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Não existe uma fórmula pronta para a gestão financeira de um casal. É preciso construir em conjunto a forma de lidar com o dinheiro, cada um a seu modo. Nesse processo, a história familiar, os valores e as crenças dos cônjuges têm importante papel. Inevitavelmente ocorrerão conflitos até que o equilíbrio seja alcançado.
Podemos traçar um paralelo entre as finanças de uma jovem família com a formação dos hábitos alimentares desta. Segundo endocrinologistas, os hábitos alimentares de um casal são consolidados nos dois primeiros anos de vida conjunta e, a tendência, é que os piores hábitos de cada um prevaleçam.
Da mesma forma a rotina financeira do casal é formada logo no início de uma vida conjunta e os piores hábitos dos parceiros também tendem a ser dominantes na conta bancária. A única forma de evitar que os problemas se consolidem é o diálogo aliado com muito esforço e planejamento.
O importante é vencer o tabu e conversar sobre dinheiro abertamente. Casamentos são resultado do amor entre duas pessoas, mas, no dia-a-dia ele é uma sociedade onde as finanças são parte importante da relação e, portanto, precisam ser constantemente discutidas e avaliadas.
A escolha do regime de casamento
Um dos primeiros pontos a ser decidido e também um dos mais importantes na vida do casal é o regime de bens a ser adotado na futura união. As opções básicas são, comunhão total de bens, divisão total de bens e divisão parcial de bens.
Atualmente, não existindo manifestação expressa dos cônjuges o regime adotado será a divisão parcial de bens, onde os cônjuges partilham o que for adquirido enquanto durar o casamento e mantem os bens ou dívidas anteriores à este.
Neste artigo pretendo demonstrar que o regime de separação total de bens tem inúmeras vantagens em relação aos demais. Nesta, os bens e dívidas anteriores e posteriores ao casamento não se comunicam, porém, ainda é baixíssimo o número de casais optantes por esta modalidade.
Os motivos são diversos e vão desde a premissa de que falar de dinheiro vai estragar o romantismo da união até aqueles que pensam que vão ficar juntos para o resto de suas vidas e, portanto, não precisam tomar esta decisão. Outros ainda argumentam que, por não ter bens no momento da união não precisam se preocupar em dividi-los.
Mas, sem dúvida, o principal motivo para ampla vitória da comunhão parcial na preferência dos casamentos é o que os estudiosos de Finanças Comportamentais chamam de "viés do status quo", o regime mais adotado é a "não manifestação". Isso se dá pelo simples fato de que o casal nunca falou sobre o regime de bens que será adotado nesta união e, quando são questionados pelo escrivão acabam escolhendo a opção "mais normal".
Para comprovar como o regime "normal" ou "default" afeta a escolha basta notar que antes da lei 6.515/77 (lei do divórcio) a maioria dos casamentos se dava pelo regime de comunhão total de bens, que era o adotado caso não existisse a expressa determinação dos cônjuges para alterar o regime.
As vantagens da separação de bens
Todos os casais pretendem que seu casamento seja eterno, porém a realidade é mais dura. Segundo o IBGE em 1984 os casamentos duravam em média 19 anos, em 2014 duravam apenas 15 anos com tendência declinante. Assim se o casamento chegar ao fim antes do previsto a vantagem para o casal que pautou sua união pela separação total de bens é imensa, afinal de contas é muito mais simples discutir a divisão de bens enquanto os dois se chamam de meu bem do que no momento que cada um só pensa "nos meus bens".
E mais, não há nenhuma prova de que casamentos com comunhão de bens sejam mais longevos do que aqueles com separação de bens. Se algum casamento depender da união de bens para funcionar, é porque já nasceu falido. Mesmo que o jovem casal venha a viver juntos até que a "morte os separe", o regime de separação total ainda se mostra muito superior.
Vamos imaginar a situação em que um dos cônjuges é um empregado que lentamente quer construir o patrimônio, enquanto o outro é um empreendedor de alto risco. No casamento com comunhão de bens ambos tomarão os riscos do empreendedor.
Em um eventual processo onde um juiz qualquer determine um bloqueio de bens, infelizmente algo quase rotineiro no Brasil, todos os bens do casal ficam indisponíveis. Enquanto no casamento com separação total de bens apenas os do empresário seriam afetados. Neste caso, o casal ainda contaria com uma fonte de renda e o bloqueio não teria um impacto tão devastador na vida conjugal.
Em caso de morte de um dos parceiros o impacto é ainda maior no regime de comunhão parcial de bens. Isso porque todos os bens construídos em conjunto são levados ao inventário e, se houver divergências entre os herdeiros todos os bens ficam indisponíveis até a conclusão do inventário judicial. Infelizmente este pode ser um processo longo e dolorido e, durante este tempo o cônjuge sobrevivente passará por inúmeras dificuldades financeiras. Neste caso, se o regime de bens fosse a separação total, apenas os bens companheiro faltante seriam inventariados e o sobrevivente poderia manter o seu padrão de vida.
Apesar de ainda existirem muitas divergências acerca dos direitos de meação do cônjuge sobrevivente, se for da vontade do casal um simples testamento pode garantir que 50% dos seus bens sejam encaminhados ao parceiro, assim como seria feito nos outros regimes de união.
Separar bens é diferente de separar renda
Conheço muitos casais que têm sucessos e insucessos em diferentes regimes de casamento, porém conheço poucos casais felizes que separam as rendas. Por isto não devemos confundir separação de bens com separação de renda. Separar renda é muito difícil e pouco recomendável. O casamento é o único lugar que conheço que a máxima comunista "de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades" funciona.
É comum que alguns cônjuges tenham mais sucesso financeiro do que outros, isto pode durar a vida toda ou ser apenas circunstancial. Um pode em determinado momento se dedicar mais a família, ou somente a ela, enquanto o outro se dedica a ganhar dinheiro. Ou então um pode ficar temporariamente desempregado e o outro segura as despesas sozinho.
E o regime de bens não impede que os cônjuges eventualmente comprem um patrimônio em conjunto. Se decidirem comprar uma casa, poderão discutir claramente qual o percentual pertencerá a cada um. À medida que o patrimônio do casal for crescendo, os dois poderão colocar alguns bens no nome de um e outros no nome do outro. Algumas pessoas pensam que é algo difícil, mas se o casal não conseguir discutir o destino dos bens durante o casamento, imagine o que aconteceria no caso de uma eventual separação.
Após o casamento as receitas e despesas em geral passam a ser partilhadas, muitas vezes sem uma discussão clara sobre o funcionamento das coisas. É a chamada "arrumação de caminhão de melancia": joga-se toda a carga na carroceria e o movimento acaba por ajustar as coisas no caminho. Mas o atrito resultante dessa arrumação pode levar o casal a grandes e constantes brigas. Deixar que o tempo faça os ajustes não é a melhor opção.
O casamento com separação de bens induz o casal a vencer os tabus e falar abertamente sobre dinheiro, o que é muito saudável para uma relação. Se você caro leitor já for casado, por favor, leve este assunto para discutir com as pessoas do seu relacionamento que ainda não casaram e, se não for, considere este um assunto fundamental antes de juntar as escovas de dentes.
Jurandir Sell Macedo
é doutor em Finanças Comportamentais, com pós-doutorado em Psicologia Cognitiva pela Université Libre de Bruxelles (ULB) e professor de Finanças Pessoais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
jurandir@edufinanceira.org.br