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QUAL A CONEXÃO ENTRE SUSTENTABILIDADE E DEVER FIDUCIÁRIO?

A agenda da sustentabilidade no mundo dos investimentos não é tão nova, mas definitivamente ganhou mais impulso nos últimos 3 ou 4 anos, tanto pelo aumento de estudos e pesquisas relacionadas ao impacto da sustentabilidade nos negócios, quanto pelo fato de o impacto de aspectos Ambientais, Sociais e de Governança Corporativa (ASG) ter ficado bastante evidente nos resultados financeiros de determinadas empresas e, por consequência, nos de grandes investidores. 

Os exemplos mais conhecidos foram os desastres causados por vazamentos envolvendo navios da British Petroleum no Golfo do México em 2010, os graves problemas de governança corporativa na PETROBRAS detectados em anos recentes e o desastre socioambiental gigantesco nas operações da Samarco em Minas Gerais em 2015.

Com esses eventos, coloca-se em voga a discussão sobre o dever fiduciário e como as análises de riscos podem ou devem considerar aspectos materiais ASG em suas valorações e monitoramentos de carteiras e ativos.

Afinal, o que é o dever fiduciário? De acordo com a definição da publicação "O Dever Fiduciário no Século XXI" do PRI – Principles for Responsible Investment (1), os deveres fiduciários existem para garantir que os agentes encarregados de administrar o dinheiro de outras pessoas ajam conforme o interesse dos beneficiários e não em seu próprio interesse. As mais relevantes dentre essas obrigações são:

• Lealdade: Os agentes fiduciários devem agir com boa fé em relação aos interesses dos seus beneficiários, devem equilibrar de forma imparcial os interesses conflitantes dos diferentes beneficiários, evitar conflitos de interesses e não agir em benefício próprio ou de terceiros.
• Prudência: Os agentes fiduciários devem agir com o devido cuidado, habilidade e diligência, fazendo investimentos como qualquer 'pessoa comum e prudente' faria.

Observar todos os aspectos e riscos que podem afetar o resultado de um investimento (independentemente se em ações, títulos de renda fixa, fundos imobiliários, etc) é uma tarefa que está claramente abrangida na definição de dever fiduciário. Assim, é inevitável reconhecer que esse dever fiduciário requer a consideração dos fatores ASG (ou seja, o processo de levar em consideração dados e informações ambientais, sociais e de governança) na gestão de investimentos, envolvendo análises, tomadas de decisão e monitoramento de ativos financeiros.

O investimento responsável é uma abordagem de investimento que reconhece explicitamente a importância para o investidor dos fatores ASG, da saúde de longo prazo dos empreendimentos receptores de investimentos e da estabilidade do mercado como um todo. Ele reconhece que a geração de retorno sustentável de longo prazo depende de sistemas econômicos e ambientais estáveis, funcionais e bem geridos. O investimento responsável diferencia-se das abordagens convencionais de investimento de duas maneiras. A primeira é que os prazos são importantes; o objetivo é a geração de retorno de investimento sustentável de longo prazo e não apenas de curto prazo. A segunda é que isso exige que os investidores estejam atentos a fatores contextuais mais abrangentes, incluindo a estabilidade e a saúde dos sistemas econômicos e ambientais e a evolução dos valores e das expectativas das sociedades das quais fazem parte.

Em fevereiro de 2017, o PRI, juntamente com a UNEP FI e a Generation Foundation, lançou a publicação "O Dever Fiduciário no Século XXI - Roteiro para Brasil", onde algumas recomendações são feitas para que o país melhore suas práticas de investimento responsável, ou integração ASG, que começam por recomendações para ações regulatórias, com foco em investidores institucionais, passam pela educação, tanto dos investidores como de seus beneficiários, divulgação de informações ASG por parte das empresas emissoras de ativos, melhores práticas e regras para engajamento, finalizando em orientações claras sobre o dever fiduciário.

Dentre as recomendações de ações regulatórias, destacam-se, sob o ponto de vista operacional, a implementação da Resolução n. 4327, do Conselho Monetário Nacional (CMN), a cargo do Banco Central do Brasil (BCB). A norma, de 2014, exigiu a elaboração de Políticas de Responsabilidade Socioambiental por todas as instituições financeiras supervisionadas pelo BCB, e deu grande reforço a essa pauta no mercado financeiro, havendo ações fiscalizatórias em curso no momento. Do ponto de vista da elaboração normativa propriamente dita, o relatório dirige recomendações tanto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no sentido de que ações mais efetivas sejam planejadas para garantir a efetividade de normas que preveem (entretanto, ainda não de forma compulsória) a inserção de informações de natureza socioambiental nos relatórios corporativos (2), quanto à PREVIC (Superintendência Nacional de Previdência Complementar), que regula as entidades fechadas de previdência privada, no sentido de que esta também torne obrigatória a integração de aspectos ambientais, sociais e de governança na gestão de riscos associados aos investimentos – tema que hoje também está tratado de forma facultativa no art. 16, VIII, da Resolução n. 3792, do CMN. 

Muito embora diversas iniciativas autorregulatórias frutifiquem no mercado no sentido de disseminar e orientar sobre a integração de fatores relacionados à sustentabilidade no âmbito dos investimentos, é preciso reconhecer que nada se compara ao impacto das ações regulatórias, como já demonstrou, aliás, estudo do PRI que mapeou as iniciativas de regulação e autorregulação de investimentos responsáveis ao redor do mundo (3). Nesse estudo, encontram-se, de uma maneira ainda mais clara e enfática que no relatório do PRI para o Brasil, algumas declarações bastante reveladoras dessa importância, como a feita por Frank Elderson, Diretor Executivo da Supervisão de Fundos de Pensão no Banco Central holandês (4): "Investidores estão integrando fatores ASG de forma progressiva em suas decisões de investimento, mas é claro que formuladores de políticas públicas e reguladores mundo afora podem enviar sinais mais fortes para o mercado financeiro acerca da importância desses fatores." (5)

Como apontado sabiamente em um dos últimos relatórios apresentados pela UNEP Inquiry – pesquisa desenvolvida pelo PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), "inovações de mercado e desenvolvimentos regulatórios não se substituem entre si, mas se complementam para gerar as mudanças necessárias, construir confiança mútua e permitir que objetivos maiores sejam alcançados." (6)

Assim, cabe a reguladores, associações do mercado, investidores institucionais, gestores de ativos financeiros, prestadores de serviços e mesmo cidadãos investidores se educarem cooperarem cada vez mais entre si para fazer avançar essa agenda que não apenas é de seu próprio (e grande) interesse financeiro, mas de interesse de toda a sociedade (incluindo esses atores enquanto pessoas que a integram).

NOTAS DE RODAPÉ:

1 - Fonte: http://www.fiduciaryduty21.org/

2 - Itens 7.5 e 7.8 do Formulário de Referência constante do Anexo 24 da Instrução Normativa CVM 480, de 2009, com as alterações introduzidas pela IN 552, de 2014.

3 - O relatório afirma, com todas as letras, que "[it was] found a strong correlation between responsible investment regulation and better ESG risk management by companies", ou seja, que encontrou-se uma forte correlação entre a existência de mais regulação sobre investimentos responsáveis e uma melhor gestão de riscos ambientais, sociais e de governança (ASG) pelas empresas. Considerando tanto iniciativas regulatórias quanto autorregulatórias, o estudo concluiu que existe um índice de 43% de incremento no índice de desempenho ASG das empresas situadas em países desenvolvidos e de 32% nas economias emergentes. 
Fonte: PRI (Principles for Responsible Investment). Global Guide to Responsible Investment Regulation. December 2016. Available at: < https://www.unpri.org/download_report/22438> p. 23.

4 - O Banco Central holandês, De Nederlandsche Bank (DNB), acumula as funções de regulação bancária com as de regulação dos fundos de pensão.

5 - PRI (Principles for Responsible Investment). Global Guide to Responsible Investment Regulation. December 2016. Available at: < https://www.unpri.org/download_report/22438> p. 5. Tradução livre de Luciane Moessa

6 - UNEP Inquiry. The financial system we need: from momentum to transformation. 2nd edition. October 2016. Available at: <http://unepinquiry.org/wp-content/uploads/2016/09/The_Financial_System_We_Need_From_ Momentum_to_Transformation.pdf> p. 60. Tradução livre de Luciane Moessa.

Tatiana Assali
é head of Latin America, Networks & Outreach do PRI, onde iniciou em outubro de 2014, trazendo uma vasta experiência em relações com investidores e comunicação corporativa e mais de 10 anos de experiência no mercado de capitais. Especialização no programa FGV-PEC, nos cursos de Sustentabilidade e Gestão Social Empresarial e Negócios Internacionais e Comércio Exterior. É graduada em Administração de Empresas com ênfase em Comércio Exterior, pela Universidade Paulista.
tatiana.assali@unpri.org

Luciane Moessa
é advogada há 20 anos, Mestre em Direito do Estado (UFPR), Doutora em Direito, Estado e Sociedade (UFSC), tendo sido pesquisadora visitante na Universidade do Texas, Pós-Doutoranda na USP, com pesquisa sobre Sustentabilidade Socioambiental no Sistema Financeiro. Procuradora do Banco Central desde 2007, atualmente em licença sem remuneração, é Diretora da Soluções Inclusivas Sustentáveis (SIS), que presta consultoria, treinamentos e serviços de mediação de conflitos socioambientais.
lumoessa@hotmail.com


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