Entrevista

LUIZA HELENA TRAJANO, PERSONALIDADE DO ANO 2020

“Nunca deixe de ser feminina, para exercer a liderança”
 “Comece com o necessário, depois o que é possível e, de repente, você estará fazendo o impossível”. A frase de São Francisco de Assis é um lema na vida de Luiza Helena Trajano, presidente do o Conselho de Administração do Magazine Luiza e inspiração e exemplo para as mulheres brasileiras. Nascida em Franca (SP), no dia 9 de outubro de 1951, ela é responsável pelo salto de inovação e crescimento que colocou o Magazine Luiza, entre as maiores varejistas do Brasil. Luiza ainda atua como Conselheira em 12 diferentes entidades como IDV – Instituto para Desenvolvimento do Varejo, FIESP - Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, UNICEF, Grupo Consultivo do Fundo de População da ONU no Brasil, e é a idealizadora do Grupo Mulheres do Brasil. Por sua trajetória, foi eleita “Personalidade do Ano 2020” pela Brazilian-American Chamber of Commerce.

Luiza Helena Trajano se tornou símbolo da força feminina nas empresas por colocar as pessoas em primeiro lugar, ter atitudes empreendedoras, inovação e criatividade. Assim, ao longo de sua trajetória, tem recebido centenas de reconhecimentos e premiações como empreendedora, empresária, mulher e líder, como a classificação em 1º lugar, nos dois últimos anos, como líder de negócios com melhor reputação no Brasil, segundo a consultoria espanhola Merco, e também como a única executiva brasileira na lista global do WRC – World Retail Congress. O Magazine Luiza possui mais de mil lojas em 18 estados e conta com mais de 30.000 colaboradores.

Para essa entrevista exclusiva à Revista RI, solicitamos à 10 executivas de destaque no mercado de capitais - que participaram da matéria “Mulheres em Ação” desta edição - que formulassem uma pergunta para Luiza Helena Trajano. A seguir, a empresária fala sobre seu papel de liderança, dá conselhos às futuras empreendedoras, aborda o papel da mulher no mercado e como inspira as pessoas. Acompanhe a entrevista.

Ana Karina Bortoni Dias - CEO do Banco BMG: Como você enxerga o papel da educação financeira e da bancarização e, por conseqüência, o maior acesso a serviços financeiros, entre a população com maior vulnerabilidade socioeconômica?"

Luiza Helena Trajano: É fundamental o papel do microcrédito e extremamente importante neste momento de pandemia. No Grupo Mulheres do Brasil criamos um projeto, com coordenação da querida Sonia Hess, acreditando que a transformação será por meio do empreendedorismo feminino, o fundo “Dona de Mim”, destinado à mulher microempreendedora individual (MEI) que luta para manter ou iniciar uma atividade geradora de renda. Além desse, existem dezenas de programas que precisam ser fomentados e o dinheiro do governo precisa chegar rapidamente aos pequenos que mais necessitam. A educação financeira também precisa ser incentivada nas escolas e em projetos de ajuda aos pequenos empreendedores.

Eliane Lustosa - Economista e Conselheira de Administração: Luiza, você é, sem dúvida, um exemplo de força para muitas mulheres, pois, com muita determinação, coragem e força, obteve enorme sucesso. No mercado de trabalho é muito comum os homens terem tratamento diferenciado, ou melhor, condescendente, com as mulheres (tipo “mansplaining” ou “manterrupting”). A sua atitude firme e corajosa em debate com o jornalista Diogo Mainardi foi emblemática e muito divulgada. Em sua trajetória profissional, você se deparou com muitas situações semelhantes?”

Luiza Helena Trajano: Primeiro, gostaria de falar que sou a favor das forças masculinas e femininas trabalhando em sintonia, juntas. Mas existe um forte machismo arraigado e precisamos quebrar esse paradigma que muitos adotam sem perceber... e outros, de propósito. O que precisamos fazer é não nos vitimizarmos em situações como essa e nos posicionarmos. Uma vez fui a uma reunião fechada em Brasília na qual um homem entrou sem ser questionado e uma mulher que tinha o mesmo cargo que ele, em outra entidade, foi barrada. Quando ia começar a reunião, questionei o motivo desta situação, e rapidamente perceberam a discriminação e a colocaram para dentro. Depois conversei com a mulher e disse que era ela quem devia ter se imposto e questionado, ao invés de ficar calada. É necessário não aceitar mais essas situações, sem perder nossa feminilidade.

Elvira Cavalcanti Presta - CFO da Eletrobras: Como você avalia o mercado de comércio eletrônico no universo de 10 ou 15 anos?

Luiza Helena Trajano: Em 2005 ou 2010 ninguém acreditaria se alguém falasse do atual estágio do comércio eletrônico, da mesma forma que não podemos prever como será daqui a 10 ou 15 anos, mas, certamente, estará muito mais avançado do que hoje, com novas tecnologias e gerações mais acostumadas com o digital. Mas isso não significa a morte das lojas físicas, e sim uma integração cada vez maior entre esses dois mundos.

Fabiane Goldstein - CEO da InspIR Brasil: Qual foi o seu maior acerto? E o maior erro?

Luiza Helena Trajano: Eu acredito muito que você só aprende quando está aberto ao erro. O que não gosto é de cometer sempre o mesmo erro. Criou-se o paradigma de que na administração não se pode errar ou voltar atrás, mas eu nunca pensei desse jeito. O medo do erro impede as lideranças e a equipe de serem criativas. Temos que dar margem ao erro e nos redirecionarmos rapidamente. Os acertos sempre foram relacionados a pensar fora da caixa, como quando começamos a auditar a empresa muito antes de ser obrigatório e buscar parcerias estratégicas que complementassem o negócio, entre outras ações.

Fernanda Camargo - Sócia-fundadora da Wright Capital: Como você consegue inspirar as pessoas? Há projetos dentro do Magazine Luiza que empoderam as pessoas. Pode descrever alguns deles relacionados as mulheres?

Luiza Helena Trajano: Existe um mito que diz que trabalhar com pessoas é muito difícil, mas nunca acreditei nisso. É necessário criar uma cultura que as valorize e que elas se sintam engajadas. As novas gerações estão cada vez mais cobrando isso: causas. Não é só trabalhar, é necessário fazer isso com propósito e que seja verdadeiro e inspire. No Magazine Luiza sempre criamos programas para as mulheres, atendendo, inclusive, a necessidades básicas para que se dedicassem ao trabalho, como o “cheque-mãe”, que é uma ajuda para a educação dos filhos, e isso vem desde o começo da década de 90 até hoje. São dezenas de programas, inclusive com questões fundamentais, como mulheres e homens, com o mesmo cargo, terem salários iguais e programas de ajuda para mais mulheres alcançarem cargos de liderança.

Heloisa Cruz - Sócia-fundadora e gestora do Stoxos Clube de Investimentos: Se você fosse dar alguma dica para alguém que quer fazer algum tipo de transformação, que conselho daria? Como fazer uma transformação tão grande quanto a que você fez?

Luiza Helena Trajano: Primeiro, eu não fiz um planejamento visando ser a primeira ou a maior, nem coloquei uma meta para alcançar o sucesso que estamos tendo hoje. Veja bem, “estamos”, pois ninguém tem sucesso, e sim está com sucesso, e precisamos trabalhar todo dia para mantê-lo. Tem uma frase de São Francisco de Assis, que utilizo muito: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível e, de repente, você estará fazendo o impossível”. Temos que fazer a cada dia o que é necessário. As transformações não acontecem de maneira grandiosa da noite para o dia, e sim com o esforço cotidiano que nos permite perceber que, após fazer o necessário, estamos realizando o que parecia impossível.

Louise Barsi - Conselheira e Investidora: Qual o seu conselho para uma jovem que acaba de se formar e está em busca do primeiro emprego. Como lidar com os obstáculos em relação à gênero?

Luiza Helena Trajano: Acredito que conquistamos bastante para as novas gerações. Essas questões eram muito mais complicadas antes, mas ainda temos muito para avançar. Nós, mulheres, temos de ser agentes de transformação da sociedade. Já somos, mas precisamos ampliar nossa participação na economia e na política e fazer a diferença em nosso Brasil. E quanto mais jovens nesse processo, melhor. Para as jovens, sugiro que, como eu, não procurem se equiparar a um modelo masculino. Nunca deixem de ser femininas para poderem exercer a liderança, acreditem que nossa maneira de gestão, de utilizar as coisas que foram permitidas à mulher desenvolver, como intuição, flexibilidade no lidar e poder de realizar várias atividades ao mesmo tempo, estão fazendo a diferença nas organizações.

Marisa Cesar - CEO do Grupo Mulheres do Brasil: Pode descrever alguns momentos seus de gratidão?

Luiza Helena Trajano: Tenho muitos momentos de gratidão, especialmente relacionados a filhos e netos. Há muito tempo tenho o hábito de escrever cartas relacionadas com a minha espiritualidade. Tenho blocos e blocos de textos nos quais falo de tudo, dúvidas, acontecimentos e, especialmente, gratidão. Acredito que temos que expressar, cada um de sua maneira, esses momentos de gratidão por tudo que nos acontece.

Sandra Calcado - coordenadora do IBRI Mulheres e RI da LOG-In: Como Conselheira de Administração de uma empresa familiar, listada na B3 e referência no mercado de capitais brasileiro, que aprendizados do dia-a-dia têm sido relevantes na condução de tomadas de decisões estratégicas e complexas?

Luiza Helena Trajano: Toda empresa, por maior que seja, começou do sonho e empreendedorismo de uma pessoa ou uma família. O maior varejista do mundo começou com o sonho de um empreendedor. As maiores empresas de tecnologia nasceram em garagens, com jovens idealistas. A empresa familiar traz grandes aprendizados e ensina a tomar decisões estratégicas e de grande importância. As empresas familiares tendem a ganhar relevância, desde que com governança estabelecida. Essa cultura da empresa familiar está ganhando força. Varejo é dia a dia. É levantar as portas todo dia, é atender os clientes a cada momento. É fundamental estar aberto para aprender e, especialmente no varejo, ouvir, o tempo todo é essencial.

Sônia Favaretto - Presidente do Conselho Consultivo da GRI Brasil: Um dos programas mais corajosos e lindos que você lidera é o de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica, funcionárias e público em geral. Inclusive, na pandemia, se tornou um case a ação: “Finja que vai fazer compra no app da Magalu”. Qual foi o seu momento mais emocionante ao lidar com essa realidade? Algum aprendizado a compartilhar?

Luiza Helena Trajano: A violência contra mulher está muito mais próxima do que se possa pensar. Alguns anos atrás, fiquei chocada com a morte de uma gerente de uma grande loja de shopping do Magazine Luiza, uma jovem brilhante, que foi assassinada a facadas pelo marido, e ninguém, nem a família e nem a equipe, tinha notado algum sinal de perigo. Rapidamente formamos um programa de apoio para mulheres dentro da empresa, no qual a própria mulher pode procurar ou até mesmo colegas podem denunciar anonimamente se ela chegar com marcas no corpo. Foi um sucesso, e nossa preocupação seguinte foi estender este programa nos canais da empresa, como no nosso aplicativo, para toda a população e incentivar outras empresas a criar esse programa. As empresas precisam apoiar as mulheres que sofrem com a violência, e não é caro fazer isso. O que custa para a empresa é a funcionária que é violentada, porque ela produz menos. Conseguir evitar que uma morte ocorra é obrigação. Além disso, quando a empresa assume a responsabilidade sobre uma funcionária e cria esse canal, a mulher perde o medo de relatar o que está acontecendo e perder o emprego, e o companheiro sabe que tem alguém olhando por ela.


Continua...