AMEC | Opinião

PROTEÇÃO A ACIONISTAS MINORITÁRIOS

Em importante decisão, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) reduziu o percentual mínimo de participação acionária necessário para que investidores possam exercer direitos em companhias de capital aberto por meio da Instrução 627/2020. Com isso, o regulador coloca o Brasil a par dos mais recentes avanços internacionais em proteção a acionistas minoritários, em especial com as proposições dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), fortalecendo a posição do mercado de capitais nacional em nível global.

Fruto de grupo de trabalho que contou com apoio do Ministério da Economia e da OCDE, a CVM determinou menores requerimentos de participação no capital para que investidores possam solicitar a exibição integral dos livros da companhia, convocar assembleias gerais, solicitar informações ao Conselho Fiscal e, por fim, mover ações judiciais contra administradores e sociedade controladora. Para companhias com capital social e até 100 milhões de reais, o patamar mínimo se mantém em 5 por cento, caindo, de forma escalonada em 5 faixas, para 1 por cento no caso de companhias com mais de 10 bilhões de reais.

Contexto Internacional no enforcement privado
Existem várias evidências na literatura econômica de que o aumento de proteção a acionistas minoritários tem correlação positiva com desenvolvimento econômico. Entre os muitos benefícios que a maior segurança aos acionistas traz, o relatório Doing Business 2020 produzido pelo Banco Mundial cita que empresas com melhor governança para os minoritários conseguem reduzir seu custo de capital e que isso não influencia apenas o valor das empresas, mas que também permite que economias com essas proteções se recuperem de crises mais rapidamente.

De acordo com o Factbook de Governança Corporativa 2019 da OCDE, o percentual mínimo de 5 por cento de capital social para solicitar a abertura de uma assembleia geral, por exemplo, já estava alinhado à legislação adotada pela maioria das jurisdições pesquisadas. No entanto, a fixação de um percentual único não parecia ser a melhor opção, especialmente diante da diversidade de companhias abertas brasileiras. A proporcionalidade ajuda a tornar os direitos ainda mais igualitários, pois possibilita que acionistas minoritários possam exercer seus direitos em empresas maiores com mais facilidade.

Nesse contexto, desde sua concepção, a Lei nº 6.404, de 1976, já reconhecia que os percentuais ali fixados poderiam ser excessivos a depender do porte da companhia. E o próprio diploma atribuiu à CVM a competência para reduzir a porcentagem mínima aplicável em diversos dispositivos. No entanto, é preciso mencionar que enforcement privado é tema controverso em qualquer país, e para o olhar menos atento, a possibilidade de que um número de maior de acionistas tenha o direito de mover ações judiciais contra companhias listadas pode ser entendida como um caminho para a judicialização excessiva, ou até mesmo para fortalecimento de ativismo pernicioso.

Ativismo e desenvolvimento do mercado brasileiro
No artigo: “Corporate Upgraders: America Should make life easier, not harder, for activist investors”, de 15/02/2014, a revista inglesa The Economist abordou o tema, afirmando que o ativismo fortalece as empresas envolvidas, citando evidências de que esse aperfeiçoamento se dá em horizontes inferiores a 5 anos. A conclusão foi a de que os reguladores nos EUA deveriam, portanto, tornar a vida dos ativistas mais fácil, e não o contrário. Vale o registro de que o conceito mais aceito de ativismo se traduz na maneira como acionistas podem influenciar o comportamento das companhias exercendo seus direitos de sócios.

A conotação ruim do termo em países com mercados mais desenvolvidos se justifica pela origem de uma indústria de agentes que podem ter atuação oportunista junto às empresas. É difícil determinar precisamente a relação de causa e efeito, que pode também envolver questões culturais, mas a intensidade do ativismo estaria relacionada ao próprio grau de sofisticação dos mercados. Ou seja, mais liquidez e número ampliado de agentes tenderiam a produzir maior número de investidores mais engajados e que buscam mecanismos para o exercício de seus direitos.

No Brasil, estamos ainda dando primeiros passos em todos esses aspectos, e a Amec sinalizou isso em recente artigo de opinião: "Corporations Brasileiras: Ativismo, Comunicação e o Papel dos Boards". Percebemos a necessidade de amadurecimento de uma cultura de relacionamento de investidores com as empresas investidas, o chamado engajamento. Essa interação, inclusive, é a essência do Código Amec de Stewardship que traz princípios consagrados para orientar as partes nesse processo.

Arbitragem e seus aperfeiçoamentos
A existência de instrumentos que permitam o tratamento igualitário entre acionistas e procedimentos especiais para reparação de danos é necessária para garantir que todos tenham a possibilidade de ressarcimento a custos razoáveis e sem demora excessiva. Esses são, em grande medida, os pontos que se sobressaem na agenda de investidores estrangeiros que avaliam alocar recursos no Brasil. Nesse sentido, o mecanismo da arbitragem é o que tem se destacado no país para cumprir esse papel, embora haja ainda diversas críticas sobre as limitações do instrumento.

As principais críticas à disseminação do uso do foro arbitral recaem nos ainda elevados custos, que inviabilizam a participação não só de investidores pessoas físicas, mas também de boa parte de investidores institucionais de menor porte. Essa barreira pode ser contornada com a diluição de despesas à medida que mais investidores adiram à disputa, mas quase que em contrassenso, a confidencialidade quase que absoluta dos termos dificulta até mesmo o conhecimento dos investidores sobre a existência da disputa.

Mas mesmo com todas essas dificuldades, considerando o lugar-comum da baixa especialização e falta de tempestividade das decisões judiciais, a arbitragem deve se consolidar como a alternativa viável para reparação de danos. Mantendo o tom otimista e construtivo, a despeito do inexorável caminho a ser percorrido para práticas mais equitativas, o fortalecimento da proteção a investidores é um avanço importante que cria as bases para a sofisticação mais acelerada das práticas de mercado de capitais no país. 

Fábio Coelho
é presidente-executivo da Amec - Associação de Investidores no Mercado de Capitais.
fabio.coelho@amecbrasil.org.br


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