.

Consideremos o terceiro ponto anterior, relativo à evolução organizacional: como construir uma Orquestra Societária e alcançar uma sinfonia corporativa com grandiosidade, realismo e sem estresse à saúde dos dirigentes e demais públicos organizacionais? Nosso amigo leitor, professor Lélio Lauretti, gentilmente nos oferece a resposta a essa questão, em linha com as orquestras reais: entendendo a lógica do Bolero de Ravel, a principal obra artística do compositor francês Maurice Ravel, executada pela primeira vez em 1928.

Muito tem sido dito sobre o Bolero que, em linhas gerais, constitui-se em uma peça artística inspirada na cultura espanhola, de um movimento, em ritmo e tempo invariáveis, com uma melodia obsessiva várias vezes repetida e sem modificações, exceto por efeitos orquestrais crescentemente sofisticados e que culminam em uma performance grandiloquente. Nessa perspectiva, recomendamos que os leitores vejam (ou revejam) a execução do Bolero, especialmente por meio dos trabalhos coordenados pelo coreógrafo francês Maurice Bejart, envolvendo música e dança. Voltaremos ao Bolero de Ravel na próxima edição, que também conterá, como contraponto à beleza dessa obra, uma reflexão sobre o desastre ambiental de Mariana, à luz da Orquestra Societária.

1 – A ORQUESTRA: CONCEITO E PREMISSAS (Revista RI, edição 193)

A Orquestra Societária é um sistema eficaz de governança empresarial, que alinha ética, sustentabilidade e a arquitetura da organização, suportado por um modelo de gestão adequado, envolvendo todas as partes interessadas – os stakeholders -, o qual instrumentaliza a sinfonia corporativa.

A sinfonia corporativa refere-se à ideia de uma organização alinhada desde os seus princípios éticos até as atividades de linha de frente, de maneira harmônica, com a minimização de riscos de desalinhamentos entre outros e a produção de resultados tangíveis e intangíveis que favoreçam sócios e demais públicos que dependem do desempenho organizacional. A sinfonia corporativa é o oposto da cacofonia corporativa e sua equação é vista abaixo da figura anterior. São principais premissas ou pressupostos da Orquestra Societária:

1. Ela remete à ideia da uma orquestra real, composta pelo maestro, músicos e instrumentos.

2. Ela integra os públicos relevantes ou stakeholders da organização, incluindo sócios (provedores de capital próprio), clientes (geradores da receita), fornecedores (provedores de insumos), financiadores (provedores dos capitais complementares ou de terceiros), organizações do estado e as gerações futuras. O alinhamento de interesses entre os públicos externos e internos é buscado permanentemente, especialmente considerando sócios, administradores e seus interrelacionamentos.

3. Ela integra e alinha princípios éticos (regras de conduta organizacionais), governança corporativa (sistema de governo organizacional) e sustentabilidade (desenvolvimento sustentável, correspondente ao desenvolvimento econômico que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades) nas dimensões econômica, social, ambiental.

4. Ela integra, às variáveis do item 3, modelo de gestão (metodologia que leva a organização do presente ao futuro visualizado e planejado) e arquitetura organizacional (desenho da organização, composto por estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas). Todos essas variáveis perpassam a organização e relacionam-se entre si da cúpula organizacional (ambiente de governança, ou seja, Alta Administração e seus órgãos de apoio) ao nível da gestão das operações (demais partes da organização, subordinadas à Alta Administração).

5. A ordem dos fatores altera o produto e desafia o axioma matemático clássico na governança empresarial. Os princípios éticos, a governança baseada em boas práticas e a sustentabilidade são pontos de referência já na selagem de acordos entre sócios e devem preceder a governança e a gestão das operações em sua realidade prática.

2 – A ORQUESTRA E O ALINHAMENTO DE INTERESSES (Revista RI, edições 183, 185, 187, 188, 189 e 191)

O quadro abaixo resume os principais fatores que favorecem desalinhamentos em uma corporação, considerando sócios e administradores:

FATORES PÚBLICOS PREPONDERANTEMENTE AFETADOS
Sócios Sócios e
administradores
Administradores
1. Categorias e agendas de sócios X    
2. Agenda dos sócios versus agenda e zelo dos administradores   x  
3. Agenda e zelo dos administradores     x
4. Formas de controle societário X x  
5. Princípios éticos e formas de tratamento dos stakeholders X    
6. Alternativas de retornos presentes x retornos futuros X    
7. Alternativas de fontes de financiamento X    
8. Assimetria informacional entre sócios e administradores   x  
9. Assimetria informacional entre conselhos e diretorias   x x
10. Visão dos sócios sobre decisões dos administradores   x  
11. Visão do conselho de administração sobre decisões da diretoria   X  
12. Lacuna entre expectativas e real entrega de resultados X X x

Várias ferramentas podem ser usadas em prol do alinhamento, de forma preventiva e/ou corretiva, tais como:

Sócios
Pesquisa aprofundada sobre sócios potenciais. Discussões estruturadas entre sócios potenciais ou existentes. Acordos entre sócios, abrangendo acordos de acionistas, planos de negócios acordados e outros eventualmente firmados. Estatutos sociais. Códigos de conduta, incluindo sócios, administradores, clientes, fornecedores, empregados e outros (com crescente importância). Estruturas, políticas e práticas de governança. Conceitos de sustentabilidade e de responsabilidade social no governo organizacional.

Sócios e Administradores
Além de instrumentos relacionados para os sócios, boas práticas de governança corporativa, as quais modifiquem a arquitetura organizacional, ou seja, o desenho ou projeto da organização, de maneira a mitigar ou eliminar riscos inerentes ao conflito de agência, entre quem delega decisões e quem as toma.

Administradores
Além dos instrumentos para os sócios e para esses e os administradores, práticas adicionais de governança, com vistas ao reforço do diagrama ou mapa de poder (estrutura) do ambiente de governança, representado na figura abaixo, bem como dos fluxos de atividades que o sustentam:

 
3 – A ORQUESTRA E A ORGANIZAÇÃO SUSTENTÁVEL (Revista RI, edições 192, 198 e 199)

A conscientização dos cidadãos que integram tanto o governo das organizações de todos os tipos e tamanhos quanto a sociedade, de forma mais ampla, é crucial para que a vida no Planeta não fique sob ameaça, como já ocorre. Vários desafios existem:

Desafios sócio-econômicos a serem enfrentados

Forte assimetria de oportunidades e abismos entre classes sociais. Múltiplas ineficiências de todos os mecanismos de governança da economia: organizações do estado, empresas, associações, redes de parceiros, mercados, comunidades e demais. Sistemas de governança e gestão organizacionais, em grande medida e escala, com más decisões, desperdícios, fraudes e outros eventos negativos para a sociedade e a economia. Guerras, com todas as suas consequências nefastas.

Desafios ambientais, que aprofundam os anteriores

Água Alimentos Energia
Biodiversidade Resíduos (lixo) Aquecimento Global
Efeitos combinados entre os problemas nas seis frentes acima

Consumo crescente e muito superior ao da população mundial. Subnutrição e obesidade como questões globais de saúde pública. Crescimento econômico com maior demanda de necessidades energéticas; cada fonte cria sua poluição. Desmatamento como principal causa da poluição do ar e dos oceanos, além de ameaça a reservas de água doce; a ausência de vegetação aumenta os Gases de Efeito Estufa (GEEs) na atmosfera. Poluição industrial e, de forma ampla, toda a poluição criada pelo ser humano como fonte de deterioração do meio físico em áreas urbanas, rurais e oceanos, contaminando lençóis freáticos, intensificando a acidificação oceânica e colocando a vida sob risco. Acidificação citada colocando a vida marinha sob risco. Mudanças climáticas como fonte de risco para vastas áreas do Planeta, podendo requerer a evacuação de populações, especialmente em cidades marinhas.

Ética, boas práticas de governança corporativa e sustentabilidade integram os fundamentos da Orquestra Societária. Destacam-se, quanto à ética, os princípios éticos clássicos da governança: transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa, estando a sustentabilidade evidenciada especialmente nesse quarto princípio.

A construção de uma organização sustentável se concretizará, na prática e no âmago organizacional, por meio de intervenções na arquitetura organizacional, em cada vértice: estratégia, estrutura, processos, pessoas e sistema de recompensas (ver figura inicial).  

4 – A ORQUESTRA E O MODELO DE GESTÃO (Revista RI, edições 192, 193, 194 e 196)

O modelo de gestão, ou seja, a metodologia que, como uma chave de ignição, permite levar a organização do presente ao futuro visualizado e planejado, compreende, na Orquestra Societária, dois níveis: a Liderança (Nível 2) e Planejamento e Controle (Nível 2).

NÍVEL 2 – LIDERANÇA (Exercida por meio dos vários regentes organizacionais)

Alguns aspectos relevantes:

  • O papel mais visível de maestro é exercido pela a Alta Administração, abrangendo, nas corporações, tanto os conselhos de administração quanto as diretorias executivas e essa: i) responde, no nível mais alto, pela governança corporativa, a gestão das operações e resultados alcançados para múltiplos interessados, entre sócios e demais stakeholders; ii) tem uma visão privilegiada na corporação e a melhor condição para observar todas as partes; iii) é mais do que meramente administrativa, transmitindo princípios, valores e confiança no futuro; iv) deve prestar atenção às pessoas, que precisam ouvir umas às outras, em prol do todo; v) deve exercer sua liderança, conduzindo a organização de maneira eficaz e extraindo o melhor de seus liderados.
  • Nas corporações, cria-se, adicionalmente, a necessidade de novos maestros, os gestores sob o comando da Alta Administração, os quais precisam reger bandas internas e, conforme o porte da organização, mesmo orquestras internas. A distribuição de maestros por toda a organização pode ser maior e mais complexa do que se supõe à primeira vista, sendo que cada maestro, em seu nível:
  • Estimulará em seus liderados a percepção do todo, em suas respectivas posições. Os profissionais sob sua coordenação, por meio de uma comunicação adequada, serão capazes de ampliar sua percepção quanto à magnitude do trabalho que fazem e sua importância para a sociedade e a própria organização.
  • Prestará atenção a um conjunto de fatores importantes para maior qualidade dos resultados perseguidos, tais como:
     
Visão - Criar uma percepção do futuro a ser construído.
Fluxo - Permitir que o trabalho flua, sem interferências desnecessárias.
Observação - Observar não apenas o que mas também como as coisas estão sendo feitas.
Controle - Discernir o que deve do que não deve ser controlado.

 

  • Exercerá sua liderança de maneira suavemente firme, assim como os maestros diferenciados das orquestras reais, criando uma visão para os seus liderados, ajustando o modus operandi quando preciso em prol da visão e extraindo o melhor que as pessoas têm a oferecer.
  • Cada maestro usará a comunicação como sua batuta específica e adequada ao nível em que se encontra.

NÍVEL 1 – PLANEJAMENTO E CONTROLE (A cargo de todos os envolvidos com tal processo na organização)

Alguns aspectos relevantes:

  • O Painel apresenta como conteúdos principais: (i) objetivos, indicadores, metas e projetos para cada célula da matriz representada; (ii) apuração de dados qualitativos e quantitativos da realidade observada; (iii) comparação entre planejado e executado.
  • O Painel contempla a equação da Orquestra Societária (Sinfonia corporativa = alinhamento + mitigação de riscos + resultados). A estratégia, que pode ser definida como um caminho de sucesso organizacional, deve dispor sobre as demais variáveis.
  • As boas práticas de governança corporativa estão melhor evidenciadas: (i) na construção, execução e monitoração da estratégia; (ii) na busca de compreensão do pensamento e das expectativas de stakeholders (sócios e demais); (iii) na criação de estruturas e processos de governança. A evidenciação de um item específico para a governança corporativa pode ser cogitada.
  • A sustentabilidade está melhor evidenciada: (i) na representação de variáveis econômicas, sociais e ambientais no Painel; (ii) nas intervenções em estruturas e processos; (iii) na monitoração e mitigação dos riscos. Um item relativo à sustentabilidade pode ser cogitado.

Como ilustração de indicadores de “resultados para finanças” (foco: stakeholder “sócios”, conforme destaque na figura anterior), tem-se:

EXEMPLOS DE INDICADORES O QUE ELES MEDEM
Lucro antes de juros, impostos,
depreciação e amortização
(Earning before interest, taxes,
depreciation and amortization)
LAJIDA
(EBITDA)
Geração de caixa da empresa, a partir de suas operações
Lucro operacional
Operating profit
LOLIR Lucro da operação deduzido do imposto de renda e contribuição social. Não são consideradas as despesas e receitas financeiras e outras não operacionais ou não recorrentes
Lucro líquido
(Net profit)
LL
(NP)
Resultado final das operações, após depreciação, amortizações, receitas e despesas financeiras, imposto de renda e contribuição social
Retorno sobre o capital investido
(Return on invested capital)
RCI
(ROIC)
Retorno sobre os investimentos realizados, que deve ser superior ao custo de capital
Valor econômico agregado
(Economic value added)
VEA
(EVA)*
Lucro econômico, ou seja, valor econômico adicional criado em relação ao custo de capital
Custo médio ponderado de capital
(Weighed average cost of capital)
CMPC
(WACC)
Média entre os custos de capital próprio e de terceiros
Valor de mercado
(Market value)
VM
(MV)
Valor total de uma empresa ou ativo, calculado com base no preço de mercado


Cida Hess
é sócia diretora da KPMG, economista e contadora, especialista em finanças e estratégia e membro da Comissão de Comunicação do IBGC.
cidahess@kpmg.com.br

Mônica Brandão
é engenheira eletricista, foi gerente de análise e acompanhamento de projetos e planejamento corporativo da Cemig e tem atuado como conselheira de organizações e professora em cursos de pós-graduação.
mbran@terra.com.br


Continua...