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A Comissão de Valores americana, a SEC, tomou uma medida completamente inesperada, ao aumentar o nível de recursos sob gestão, que uma firma necessita ter para o arquivamento obrigatório, todo trimestre, das companhias em seu portfólio. Até aqui, todas as firmas e instituições com U$ 100 milhões sob gestão, devem arquivar os famosos 13-F. Na nova proposta, esse piso seria de U$ 3.5 bilhões. Claro que a grita de grande parte do mercado, principalmente do NIRI - National Investor Relations Institute, e das companhias abertas, foi enorme.
Mas o diabo está nos detalhes. Eu pessoalmente vejo que é claro que essa medida nos afasta de maior transparência em relação a base acionária de uma companhia aberta. Dos beneficiários finais, como se diz no jargão.
E isso nos EUA, um país que já não é um mercado de completa transparência (full-disclosure market) em relação a beneficiários finais. O Brasil, por exemplo, com a implantação da escritura eletrônica em 1990, adquiriu completa transparência de beneficiários finais de suas companhias. As companhias abertas recebem listas de acionistas de seus bancos custodiantes. Isso não existe nos EUA. Lá, é possível obter uma lista parcial de corretores que transacionaram determinada ação via DTC (Depository Trust Company), mas não sabemos, a priori, em nome de quem.
As regras atuais do 13-F foram concebidas em 1978. Essa atual proposta contém três provisões adicionais que nem valem a menção pois são de mínimo escopo e mais técnicas, precisamente em relação a exceções. O SEC publicou a intenção de mudanças no dia 10 de Julho, e temos 60 dias para comentários. O comunicado indica que a petição original para a mudança sendo considerada foi feita em 2003. E aqui temos o fulcro de várias questões. Alguns críticos dizem que é lobby forte de fundos hedge junto a Trump. O que me parece exagerado, pelo que indicam as datas, mas ninguém nega o fato de que o anúncio foi feito agora. Que essa pressão existisse desde então me parece curioso, mas faz um certo sentido. E aqui temos o fulcro da questão.
Vários participantes do mercado vão sempre fazer lobby para fortalecer suas posições. Sempre pensamos que fundos alternativos ou hedge têm um interesse óbvio em não divulgar suas posições. Faz parte de sua estratégia ganhar dinheiro usando assimetria de informação. Hoje em dia, com inteligência artificial, bots e transações de alta frequência (HFT), a situação é ainda mais crítica, e por isso a SEC deveria ter muito cuidado. Em 1995, cerca de 80% dos investimentos eram ativos. Hoje em dia, apenas 13%. E o que tomou o espaço não foi necessariamente o investimento passivo e indexado. O que já responde por quase 50% das transações atualmente são HFTs com algoritmos e inteligência artificial. Todo o trabalho de fundos long, que querem participar da sociedade na companhia de capital aberto, conversando com administradores e determinando rumos e estratégia, fica ameaçado com tal medida. Pois não se saberá mais quem são muitos dos companheiros de jornada, ou por que eles estão investindo no papel. Como o mercado mudou, a SEC parece querer facilitar o compliance. Mas a que custo?
Gary LaBranche, presidente do National Institute of Investor Relations, NIRI, deixa claro que sua oposição institucional é ferrenha e não vai medir esforços para derrubar a medida. LaBranche afirma que “antes de sexta-feira [10 de Julho], ninguém tinha discutido essa proposta em nenhum evento público, e em nenhum pronunciamento da comissão ou de seus executivos... Nenhum de nossos parceiros de coalizões, ou qualquer organização de companhias abertas em Washington ouviu falar da proposta... O nosso lobby externo, que monitora a SEC para várias organizações, não antecipou quaisquer evidências que uma proposta seria avançada. Nada indicou que isso aconteceria...”
LaBranche indica que numa reunião oficial com a SEC em Setembro do ano passado, gravada, e com a presença de mais de 60 executivos, os oficiais da SEC foram textuais em afirmar que não tinham planos em mexer com o 13-F. Essa reunião faz parte quase que oficial do calendário e começou desde 2017. Na verdade, a NIRI se preocupou, ainda num passado não muito distante, como obter ainda mais transparência e não fechar a fresta que resta. Ela se manifestou, agora em Maio, sobre a revelação de posições de aluguel de ações (short position disclosure). Os fundos hedge, segundo dados da NIRI, gastaram U$240 milhões em atividades políticas durante a campanha presidencial de 2016. Para lutar contra esse poder de fogo, a NIRI teve que formar coalizões com a U.S. Chamber of Commerce e National Association of Manufacturers.
Mesmo com todo o alvoroço que a medida, causou vale estressar o nó górdio fundamental sempre. O que devemos desatar. A assimetria de informações no mercado. Pois essa medida é um passo nessa direção, e não vai nos levar a uma menor assimetria. Os fundos hedge podem usar muitas estratégias se ficarem longe do radar de titularidade. E sancionar isso hoje em dia seria impensável. Justo quando mais investidores pessoa física (sim, lá como cá) adentram o mercado, fugindo de uma situação de retorno zero em investimentos tradicionais.
Finalmente, LaBranche insinua claramente em sua carta que os fundos hedge estão muito insatisfeitos com as propostas sobre firmas de proxy (Proxy advisor rule), onde tentam combater o duopólio de duas firmas, ISS e Glass Lewis, com maior responsabilidade e participação dos fundos. O combate a essa regra chegou a Casa Branca, com muitos fundos insatisfeitos com demandas adicionais de tempo e dinheiro. Mas sem a tal da accountability, como é que fica? E ela tem custos.
Fica difícil fazer um prognóstico se em 60 dias a avalanche oposicionista terá sucesso. Mas, caso a regra vingue, isso torna o mercado americano muito opaco e pode dificultar companhias que relutam em abrir o capital. Para alguns analistas, é muito arriscado não saber, no fim das contas, quem são seus sócios na empreitada de forma mais holística. Por outro lado, o tipo de transações que temos nos mercados de ações, quem as leva a cabo, e da maneira como fazem atualmente, é algo que realmente mudou da água para o vinho, comparado ao que era antes, gerando muitas eficiências e liquidez final. Mas ainda assim, não se pode tergiversar quando o assunto é mais transparência. A nova regra é um retrocesso.
Fernando Carneiro
é diretor da IHS Markit, baseado em São Paulo.
fernando.carneiro@ihsmarkit.com